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REPORTAGEM

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Semana de Arte Moderna: chance para repensar o país e o nacionalismo

Colunista do UOL

11/02/2022 04h00

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Na 111ª edição do podcast da Página Cinco:

- Papo com José de Nicola e Lucas de Nicola, autores de "Semana de 22 - Antes do Começo, Depois do Fim" (Estação Brasil).

Destaques do papo:

Legado construído antes de 22

José: Na perspectiva de 1922, a Semana de Arte Moderna, aquelas três noites que aconteceram no Theatro Municipal de São Paulo, acabou sendo o que nós temos chamado de o grito coletivo. Havia uma série de manifestações individuais e aquela semana foi o momento em que eles, em conjunto, soltaram o brado coletivo... Tudo o que hoje chamamos de legado de 22 já estava construído até 1921.

Repensar o Brasil

José: O grande legado é a revolução estética que eles promoveram. Junto com essa perspectiva de repensar o que se fazia na arte no Brasil, como plano de fundo há também o repensar o próprio país, o que é o próprio Brasil... Quando você vem para 2022, se pensar no momento em que estamos vivendo, com um governo que se apropriou de todos os aparelhos ideológicos do Estado ligados à cultura, à educação, e promoveu uma destruição de tudo o que vinha sendo feito, repensar a arte brasileira, repensar a nossa história, pegar a Semana como memória para repensar a estética, repensar o país hoje, é uma coisa extraordinária.

Ruptura e comoção

Lucas: A partir de uma forma livre de expressão, romper com alguma característica formal da literatura, inserir algum tema que seria inesperado. Tudo isso partindo daquilo que o Mario [de Andrade] chamava de comoção. A poesia, pro Mario, a literatura e a arte, em geral, parte daquela comoção, daquilo que o artista sente perante o mundo e quer expressar, não de fórmulas enrijecidas.

Política x estética

Lucas: Muito se comenta que a semana aconteceu no centenário da independência política do Brasil. A gente não pode esquecer que a semana aconteceu às vésperas de se completar 34 anos da abolição do trabalho escravo no Brasil. E 33 anos depois da proclamação da República. E a semana aconteceu dez anos antes, por exemplo, da aprovação do voto feminino no Brasil. Essas balizas servem para a gente tentar entender qual era o mundo no qual aqueles indivíduos viviam.

De fato, infelizmente não era um mundo muito diverso o que eles frequentavam... Eles propuseram uma renovação estética. Talvez no âmbito político, da diversidade cultural, não estivessem na ponta de lança da sociedade - certamente havia muitos outros grupos à frente deles nesse sentido -, mas não existe nenhuma renovação estética que esteja desarticulada do seu contexto social. As questões artísticas não estão num limbo, não vagam num ambiente imaterial.

Amadurecimento

José: Esses autores também estavam passando por um processo de amadurecimento. Também estavam passando por um processo de reflexão.

Nacionalismo ontem e hoje

José: Você tem, ao longo dos anos 1920, uma bifurcação muito nítida, inclusive com personagens que participaram da Semana de Arte Moderna. Nessa busca pela identidade, tem um nacionalismo muito ufanista, que caminha para a direita, com personagens que se integram ao integralismo, que é a manifestação do fascismo aqui no Brasil. E tem, de outro lado, autores que vão buscar um nacionalismo crítico numa tentativa de repensar o Brasil... E vão repensar tudo: nossa história, nossa arte, nossa literatura. É algo que seria interessante repensar hoje: como o nacionalismo é trabalhado? Que uso se faz desse nacionalismo? Para onde leva esse tipo de nacionalismo?

Arte em movimento

Lucas: A arte não pertence a um movimento, a um grupo, assim como não pertence também ao Estado. Ela começa e continua antes e depois de tudo o que está sendo trabalhado ali. Depois que a gente termina de ler um livro, não quer dizer que aquele assunto que a gente estudo acabou. Ele continua, pertence àquele contexto em que as pessoas estão atuando, produzindo. Aquilo que eles fizeram foi importante, mas não condensa o que foi o modernismo. Nem tudo o que veio depois está relacionado à Semana.

Mais liberdade, menos modelos

Lucas: A gente não tem que imitar aquilo que eles fizeram. Não temos que buscar se igualar a eles. Temos que aprender com aquilo que eles fizeram quando propunham uma atualização cultural, uma inovação, uma arte mais livre, uma arte não tão conformista, não presa a modelos. Acho que esse é um legado que temos que ter até hoje. Isso é importante para qualquer manifestação artística que se prese, ainda mais no contexto em que a gente vive.

"Independência" (1969), de Di Cavalcanti, é a pintura que aparece na arte deste episódio.

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