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OPINIÃO

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Não esquecer nem perdoar: e a gente faz um país

Chuva Colorida, de Bansky - Arquivo
Chuva Colorida, de Bansky Imagem: Arquivo

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

01/11/2022 04h00

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"Você me abre seus braços/ E a gente faz um país".

Tem mais de mês que "Fullgás", canção feita por Marina Lima em parceria com o poeta Antônio Cícero, martela em minha cabeça. O motivo é óbvio: a corrida presidencial que virou assunto onipresente em todas as esferas da vida. Vencido o fascismo nas urnas, há chance de voltarmos a pensar isso daqui como um país?

Olhar para a história da música e para os erros cometidos desde então pode ajudar a clarear as coisas. "Fullgás" chegou ao público em 1984, época em que a ditadura militar minguava e a democracia começava a dar as caras. Diferente do compreensível cansaço atual, naquele tempo o clima era de empolgação pelo Brasil. Superados os milicos, que usássemos toda a energia disponível para construir uma grande nação.

"Entre equívocos e acertos, os entulhos da ditadura militar eram eliminados um a um, permitindo que uma luz de participação popular fosse retomada. A esperança e a democracia, após anos de silenciamento, podiam ser, enfim, pronunciadas. O Brasil, àquela altura, era um projeto a ser desenhado", escreve o pesquisador Renato Gonçalves em "Marina Lima: Fullgás". O trabalho é parte de "O Livro do Disco", da Cobogó, interessante coleção de títulos com análises de importantes álbuns de nossa música.

Fazer um país significava "erguer a democracia tijolo por tijolo", recorda Renato. É mais ou menos o que precisa ser feito agora. Defensores de torturadores, entusiastas de ditaduras, apoiadores de milicianos, gente que despreza a ciência e outros tipos de adoradores da morte precisam voltar para as sombras. Não se faz um país onde uma parte da população quer aniquilar a outra.

Uma outra frase tem me acompanhado nesses tempos: "Ni olvido, ni perdón", lema da luta contra os carniceiros da ditadura argentina, muitos deles condenados e presos no processo de redemocratização dos vizinhos, como mostra o bom filme "Argentina: 1985". "Não esquecer nem perdoar": precisamos levar isso a sério também por aqui.

Que desta vez haja punição para os incontáveis crimes cometidos por Jair Bolsonaro enquanto esteve no poder, da postura corrupta e assassina durante a pandemia às diversas ações golpistas da campanha eleitoral. Que os generais, comandantes e chefes de polícia que sujaram as mãos durante esses últimos quatro anos também tenham que se entender com a justiça. Que militares voltem para o quartel e se afastem de uma vez por todas da política. São subordinados dos civis, não os tutores da democracia.

"Não esquecer nem perdoar". Os brasileiros esqueceram e perdoaram muitas coisas após o fim da ditadura militar. Demorou pouco para que a leniência descambasse em armas novamente apontadas para a cabeça da democracia e um sinistro apaixonado por criminosos fardados tomasse o poder. A história recente nos mostra como é fundamental punir os culpados e não esquecer as atrocidades. Sem isso, por mais que abramos os braços, dificilmente conseguiremos fazer um país.

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