Topo

Bicampeão mundial começou a surfar após susto no pai e presente de Glenda

Surfista Phil Rajzman pega tubo em onda do Rio de Janeiro - Ana Catarina
Surfista Phil Rajzman pega tubo em onda do Rio de Janeiro Imagem: Ana Catarina

Marcello De Vico

Colaboração para o UOL, em Santos (SP)

01/10/2021 04h00

Antes mesmo de Gabriel Medina entrar para a história com o título mundial de 2014, outro brasileiro já havia conquistado o mundo do surfe, mas em outra modalidade: o longboard. Phil Rajzman, carioca de 39 anos, venceu o campeonato na temporada de 2007 e deu ao Brasil o primeiro título da elite na história da Liga Mundial de Surfe (WSL, antiga ASP, Association of Surfing Professionals).

Se hoje a Brazilian Storm (Tempestade brasileira, em português) é sinônimo de sucesso no surfe mundial, muito se deve a profissionais que foram, de pouco em pouco, pavimentando esse caminho. E Phil Rajzman, certamente, é parte essencial desse domínio verde e amarelo.

"O primeiro título brasileiro da primeira divisão da história da WSL foi meu, em 2007. Mas não fico me preocupando, não deixo o lado do ego bater e fico triste por isso. Cada coisa acontece no momento certo", diz o surfista, em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, ao ser questionado se carrega algum tipo de incômodo com a diferença de tratamento que existe entre o surfe de pranchinha e o longboard.

Phil Rajzman - WSL - WSL
Imagem: WSL

"A mídia, ou o marketing, colocou o surfe como pranchinha, mas não é. É pranchinha, longboard, stand-up. É como o crawl: não é a natação. É uma das modalidades", avalia.

Para quem não tem tanta intimidade com o esporte, a diferença básica é o tamanho da prancha. No longboard, elas são maiores e os surfistas executam manobras mais suaves, clássicas, enquanto no 'surfe de pranchinha', praticado por Medina e cia., as pranchas são menores e o estilo é mais moderno e progressivo

"Sou muito feliz com o que o longboard me proporcionou e a gente vai fazendo o nosso melhor, o reconhecimento vai acontecendo aos pouquinhos. Devagar e sempre, isso é o mais importante. Estou há 20 e poucos anos na primeira divisão do circuito mundial e, se depender da minha vontade, terão mais uns dez anos pelo menos", acrescenta o carioca, que deixou a briga pelo terceiro título mundial (ele também foi campeão em 2016) depois de ter problemas com o visto e não conseguir embarcar para os Estados Unidos a tempo da etapa de Surf Ranch Pro, na piscina de ondas de Kelly Slater, em Lemoore, na Califórnia.

Tudo começou aos 3 anos de idade

Para quem não sabe, Phil Rajzman é filho de outra lenda do esporte, o ex-jogador de vôlei Bernard Rajzman, prata nos Jogos de Los Angeles (1984), criador do saque "Jornada nas Estrelas" e hoje membro do Comitê Olímpico Internacional (COI).

E foi durante uma "aventura" ao lado do pai, aos três anos de idade, que Phil descobriu qual seria a sua grande paixão. "Como todo bom carioca, meu pai tem uma intimidade com a praia e o mar. Eu agarrava no pescoço dele, e a gente tomou um caldo junto; eu levantei os braços e a boia foi saindo. Ele só viu a boia indo embora e ficou desesperado! Quando me achou, me tirou da água e eu falei: 'mais, mais'. Ele ficou traumatizado, e eu fissurado, querendo cada vez mais aquilo. Então, meu pai me introduziu não só ao surfe, mas aos caldos também", brinca.

Bernard, Phil Rajzman e a filha do surfista - Arquivo pessoal/Phil Rajzman - Arquivo pessoal/Phil Rajzman
Bernard, Phil Rajzman e a filha do surfista
Imagem: Arquivo pessoal/Phil Rajzman

Aos quatro anos, Phil ganhou um novo incentivo: uma prancha de presente da apresentadora Glenda Kozlowski, apresentadora e tetracampeã mundial de bodyboard.

"Meu pai foi entregar uma premiação de um campeonato nacional em Ipanema, e ela ganhou o campeonato. Quando ela foi receber o prêmio, me viu no Quebra-Coco de Ipanema pulando para dentro dos tubos e me deu uma prancha. Ali comecei a pegar onda com um equipamento, e dali para frente só fui evoluindo", recorda Phil. Desde pequeno, ele pega onda de "tudo que é jeito".

"Eu surfo tudo. Se eu fosse me autodefinir dentro da água, me definiria como um waterman. Acho que o longboard sempre me atraiu bastante pela possibilidade de fazer tanto manobras clássicas quanto progressivas. Sempre me senti muito completo e livre em cima da prancha para a questão da criatividade, e sempre senti os outros esportes como complemento. Traz uma visão mais ampla de leitura de onda."

Do surfe de pranchinha para o longboard

Phil chegou a competir por um bom tempo de pranchinha e hoje poderia ser até mais um integrante do time brasileiro liderado por Gabriel Medina, Italo Ferreira e cia. Mas quis o destino que o carioca seguisse outros passos.

"Eu competia de long e pranchinha até os 18 anos, mas a transição começou a acontecer com 16. Meu primeiro patrocinador foi o Pepê [Lopes, lenda do surfe no Brasil], com seis anos. Eu surfava de pranchinha e, eventualmente, pegava os longboards emprestados dos amigos do meu pai. Com sete anos, o Rico [de Souza, outro nome de peso da história do surfe brasileiro] me convidou para participar da escolinha, foi quando tive mais acesso a pranchas diferentes. E sempre quando o mar estava pequeno, acabava surfando de longboard, acabava me divertindo mais", conta Phil.

Surfista brasileiro Phil Rajzman durante o Longboard Classic New York, em 2019 - Jackson Van Kirk/WSL - Jackson Van Kirk/WSL
Surfista brasileiro Phil Rajzman durante o Longboard Classic New York, em 2019
Imagem: Jackson Van Kirk/WSL

"O próprio Rico me incentivou a competir meu primeiro evento, com 14 anos, um campeonato brasileiro de escola de surfe, e acabei fazendo final com ele e com grandes nomes do longboard, como Carlos Mudinho, Jeremias da Silva, Victorino James... Perdi só para o Rico e fiquei na frente desses ícones, e esse foi um despertar competitivo para o longboard. A partir dali, comecei a participar dos eventos de longboard também. O Circuito Brasileiro tinha o amador muito forte, e o fruto desses eventos fui eu, o próprio Medina... Essa geração da Brazilian Storm começou nesse período em que a CBS [Confederação Brasileira de Surfe] era muito bem administrada e trabalhou muito bem essa base", recorda.

"E quando eu tinha 15 anos, teve um campeonato perto do Pepê, uma onda à qual eu estava super adaptado, o Red Bull Internacional, que trouxe campeões mundiais, entre eles o atual campeão mundial da época Joel Tudor... Naquela época ele era um ícone, imbatível, e ele foi um dos responsáveis por trazer novamente o longboard à tona na década de 80. Nesse evento, o mar estava bem grande, peguei uma bateria homem a homem nas quartas de final contra ele e ganhei de combinação. Peguei duas ondas incríveis e no dia seguinte fui capa de todos os jornais. E ali praticamente foi o início da minha carreira", acrescenta.

Os patrocinadores começaram a aparecer e foi quando comecei a focar mais no longboard. Continuei na pranchinha durante um período, mas o dinheiro começou a vir muito mais no longboard. Percebo que fui mais escolhido pelo esporte do que eu escolhi".

Competindo com as próprias pranchas

Além de mudar o cronograma do Mundial de Longboard, que não teve campeão em 2020 e definirá o vencedor de 2021 através de apenas três etapas, a pandemia acabou impactando de forma direta na carreira de Phil, que começou a fabricar as suas próprias pranchas.

"Desde 2007, eu vinha fabricando pranchas na Califórnia junto com a Hobie. A gente desenvolveu um modelo e fui o ajustando... Fui campeão em 2007 logo no início do desenvolvimento desse modelo e bicampeão em 2016, já começando uma adaptação desse modelo para os novos critérios de julgamento, pois teve uma modificação muito grande com a intenção de diferenciar a pranchinha do longboard - voltado 100% para o surfe clássico".

Phil Rajzman - divulgação - divulgação
Imagem: divulgação

"Com a questão da pandemia, meu objetivo era ter vindo ao Brasil para ter minha filha e voltar para a Califórnia. Só que, quando ela nasceu, começou a pandemia. A gente ficou inseguro sobre quando iríamos conseguir voltar para os Estados Unidos e decidimos botar o pé no chão. E fui me organizando para não ficar para atrás, sabendo que o circuito iria voltar mais cedo ou mais tarde e eu precisava manter meus treinamentos aqui no Brasil. Aí comecei a fazer esse desenvolvimento, despretensiosamente, por conta própria, e as coisas começaram a acontecer", conta.

"Estou na fase mais feliz em termos de equipamento da minha vida, apesar de ter tido a Hobie no meu suporte. Pela primeira vez, estou tendo uma ideia de como realizar meus objetivos de forma mais direta. Através do shaper, existia uma interpretação. A partir do momento que comecei a colocar a mão no equipamento, ficou mais fácil de traduzir da minha mente para o bloco da prancha. As pranchas estão mágicas e pela primeira vez vou competir no Mundial com meus equipamentos. Estou muito empolgado tanto nessa questão das pranchas quanto da minha filha", acrescenta Phil, que foi pai pela segunda vez em fevereiro do ano passado.