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História francesa: livro apresenta o 'vinho do diabo' e o 'rei dos queijos'

O triunfo de Baco, de Cornelis de Vos - Reprodução
O triunfo de Baco, de Cornelis de Vos Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

14/12/2020 10h52

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Os sustos eram grandes. Ali no começo do século 16, quando fabricantes começaram a engarrafar seus produtos para vendê-los, o pessoal de Champagne, na França, encontrou sérios problemas. Na época, os hoje famosos vinhos da região não borbulhavam na taça; eram bebidas tranquilas, servidas sem nenhum tipo de carbonatação - esta, quando dava as caras, era vista como defeito.

Por conta da nova tendência de mercado, contudo, os gases que outrora se dissipavam dos barris passaram a ficar comprimidos num recipiente pequeno e pouco resistente. Numa época em que produtores ainda não compreendiam os processos que levam à fermentação, as reações comumente eram atribuídas ao destempero dos "humores". Se algo não saía conforme o previsto, certamente a culpa era da má sorte ou do sobrenatural.

Com a fermentação ainda rolando, tornou-se comum que a carbonatação transformasse garrafas de Champagne em imprevisíveis explosivos que estouravam repentina e misteriosamente. Daí que os exemplares da região ganharam o apelido de "vinho do diabo", fama pouco lisonjeira que precedeu a nobre reputação que hoje ostentam.

Pesco essa curiosidade de "A Deliciosa História da França", daqueles livros bons para lermos de forma quase descompromissada, pulando para os capítulos que soam mais interessantes, talvez acompanhado por uma garrafa de Champagne ou algum outro vinho mais palatável ao bolso (o meu nunca permitiu que eu provasse dessas borbulhas francesas). Escrita pelo casal Stéphane Hénaut, especialista em queijos, e a pesquisadora Jeni Mitchel, a obra saiu no Brasil há alguns meses pela Seoman em tradução de Drago.

A deliciosa história da França - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

O subtítulo do livro funciona como razoável resumo do trabalho da dupla: "As origens, fatos e lendas por trás das receitas, vinhos e pratos franceses mais populares de todos os tempos". Apesar de os 52 capítulos serem escoltados por listas de referências bibliográficas, os próprios autores assumem que trabalham com informações muitas vezes frágeis, num campo em que romantizações e deliciosas versões fantasiosas costumam se sobrepor às reais sagas protagonizadas pelos comes e bebes. Por outro lado, não há mesmo como dissociar a história dessas iguarias das fabulações que surgem e se arrastam com o passar de séculos.

Nesse panorama que o estudo de Stéphane e Jeni nos oferece, também encontramos uma boa visão da história da própria França, com suas revoltas, revoluções, guerras, tiranos, líderes megalomaníacos, tensões e avanços sociais. Quando escrevem sobre o "Rei dos Queijos", por exemplo, apontam que o Brie teve sua fama consolidada durante negociações diplomáticas que estabeleceram as punições aos franceses após a Era Napoleônica. Entre uma reunião e outra, num jantar festivo que diplomatas compararam 52 queijos de toda a Europa e entregaram a coroa ao Brie.

"O que comemos pode revelar muita coisa sobre as divisões e desigualdades que fraturam nossas sociedades. Ao examinarmos os 'caminhos da comida' - as práticas políticas, econômicas e sociais relacionadas à alimentação em uma região ou em um período particular -, podemos aprender muito acerca de quem detém mais poder em uma sociedade, que espécie de valores essas pessoas priorizam e como mantêm duas posições elevadas. Também podemos aprender sobre as comunidades mais desprovidas, as restrições e limitações que enfrentam para, simplesmente, tentar alimentar a si mesmas e sobreviver s obre o que tudo isso indica acerca da sociedade mais abrangente em meio à qual elas vivem", escrevem os autores já no final da obra, amarrando o que apresentam ao longo de "A Deliciosa História da França".

Uma frase que pescam do gastrônomo Brillat-Savarin, que viveu entre os séculos 18 e 19, soa lapidar: "Diga-me o que você come, e eu lhe direi quem você é".

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