Topo

Interessados na culinária de diferentes lugares do mundo, viajantes criam o "gastroturismo"

O empresário Eduardo Luz e a mulher, Débora Luz, viajam o mundo em busca de boa gastronomia - Arquivo pessoal
O empresário Eduardo Luz e a mulher, Débora Luz, viajam o mundo em busca de boa gastronomia Imagem: Arquivo pessoal

Claudia Silveira

Do UOL, em São Paulo

09/03/2012 07h00

Há inúmeros motivos que levam um turista a comprar passagens, arrumar as malas e partir para uma outra cidade, estado ou país. Para um grupo de viajantes, um dos principais atrativos está na culinária local, seja ela sofisticada, de rua ou temperada com gosto de novidade. São os “gastroturistas” ou, em inglês, “food trotters”.

Este nome é informalmente dado aos viajantes que estão mais interessados em experimentar e vivenciar a gastronomia de outros povos do que posar para fotos em pontos turísticos. Na prática, o “gastroturismo” pode ser feito em qualquer lugar, ao visitar outra região, país, um estado vizinho ou fazendo um bate-volta para aquela cidade mais distante, mas com ótimos restaurantes.

“A gastronomia local faz parte de todas as nossas viagens, sejam curtas ou longas, no exterior ou em pequenas cidades do interior de São Paulo. Nunca viajamos sem ter algumas opções de restaurantes e bares para visitar. Explorar a gastronomia em Buenos Aires, Chile ou Paris é tão bacana quanto encontrar aquele restaurante totalmente ‘comfort food’ em Serra Negra ou Santana de Paranaíba [interior de São Paulo]”, diz a designer gráfica Débora Cheruti.

  • Arquivo pessoal

    Débora Cheruti e o marido, Fernando Salles, viajam com interesse na gastronomia

Como companhia, Débora tem o marido Fernando Salles, jornalista que “jamais sai para ‘comer alguma coisa’ porque refeição é coisa bem séria”. Os dois são responsáveis pelo blog “Brincando de Chef”, no qual relatam das pequenas viagens gastronômicas do dia a dia às descobertas culinárias mundo afora.

“Comer bem e conhecer a culinária local são sempre bons motivos para viajar. Posso dizer que almoçar e jantar em Paris era algo que sempre quis fazer. Ficamos uma semana por lá e era sempre uma grande diversão à noite, depois de passear pela cidade o dia todo, sair do hotel para escolher entre os diversos bares, bistrôs e brasseries de Montmartre, bairro boêmio onde nos hospedamos”, relembra o jornalista.

Para a professora de confeitaria e panificação Nina Moori, o “gastroturismo” é mais que gula e se torna uma imersão na vida local. “A gastronomia de uma cidade, região ou país é o reflexo da sua história, cultura, economia e religião. Nós entendemos que, para conhecer de verdade um lugar, é necessário conhecer o seu hábito alimentar”, diz Nina, que também tem o marido como companhia nestas aventuras gastronômicas e, juntos, alimentam o blog "Gourmandise" desde 2007.

Se em outro país, o idioma pode ser totalmente diferente do nosso, o mesmo vale para a culinária local. Por isso, a viagem gastronômica pode ter sabor exótico e causar surpresas. Para um “gastroturista”, no entanto, não dá para ficar com preconceitos. “Provo os pratos tradicionais. Se não gostar, tudo bem, pelo menos teremos um post curioso para o blog”, pondera Fernando Salles.

A gastronomia de uma cidade, região ou país é o reflexo da sua história, cultura, economia e religião. Nós entendemos que, para conhecer de verdade um lugar, é necessário conhecer o seu hábito alimentar

Nina Moori, professora de confeitaria

A professora Nina Moori ressalta que o “tradicional” está em qualquer lugar.  “Isso implica tanto em restaurantes sofisticados como comida de rua”, diz ela, que só não põe no prato duas comidas de que não gosta: chuchu e piure, um fruto do mar chileno que, segundo ela, tem “sabor extremamente iodado”.

“Faça você mesmo”

O empresário Eduardo Luz, de 54 anos, é daqueles “gastroturistas” que gostam de pôr a mão na massa e não se contentam em olhar o cardápio e saborear o que há de mais tradicional em cada cidade. Entre as recordações de viagens que ele fez na companhia da mulher e, às vezes, da filha, estão caça às trufas na Itália e aula de culinária local com um chef no Peru, além de colheita de uva no Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul.

Segundo ele, a facilidade no acesso às informações torna uma viagem como esta mais simples. “Eu pesquiso muito. Compro passagem, faço reservas e resolvo tudo pela internet. Coloco palavras-chave no Google e vou na unha”, detalha, aos risos. Foi assim que ele fez passeios gastronômicos a pé por Barcelona e Miami e visitou fábricas de presunto de Parma, de aceto balsâmico e de queijo parmesão na Itália.

Para Eduardo Luz, cada viagem gastronômica é uma pequena aventura que deve ser aproveitada ao máximo. Por isso, nenhum prato tradicional é perdoado. “A ideia é experimentar para ver se é bom ou ruim mesmo. Eu digo para a minha mulher: ‘A gente não vai voltar aqui tão cedo e pode ser até que não volte nunca mais. Então, tem que comer mesmo'”, diz o empresário, que comanda o blog “Da Cachaça Pro Vinho”.

  • Divulgação/Al Mondo

    Viajantes brasileiros na Europa podem se hospedar em casas alugadas por agência especializada e fazer o próprio jantar durante uma aula de gastronomia com ingredientes locais

Serviço de luxo

Enquanto muitos “gastroturistas” preferem planejar a viagem por conta própria e passar meses pesquisando sobre determinada cidade ou região, há aqueles que optam por roteiros fechados ou montados sob medida para cada viajante. A Al Mondo é uma empresa gaúcha que oferece viagens gastronômicas pela Europa, passando pela Toscana, na Itália, e por Bordeaux e Provence, na França.

“Nós alugamos casas nessas cidades e levamos pequenos grupos, de dez, 12 pessoas”, detalha o empresário Marcelus Vieira, diretor da Al Mondo. Durante a viagem, o grupo degusta café da manhã com ingredientes locais, além de jantar, visitas aos mercados e feiras livres e participação em aulas de gastronomia durante a preparação destes jantares.

  • Divulgação/Al Mondo

    Brasileiros põem a mão na massa e preparam jantar durante viagem gastronômica à Itália

Vieira conta que a ideia de criar a Al Mondo surgiu durante viagem gastronômica com a mulher. “Passamos 40 dias viajando pela Itália e França. Eu via as feiras de rua e ficava com muita vontade de cozinhar por lá”, relembra. As viagens em grupo começaram em 2007 e ganham adeptos a cada ano, vindos de várias cidades do Brasil, segundo o empresário.

Um dos motivos, aponta Vieira, é o maior volume de informações sobre gastronomia disponível hoje em dia em livros e, principalmente, na internet. “As pessoas também estão podendo viajar mais”, aponta.

Ter uma conta bancária folgada é pré-requisito para participar deste tipo de viagem gastronômica. Tanto que a faixa etária dos turistas ciceroneados pela Al Mondo começa nos 30 e chega aos 70 anos. Segundo Vieira, muitos viajantes já conhecem a Europa e procuram um passeio com imersão na culinária local. Para este ano, a Al Mondo tem dois roteiros agendados. O de Bordeaux, marcado para outubro deste ano, já está lotado. Resta apenas o da Toscana, previsto para setembro e que sai a partir de € 4,5 mil para duas pessoas, fora passagens e traslado.

Outra empresa que oferece roteiros para “gastroturistas” é a Gouté, que fica em São Paulo. No cronograma de viagens, há passeios pelo Japão e Peru, visita a cervejarias na Bélgica e vinhedos na França, além de caça a trufas na Itália.

Se provar a culinária de uma outra cidade ou país é um tipo de realização para o paladar de qualquer “gastroturista”, a grande oferta de destinos é um desafio a ser vencido com o bolso, o tempo e o estômago. “A minha lista é grande, preciso viver uns cem anos para tentar conhecer tudo! No momento, estou apaixonada pela culinária portuguesa e adoraria visitar as principais cidades de Portugal e provar a rica gastronomia deste país, que vai muito além do bacalhau. E, para quem gosta tanto de açúcar como eu, experimentar os doces portugueses é algo prioritário”, planeja Débora, que, a cada viagem, volta com a mala vazia de compras, mas sempre de barriga cheia.


Veja agências brasileiras que trabalham com roteiros de "gastroturismo"

Al Mondo
O que oferece: roteiros com uma semana de duração, em média, para cidades da Europa. Os participantes vivem uma imersão gourmet, visitam mercados locais e preparam a própria refeição com ajuda de um chef.
Quanto: a partir de € 4,5 mil para duas pessoas (inclui hospedagem e algumas refeições; não inclui passagens)
Mais informações: www.almondo.com.br

Gouté
O que oferece:
o próximo destino internacional é uma visita a vinhedos da França com a sommelier Alexandra Corvo. No roteiro nacional da agência está uma viagem pela Bahia acompanhada por Juliana Motter, criadora da loja Maria Brigadeiro, no qual os turistas vivenciam as etapas da produção do chocolate, desde o plantio do cacau.
Quanto: nacional - a partir de R$ 5,5 mil (inclui hospedagem e algumas refeições; não inclui passagens até a Bahia). Internacional - a partir de € 4,1 mil (inclui hospedagem e algumas refeições; não inclui passagens)
Mais informações: www.goute.com.br