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Musa do OnlyFans diz quase ter morrido após aplicar remédio para cavalo

Filipe Pavão

De Splash, no Rio

14/06/2022 04h00

Usar suplementos vitamínicos para melhorar o desempenho atlético, bem como aumentar a resistência, a energia e o foco durante o treino faz parte da rotina de muitos praticantes de exercícios. O acompanhamento médico é fundamental para identificar os suplementos adequados. No entanto, é comum achar relatos de pessoas que buscam recomendações na internet e encontram produtos como o Potenay, que é usado equivocadamente como pré-treino. Ele não é anabolizante, nem hormônio, mas sim um estimulante fabricado para animais. O uso indevido por humanos pode causar alucinações, agressividade, arritmia, agravar depressão e outros efeitos colaterais.

Foi o que aconteceu com a influenciadora Suzy Cortez, de 32 anos. Em relato a Splash, a ex-Miss Bumbum diz que começou a tomar o medicamento como pré-treino após ler uma publicidade na internet que o vendia equivocadamente como "o mais forte do mundo". Sem consultar um médico e saber que era para animais, decidiu utilizá-lo para voltar a treinar, prática que havia abandonado devido a um quadro de depressão.

Após perder o Instagram em novembro de 2020, Suzy disse que levou cerca de seis meses para buscar apoio psicológico e iniciar um tratamento contra seu quadro. Após iniciá-lo e melhorar sua saúde mental, conseguiu voltar aos treinos, conheceu o Potenay por meio de um anúncio que a levava para o site do Mercado Livre e começou a usá-lo em julho de 2021.

"Tive depressão com o hackeamento porque sou uma influencer e tinha vários patrocínios pelo Instagram. Só ficava na cama e chorava. Então, procurei um psiquiatra, que passou remédio para depressão. Esse remédio salvou a minha vida e eu voltei a ter ânimo para começar a treinar. Foi aí, então, que conheci o Potenay. Cliquei em um link que me levou para o Mercado Livre e comprei porque era muito barato. Uma caixa vem dez frascos de 10 mL", diz.

"Injetei 3 mL, depois mais três e, um tempo depois, mais 10 mL, tive uma falsa sensação de energia e não parei mais de usar. Fiquei viciada inconscientemente. Quando não tinha o Potenay, eu ficava desesperada. Fui parar no hospital com pressão alta por conta do remédio, mas não tinha noção disso, porque nunca associei meus problemas a ele, achava que era a depressão", continua.

Segundo Daniel Pinto, pesquisador e doutor em Ciências Médicas pela UFC (Universidade Federal do Ceará), levantamentos médicos mostram que existem desordens psiquiátricas relacionadas a esse medicamento, como perda de contato com a realidade, mania de perseguição, vozes da própria cabeça.

Suzy Cortez ficou com perna cheia de furos devido a aplicação intramuscular do medicamento para cavalos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Suzy Cortez ficou com perna cheia de furos devido a aplicação intramuscular do medicamento para cavalos
Imagem: Arquivo pessoal

Mas o que é o Potenay?

Potenay é o nome de um medicamento composto por um mix de vitaminas e uma metanfetamina (estimulante). A indicação veterinária é para aumentar o tônus muscular e estimular o sistema circulatório em bovinos e equinos que possuem quadros de déficit vitamínico e sistema imunológico debilitado.

A Zoetis, farmacêutica que produz o Potenay no Brasil, reforça que o uso de um produto veterinário para a saúde humana é uma prática ilegal. Em contato com Splash, a empresa disse não haver "qualquer indicação da companhia em bula" para uso humano.

"O rótulo e o cartucho do produto apresentam tarja preta contendo os dizeres: "Venda sob prescrição do médico-veterinário, com retenção obrigatória da notificação com receita" e, na bula, constam em destaque os dizeres: "Atenção: o uso pelo homem pode causar graves riscos à saúde'", ressalta a Zoetis.

Mas não é de hoje que o Potenay é desvinculado de sua orientação original, segundo Daniel. Pelo contrário, desde os anos 1990, o medicamento já foi utilizado para rinha de galos e de cães — que são atividades ilegais no Brasil, Na sequência, passou a ser utilizado de forma intramuscular por atletas antes de competições para dar "um ganho de força momentâneo".

Suzy Cortez comprou o Potenay por meio do site Mercado Livre - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Suzy Cortez comprou o Potenay por meio do site Mercado Livre
Imagem: Arquivo pessoal

Efeitos na saúde física e mental

O pesquisador destaca que o uso do Potenay como pré-treino pode causar dependência e agravar depressão devido ao "efeito de rebote", pois quando a pessoa injeta o medicamento, ela tem uma alta descarga de neurotransmissores, levando o desgaste deles.

"Depois do nível subir pela primeira vez, vai descer até o nível basal. Na segunda vez, você já desgastou parte dos seus neurotransmissores, vai descer mais. E depois, mais. Você vai diminuir a biodisponibilidade de neurotransmissores, vai entrar no processo de dependência e vai querer cada vez mais. É um vicio", afirma.

"Ele aumenta a impulsividade e as quedas depressivas. Se você tem uma desregulação maior dos neurotransmissores, você vai ter crises mais fortes. Quando você distancia uma injeção da outra, você começa a gerar ansiedade. O cérebro passa a querer cada vez mais doses e em maiores quantidades", explica.

Suzy Cortez precisou ir ao hospital diversas vezes enquanto usava o Potenay - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Suzy Cortez precisou ir ao hospital diversas vezes enquanto usava o Potenay
Imagem: Arquivo pessoal

Suzy Cortez relata ter passado por isso durante os oito meses os quais usou o produto.

"Injetava o remédio antes de ir a qualquer lugar. Até para levantar da cama, eu precisava dele. Minha perna ficou toda marcada porque aplicava direto", desabafou.

Suzy relata ter injetado 100 mL em um único dia, o que já seria considerado uma superdosagem para animais, pois a bula do medicamento recomenda de 1 a 2 mL para cada 25 kg de peso, de 1 a 5 dias, para tratamento em bovinos.

A influenciadora conta que parou de injetá-lo em maio deste ano após "chegar ao fundo do poço".

Cheguei a me cortar, a bater com a cabeça na parede. Tive crises existenciais. Cheguei ao fundo do poço.

"Parei de usar quando percebi que ia tomar para dormir, então, decidi pesquisar sobre e fiquei chocada. Joguei mais de 40 potes, agulhas e as seringas lixo. Hoje, tenho noção de que tudo que passei foi por conta do remédio e estou fazendo diversos exames para saber se está tudo bem. Quis dar o meu relato, porque é um produto vendido como pré-treino e é fácil de ser encontrado. Se estou viva hoje, é por causa de Deus," finaliza Suzy.

Quem também sofreu com o Potenay foi o fisiculturista Tiago Celli, de 42 anos, que começou a usar o produto por influência de amigos em 2012. Em entrevista a Splash, ele conta que usou a droga como pré-treino durante seis anos e relata que virou dependente dela.

"Chegou uma época que para me levantar da cama e fazer coisas básicas como ir à padaria ou tomar café, eu já não conseguia sem o uso da substância. Eram três bujões aplicados intramuscular".

Além do efeito estimulante no musculo, ele também buscava o bem-estar momentâneo causado pelo sulfato de mefentermina, mas, a longo prazo, teve problemas físicos como dificuldade de ereção em relações sexuais. O fisiculturista ainda avalia que as alterações comportamentais e sequelas emocionais foram piores.

"Com o tempo, uso contínuo e noites sem dormir, me tornei uma pessoa totalmente bipolar e agressiva. Desenvolvi crises de ansiedade, depressão profunda e síndrome do pânico. Decidi parar porque percebi que já não tinha mais controle sobre minhas ações, qualquer coisa me tirava do sério."

Não adianta você atingir alta performance com o uso de uma substância que tem uma ação devastadora com o passar do tempo. A verdadeira ostentação não está em um físico bonito, mas em uma mente saudável.

À  esquerda, Tiago Celli e os filhos, "o seu maior bem"; a direita, ele na época em que disputava competições de fisiculturismo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
À esquerda, Tiago Celli e os filhos; a direita, ele na época em que disputava competições de fisiculturismo
Imagem: Arquivo pessoal

Venda com receita é obrigatória

A venda de Potenay sem a retenção de receita prescrita por um médico veterinário infringe a lei brasileira. A fiscalização é responsabilidade do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), que cuida do registro de produtos veterinários, além de regular os estabelecimentos que produzem e distribuem tais medicamentos.

Em resposta a Splash, o MAPA afirma "que tem atuado na fiscalização de comercialização de produtos de uso veterinário, inclusive nos marketplaces, o que tem resultado em infrações aos responsáveis e apreensões de produtos".

Ainda destaca em nota que o Potenay está registrado no ministério e que "para esse registro foram verificados critérios de comprovação de sua eficácia e segurança para o uso exclusivo em animais. Desta forma, não há qualquer indicação ou recomendação de seu uso por humanos".

Desta forma, a venda do Potenay não poderia ser feita pelo Mercado Livre como relatou Suzy Cortez e checado pela reportagem de Splash.

Em nota, o Mercado Livre esclarece que "é proibida a venda de produtos veterinários sujeitos a controle especial, assim como de produtos em desacordo com a legislação em vigor. Diante disso, assim que identificados, tais anúncios são excluídos e o vendedor notificado, podendo até ser banido permanentemente".

O Mercado Livre diz que combate "proativamente o mau uso da sua plataforma, que conta com tecnologia e equipes dedicadas para identificação e moderação dos conteúdos. Além disso, atua rapidamente diante de denúncias que podem ser feitas pelo poder público, por qualquer usuário diretamente nos anúncios ou por empresas que integram seu programa de proteção à propriedade intelectual".

Antes da publicação desta reportagem, os links enviados à plataforma foram retirados do ar, mas ainda é possível encontrar o produto disponível por outros revendedores.

Apesar disso, a plataforma ressalta que, "atua no combate à venda de produtos proibidos, auxiliando ainda as autoridades na investigação de irregularidades e para oferecer a melhor experiência aos usuários.