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OPINIÃO

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Maria Firmina, brasileiros, Annie Ernaux, Copa... Notas sobre a Flip

Maria Firmina dos Reis recriada por João Gabriel dos Santos Araújo em concurso realizado pela Flup. - Reprodução
Maria Firmina dos Reis recriada por João Gabriel dos Santos Araújo em concurso realizado pela Flup. Imagem: Reprodução

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

14/09/2022 04h00

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Depois de dois anos se virando com o virtual por conta da pandemia, a Festa Literária Internacional de Paraty voltará a acontecer de forma presencial. A edição de 2022, a 20ª do evento, rolará entre os dias 23 e 27 de novembro e homenageará a escritora Maria Firmina dos Reis. A curadoria será assinada por um trio formado pela jornalista, tradutora e editora Fernanda Bastos e pelos professores e pesquisadores de literatura Pedro Meira Monteiro e Milena Britto. A programação oficial, que ainda pode ter acréscimo de nomes, foi divulgada ontem. Deixo as minhas impressões.

- A começar pela homenageada. Gosto da escolha da maranhense Maria Firmina dos Reis, mulher de biografia difícil de precisar: provavelmente nasceu em 1822 e lançou "Úrsula", romance com pegada abolicionista, em 1859. É um aceno para o resgate de nomes importantes de nossa literatura e um chamado à ampliação de cânones.

- O orçamento previsto para a edição deste ano da Flip é de R$ 6 milhões, mas ainda não há toda essa grana em caixa. Em tempos de inflação destrambelhada e passagens aéreas a preços esdrúxulos, acabou que boa parte da programação principal será formada por escritores brasileiros. Pelas minhas contas de padaria, serão 23 autores nacionais, 10 estrangeiros e uma meio brasileira meio argentina.

- O que penso disso? Gosto. Muita gente pedia mais artistas brasileiros como protagonistas do Rock'n'Rio. O mesmo vale para a literatura. Aliás, recomendo esse artigo do escritor Henrique Rodrigues sobre a necessidade de uma intranacionalização das nossas letras. Se a ideia da curadoria da Flip é "ver o invisível", como falou Fernanda, valorizar vozes pouco ouvidas, conciliar diferenças e buscar apreender um tanto de nossas complexidades, o caminho é mesmo dar bastante espaço para o que rola pelo país.

- Alguns encontros me parecem especialmente interessantes. Deve sair coisa boa do papo entre as poetas Teresa Cárdenas, de Cuba, e Cida Pedrosa, vencedora do Jabuti de Livro do Ano de 2020 com "Solo Para Vialejo" (CEPE), um dos grandes títulos de nossa literatura nos últimos anos. Também tenho boas expectativas para a mesa de Ricardo Lísias, que há pouco lançou "Uma Dor Perfeita" (Alfaguara), com Amara Moira, autora de "E Se Eu Fosse Puta" (Hoo) e do instigante "Neca + 20 Poemas Travessos" (O Sexo da Palavra), sobre o qual ainda preciso escrever.

- Aliás, bom que a curadoria não colocou Amara junto com a argentina Camila Sosa Villada, do belo "O Parque das Irmãs Magníficas" (Tusquets), outra que merece atenção. Seria uma obviedade grande demais escalar duas autoras trans para a mesma mesa.

- Em condições normais, estranharia a presença do crítico literário Luiz Mauricio Azevedo, autor de "Estética e Raça - Ensaios Sobre a Literatura Negra" (Sulinas), que estará ao lado do chileno Benjamin Labatut, do superestimado "Quando Deixamos de Entender o Mundo" (Todavia). Estranharia porque Maurício é editor da Figura de Linguagem ao lado de Fernanda, sua companheira e uma das curadoras da Flip. Mas os ataques covardes que Mauricio sofreu há alguns meses por conta de uma resenha de "Homens Pretos (Não) Choram", de Stefano Volp (Harper Collins), tiram a análise do eixo da normalidade. Além disso, a curadoria coletiva atenua o ar de pessoalidade. Bem-vindo, o convite soa como apoio ao melhor do espírito crítico.

- Por falar em espírito crítico, o cérebro aqui sorriu ao ver a francesa Annie Ernaux, dos admiráveis "O Lugar", "Os Anos" e "O Acontecimento" (Fósforo), na programação da Flip deste ano. Já espero muito do papo de Annie com a gaúcha Veronina Stigger

- Segundo Milena, curadora, uma das ideias da Festa foi trazer a América Latina para perto de nossa produção editorial. É um movimento que demorou para acontecer e que poderá ser ainda mais incisivo nas próximas Flips. Dos 10 estrangeiros da edição deste ano, dois são dos Estados Unidos, quatro são da Europa e quatro são latino-americanos de fora do Brasil - isso sem contar Rita Segato, a meio argentina meio brasileira. Senti falta de representantes da África; de acordo com a própria Milena, por motivos diversos, as conversas não foram adiante com nomes de diferentes países do continente

- Repetições: estará lá de novo a antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz ministrando uma espécie de aula sobre a autora homenageada. Pela presença nos últimos anos, fica a impressão que Lilia arrumou uma cadeira cativa na Flip. A escolha é para, por meio da popularidade da intelectual, jogar luz no nome de Maria Firmina, argumentam os curadores. Também volta à Festa Geovani Martins, que esteve na Flip de 2018 enquanto lançava o livro de contos "O Sol na Cabeça", sua estreia. Ele agora lança "Via Ápia", seu primeiro romance. Tanto Lilia quanto Geovani são publicados pela Companhia das Letras.

- E a Flip acontecerá durante a Copa do Mundo. Não colocaram mesa em horário de jogo da insossa seleção de Tite, mas Copa não é só Brasil. Todos os jogos, todos pré-jogos e todos pós-jogos importam. Que as datas da Flip nunca mais colidam com o maior evento do mundo.

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