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Derrota de Mauricio de Sousa: Por que alguém ainda se decepciona com a ABL?

Mauricio de Sousa na Bienal do Livro de 2018 - Iwi Onodera/UOL
Mauricio de Sousa na Bienal do Livro de 2018 Imagem: Iwi Onodera/UOL

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

01/05/2023 04h00

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No começo do ano, numa entrevista que me concedeu por causa da nova edição de "Canção Para Ninar Menino Grande", Conceição Evaristo comentou como a Academia Brasileira de Letras vinha perdendo o bonde da história e corria o risco de ficar bolorenta.

Conceição tinha em mente não apenas o pleito de 2018, quando disputou a cadeira que a ABL escolheu dar para o cineasta Cacá Diegues, mas também a campanha frustrada para que Daniel Munduruku se tornasse membro da casa.

Desta vez o bonde que passou tinha Mauricio de Sousa à frente. Mais importante que o piloto, carregava consigo a possibilidade de a ABL se abrir para as HQs. No auê das redes, o principal concorrente do criador da Turma da Mônica foi o autor de um livro de marketing hoteleiro que, sejamos honestos, passou semanas tentando tratar os quadrinhos como arte de menor importância.

Quem ganhou o embate? Ninguém. A cadeira ficou com o filólogo Ricardo Cavaliere, tido como favorito nos bastidores.

Eleição acachapante, diga-se. Mauricio teve dois votos, enquanto o concorrente eleito teve 35 — o do marketing para hotéis não recebeu nenhum. Por que o quadrinista perdeu? Difícil cravar, mas nem tão difícil assim imaginar possibilidades. Não causaria surpresa descobrir que boa parte da Academia também considera HQ uma arte de menor valor, estupidez mofada que segue a ecoar com alguma força por aí.

Além disso, para alguém ser eleito por lá, tapinha nas costas e beija-mão nos bastidores contam muito mais do que qualquer gritaria em redes sociais. Finalmente, a ABL tem seus próprios interesses; é de se supor que questões internas influenciam muito mais nas escolhas do que mobilização e comoção de leitores.

Escrevi em outra oportunidade: é sintomático que as atenções se voltem para a ABL quase que exclusivamente quando um novo membro é eleito para a Academia. Com exceção, talvez, de seus prêmios, nenhuma outra ação da entidade parece causar tanto alvoroço.

A impressão que dá é que a casa fundada por Machado de Assis e seus camaradas em 1896 vive num mundo de formalidades e solenidades tão distante deste Brasil do século 21 quanto o hábito do chazinho vespertino numa cidade onde o termômetro costuma bater 40ºC.

Na hora de fazer campanhas e criar expectativas para que nomes sejam eleitos para a casa hoje presidida por Merval Pereira, faria bem aos leitores tentarem lembrar quando deram ou receberam atenção da Academia sem ser por alguma outra eleição.

Se apenas pleitos fazem com que os olhos se voltem para a ABL, é hora de sacar que, apesar da importância histórica e simbólica, suas pompas, mesuras e fardões já não significam grandes coisas.

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