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Como um promotor de boxe virou procurado com recompensa de R$ 25 milhões

Daniel Kinahan, procurado pelos EUA por suspeita de tráfico internacional de armas e drogas - Reprodução
Daniel Kinahan, procurado pelos EUA por suspeita de tráfico internacional de armas e drogas Imagem: Reprodução

Arthur Sandes

Do UOL, em São Paulo

06/05/2022 04h00

Desde o mês passado os Estados Unidos oferecem US$ 5 milhões (cerca de R$ 25 milhões) por qualquer informação que ajude a prender uma das figuras mais influentes e poderosas do boxe mundial. Além de promotor de lutas, Daniel Kinahan é também apontado como chefe de um cartel irlandês de tráfico internacional de armas e drogas, vive em autoexílio em Dubai e agora vê o cerco se fechar.

Segundo a Justiça irlandesa, o crime faz parte dos negócios da família Kinahan. Christy Kinahan, o pai de Daniel, foi preso pela primeira vez em 1987 por posse de heroína avaliada em 117 mil libras esterlinas. Cumpriu seis anos e voltou à cadeia para mais quatro anos detido em 1998 ao ser flagrado com vários cheques roubados de turistas. Mudou-se para a Espanha após a soltura e, segundo a investigação, estabeleceu rotas para a Colômbia e se tornou um intermediário para revender drogas aos cartéis da Europa.

Aí nasceu o chamado Cartel Kinahan, nos anos 2000. O negócio prosperou a ponto de o patriarca ter uma mansão e um apartamento em Marbella que juntos valem 7 milhões de euros (mais de R$ 30 milhões). Com o tempo, os filhos passaram a fazer parte da administração. A Justiça irlandesa aponta que o chefe da operação atualmente é Daniel Kinahan, que tem como braço-direito o irmão mais novo, Christopher Kinahan Jr. No mês passado, os EUA ofereceram recompensas de 5 milhões de dólares para tentar prender o pai e os filhos.

Daniel Kinahan virou empresário do boxe em 2012, dois anos após ser preso em uma operação da polícia espanhola contra o tráfico, além de já ter sido tratado como "figura suspeita de tráfico internacional de drogas" em um relatório de uma embaixada estadunidense. Portanto, já era figurinha fácil em investigações policiais quando criou uma empresa de agenciamento de lutadores, hoje chamada MTK Global.

Daniel Kinahan e Tyson Fury em Dubai, há algumas semanas - Reprodução - Reprodução
Daniel Kinahan e Tyson Fury se encontrarm em Dubai no começo deste ano
Imagem: Reprodução

A agência teve crescimento astronômico e chegou a trabalhar com 250 boxeadores no mundo inteiro, mas foi inesperadamente fechada no mês passado, dias após o anúncio das recompensas para a prisão dos Kinahan. Formalmente, a MTK Global dizia que não trabalhava com Daniel Kinahan desde 2017, mas seus advogados admitiram à TV britânica BBC recentemente que ele "dá conselhos pessoais a um número de boxeadores agenciados [pela MTK] e também a boxeadores de outras companhias" -um destes lutadores é o fisiculturista Martyn Ford, que teve luta cancelada contra o "Hulk iraniano". Seja como for, a influência do traficante suspeito ainda é grande no meio.

A estrela da empresa sempre foi Tyson Fury, campeão mundial peso-pesado que nunca se furtou a posar para fotos ao lado de Daniel Kinahan. Os dois são apontados como amigos próximos, mas Fury diz ter deixado a MTK Global em 2020 e agora tenta se afastar da má publicidade. O governo dos EUA o intimou a depor na investigação sobre Kinahan, mas, quando questionado sobre isso ao final de uma coletiva em abril, o boxeador respondeu apenas mostrando o dedo do meio.

Entre o boxe e os negócios duvidosos, Kinahan foi alvo de ao menos dois atentados em uma disputa entre gangues. Em um deles, teria pulado de uma janela para evitar ser morto em um tiroteio dentro de um hotel de Dublin, em 2016, no maior estilo de filme de máfia. A violência deste tipo de conflito teria sido um dos fatores que depois levariam o traficante suspeito a se mudar para Dubai.

Vida de milionário em Dubai

Palm Jumeirah - Getty Images/EyeEm - Getty Images/EyeEm
Palm Jumeirah, em Dubai, uma das ilhas artificiais mais famosas do mundo
Imagem: Getty Images/EyeEm

Por anos os Kinahan mantiveram vida pública normal e inclusive registros nas redes sociais, apesar dos negócios escusos. A exposição diminuiu com a mudança para os Emirados Árabes Unidos, mas vários documentos publicados há duas semanas pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) mostram que Daniel Kinahan e seus associados mais próximos já têm empresas criadas em Dubai, além de apartamentos e escritórios ligados a seus nomes.

Segundo autoridades dos EUA, Daniel e seu irmão Christopher Kinahan Jr. moram em um dos lugares mais cobiçados do mundo dos ricaços: a ilha artificial Palm Jumeirah, onde casas e apartamentos de milhões de dólares têm como donos celebridades internacionais, príncipes e bilionários de todo tipo.

Após décadas de investigações da Justiça irlandesa, o clã Kinahan vive seu momento mais delicado mas ganha tempo por um detalhe geopolítico: os EUA têm os Emirados Árabes como um aliado importante no Oriente Médio e, apesar de cobrar providências e descrever o país como "facilitador de atividades ilícitas" da família suspeita, precisa ter algum cuidado para não pressionar demais. As recompensas de US$ 5 milhões foram outra volta no parafuso na tentativa de derrubar o cartel.