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OPINIÃO

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Uma leitura certeira para quem está curtindo The Last of Us

"The Last of Us" apresenta Sarah (Nico Parker) e Joel (Pedro Pascal) no primeiro episódio - Shane Harvey/HBO
'The Last of Us' apresenta Sarah (Nico Parker) e Joel (Pedro Pascal) no primeiro episódio Imagem: Shane Harvey/HBO

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

06/02/2023 04h00

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"Nos vales estreitos e profundos em que eles viviam todas as coisas eram mais antigas do que o homem e num murmúrio contínuo falavam de mistérios", lemos num trecho. "Talvez na destruição do mundo fosse finalmente possível ver como ele fora feito. Oceanos, montanhas. O grave antiespetáculo das coisas deixando de existir. A desolação extensa, hidrópica e secularmente fria. O silêncio", temos em outro. Já num terceiro: "A bondade vai encontrar o menininho. Sempre encontrou. Vai encontrar outra vez".

Não me atraio por histórias apocalípticas. Tenho ainda menos interesse por histórias com zumbis. Ainda assim, depois de ouvir muitos elogios, peguei "The Last Of Us" para jogar. E que jogo! Numa jornada profundamente humana, com cenas tão tristes quanto memoráveis e uma constante desolação por caminhar num mundo destruído, matar monstrengos soava como a parte mais besta da coisa, quase dispensável. Complementar o game principal com a expansão, na qual compreendemos melhor os desejos e paixões de Ellie, a protagonista, traz uma beleza a mais para a trama.

Peguei "The Last Of Us - Part II" para jogar. Tinha receio. Estragariam tudo com uma coleção de presepadas? Não foi o caso. Ainda assim, empaquei. Não por culpa do jogo, mas por falta de tempo para o videogame - e para uma aventura que não só exige, como merece toda a nossa atenção. Pela mesma razão, sequer cogitei ir atrás de assistir à série que, pelo visto, tem deixado os espectadores bem satisfeitos.

No Brasil, a Alfaguara enfim volta a dar a atenção para Cormac McCarthy. Aos 89 anos, o estadunidense é um daqueles escritores que, quando morrer, nos perguntaremos: como pode não ter levado o Nobel de Literatura? Há poucos meses o autor rompeu um silêncio de quase duas décadas sem publicar e lançou, de uma vez, dois longos romances que dialogam entre si: "O Passageiro", que já saiu por aqui, e "Stella Maris", prometido para os próximos meses.

A Estrada, de Cormac McCarthy - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

A editora também começou a lançar novas edições da chamada Trilogia da Fronteira, composta por "Todos os Belos Cavalos", "A Travessia" e "Cidades da Planície". Neles, McCarthy constrói tramas apontadas como faroestes modernos, situadas nas paragens secas e empoeiradas entre o México e os Estados Unidos, onde culturas se cruzam enquanto homens se dilaceram numa natureza inóspita.

Cenário semelhante encontramos no espetacular "Meridiano de Sangue", daqueles livros que todos merecem ler em algum momento da vida. O cenário aliado a certa pegada fantasmagórica dessas narrativas me remetem a Juan Rulfo, mexicano autor de "Chão em Chamas" e "Pedro Páramo", outro a estar na lista de qualquer leitor.

McCarthy é um escritor de escolha minuciosa de palavras e estilo apurado, singular. Como Saramago, pede certa dedicação até que nos familiarizemos com seu jeito de contar histórias. Histórias melancólicas que com frequência dialogam com a mitologia cristã. É o caso de "A Estrada", romance que indico a todos que estão curtindo "The Last Of Us". Muitos notaram as semelhanças entre as narrativas distópicas quando o jogo saiu. Se não há estaladores na trama de McCarthy, é fácil enxergar paralelos com zumbis em personagens que atormentam o caminho de pai e filho a cruzar um país dizimado, onde poucos sobreviveram.

Tirei os trechos que abrem esta coluna da tradução feita por Adriana Lisboa. Numa longa caminhada, pai e filho buscam por formas de permanecer no mundo. Mas não só isso. Procuram pela humanidade, por alguma fagulha de bondade, pelos limites morais que seguem ou deveriam seguir existindo mesmo em terra devastada. Apesar de tudo (são muitos e chocantes os horrores, pode acreditar), seguem adiante. Pela comida, pela sobrevivência, por talvez encontrar respostas, uma nova chance para a vida ou, pelo menos, algum alento.

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