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Pior boxeador do mundo perde a 60ª luta seguida, mas ainda não quer parar

Kevin McCauley (à esq.) em luta de 2018. Ele quase sempre enfrenta adversários mais jovens e promissores, fora de casa e em cima da hora - Charles McQuillan/Getty Images
Kevin McCauley (à esq.) em luta de 2018. Ele quase sempre enfrenta adversários mais jovens e promissores, fora de casa e em cima da hora Imagem: Charles McQuillan/Getty Images

Arthur Sandes

Do UOL, em São Paulo

23/09/2021 04h00

O experiente lutador Kevin McCauley mantém a mesma rotina há quase quatro anos: treina boxe a semana inteira, é inscrito em eventos profissionais, sobe ao ringue, ouve o gongo e invariavelmente sai derrotado. Seja para quem for. Aos 42 anos e com 240 lutas disputadas na carreira, o britânico chegou no último sábado (18) a 60 derrotas seguidas.

A sequência é um recorde absoluto. Nenhum outro boxeador na história enfileirou tantas derrotas consecutivas em lutas profissionais. Neste ranking dos perdedores, McCauley recentemente desbancou o compatriota Kristian Laight, que se aposentou em 2012 após perder 57 lutas seguidas.

A carreira de McCauley começou ainda em 2008, e com um cartel decente de duas vitórias e uma derrota. Daí em diante, os resultados foram ladeira abaixo. Ainda assim, ele largou o emprego de carpinteiro e passou a se dedicar exclusivamente ao esporte para sustentar a família —hoje é divorciado, com dois filhos.

Pelo dinheiro, ele aceita lutas de última hora, em diversas categorias e quase sempre como o lutador "visitante" que desafia o queridinho da torcida local. Ele se enquadra no que o boxe britânico chama de "journeyman", o boxeador experiente que serve sobretudo para dar bagagem às jovens promessas —afinal, promotor nenhum quer que dois possíveis futuros campeões duelem muito cedo em suas carreiras.

"Ninguém quer lutar contra um jovem promissor", resumiu McCauley em entrevista à agência AP, no ano passado. "Então eles me chamam de boxeador 999. Se tiverem algum problema e precisarem de alguém em cima da hora, ligam 999 e me colocam no ringue", brincou, referindo-se ao número de emergência do Reino Unido, que corresponde ao 190 no Brasil.

Cada luta de quatro rounds rende a McCauley cerca de 1.200 libras (cerca de R$ 8,6 mil), ou um pouco mais se forem seis rounds, e o empresário fica com 15%. Sendo geralmente o boxeador "visitante", ele diz nunca ter a simpatia dos juízes e sofrer com as decisões por pontos. Afirma que nunca lhe pediram para perder, mas que não são raros comentários como "pois é, Kev, mais um dia no escritório" após um revés.

Ao topar qualquer luta, McCauley sobe ao ringue com frequência muito maior do que as estrelas do esporte. Se os campeões mundiais geralmente lutam a cada quatro ou seis meses, na base da pirâmide este mesmo período pode corresponder a dez, 12 lutas. Em fevereiro de 2020, por exemplo, no último mês completo antes de a pandemia de covid-19 chegar à Inglaterra, McCauley lutou —e perdeu— três vezes.

Já as duas derrotas mais recentes, a 59ª e a 60ª da sequência, aconteceram com intervalo de apenas oito dias, entre 10 e 18 deste mês. Nesta última, em Swindon, a 130 km a oeste de Londres, McCauley não foi páreo para o vigor físico de Ryan Wheeler (28 anos, 16-1-1). Até tentou provocá-lo falando e gesticulando, mas acabou derrotado por pontos (assista no vídeo acima). Era mais uma derrota óbvia, pois Wheeler tem algum sucesso regional e está alguns degraus acima na hierarquia da modalidade.

Ao todo, Kevin McCauley já tem mais de 1 mil rounds na carreira e soma 15 vitórias, 12 empates e impressionantes 213 derrotas. Sua última vitória foi em novembro de 2017. Ele planeja lutar mais dez vezes para completar 250 combates, só então se aposentar e virar professor de boxe. Já tem alguma experiência no ramo, afinal, seu ex-sparring Lennox Clarke hoje é campeão britânico dos super-médios. Se não deu para ele próprio conquistar um cinturão, McCauley ao menos tem seu nome na história de alguma maneira.