Por que virar um árbitro de futebol hoje? 4 jovens respondem a sua dúvida
Eles são julgados por milhares, às vezes milhões, de pessoas ao redor do planeta. Ameaçados por jogadores, torcedores e dirigentes. Responsabilizados por erros que nem a mais moderna tecnologia consegue detectar com precisão, e suas decisões são capazes de enfurecer gerações por décadas. Com tantos fatores pesando contra, por que, então, há quem queira virar árbitro? O UOL Esporte fez essa pergunta para quatro alunos do curso de arbitragem da FPF (Federação Paulista de Futebol).
Em andamento, o curso é um primeiro passo para que, um dia, Amanda, Matheus, Gabriel e Karina venham a integrar o quadro oficial de árbitros da entidade e, quem sabe, chegar à categoria “Fifa”. Até lá, porém, eles precisarão suportar as cornetadas, e provarem que são de confiança, em jogos de equipes sub-11, sub-15, sub-17, juniores e de divisões inferiores.
Amanda Pestana Ramos
Formada em Educação Física e professora de musculação, Amanda Pestana Ramos vive em Santos, no litoral paulista. Queria ser jogadora de futebol e até começou a trilhar esse caminho: já jogava aos 13 anos e chegou a fazer parte, por um ano, das Sereias da Vila, o time de futebol feminino do Santos. “Mas percebi que a coisa não iria para frente”, conta Amanda, hoje com 24 anos. A ideia de se tornar árbitra foi, então, uma maneira de não abandonar o mundo do futebol. Mesmo que, para isso, Amanda precise aguentar um universo ainda “masculino e machista”.
“Eu admiro muito quem decide se tornar árbitro. São pessoas julgadas o tempo todo, e que ainda precisam ter o mesmo preparo físico de um atleta”, diz Amanda. Uma das alunas das duas turmas do curso de arbitragem da FPF, ela atua como assistente em jogos amadores. Inclusive de várzea.
Falando em interpretação, e a tal história de bola na mão ou mão na bola? Amanda explica que, se os árbitros aparentam estar confusos sobre a regra, na sala de aula ela é bem clara. “O que passam pra gente é que você tem que interpretar a intenção do jogador”.
Além do preparo físico e psicológico, um candidato a árbitro de elite precisa também aprender a deixar certas paixões de lado. No caso de Amanda, isso significou sublimar o que sentia pelo Santos. “Hoje, por exemplo, eu consigo assistir a um jogo do Corinthians só pelo prazer de ver futebol”.
Matheus Delgado
Com apenas 17 anos, Matheus Delgado, de Osasco (Grande SP), já fez um curso no sindicato dos árbitros e se inspira no pai, também árbitro. Foi um amigo, porém, que o incentivou a tentar a sorte no apito. Matheus atua em jogos amadores e diz que já aprendeu a “levar na boa” os xingamentos.
“Sempre vai ter (gente xingando o árbitro)”, diz Matheus. Até por isso, ele considera o “preparo psicológico” extremamente importante para o árbitro. Seu estilo, ele diz, é o de tentar resolver as coisas dentro de campo na base da conversa. “Mas depende do jogo, né? Tem hora que não dá”, diz Matheus, para quem o jogador às vezes é “muito malandro”.
Gabriel Pozzer
Levar cuspida, cervejada e já ter passado medo de apanhar não foi o bastante para fazer o paulistano Gabriel Pozzer, de 21 anos, desistir da carreira na arbitragem. Depois da licenciatura, ele agora cursa o bacharelado em educação física. É outro que tentou começar uma carreira com a bola, e não com o apito. Chegou a jogar em categorias inferiores pelo Juventus da Mooca. Como os planos não seguiram exatamente como o esperado, Gabriel pensou: se ele amava tanto o futebol, por que não tentar a arbitragem?
“Sim, bastante gente pergunta se sou louco de querer ser árbitro”, admite Gabriel. Para ele, apitar na várzea é a melhor experiência – uma espécie de estágio – para aprender a suportar a pressão de apitar uma partida. Não que exista, porém, jogo fácil para um árbitro. “Até em jogo sub-11 às vezes tem briga e cara te xingando”, conta Gabriel, que, além da várzea, apita jogos em clubes.
Gabriel cita Anderson Daronco e Thiago Duarte Peixoto como exemplos de árbitros que admira, e revela que sua estreia na várzea cumpriu com a promessa de ser inesquecível. “Na hora H eu fiquei com medo de apanhar e pedi para ser assistente ao invés de apitar”.
Karina Mendes de Souza
“O curioso é que as meninas às vezes são piores que os homens”, diz Karina Mendes de Souza (à esquerda na foto) sobre o modo como a torcida se comporta quando ela está trabalhando como assistente. Para ela, muitas vezes as mulheres pegam mais pesado na baixaria. Já os jogadores, diz Karina, variam o comportamento. “Alguns se seguram na hora de reclamar por eu ser mulher. Já outros fazem o contrário justamente por eu ser mulher, depende”, conta.
Karina, que é de São Roque (SP), é professora de educação física e também apita jogos de várzea em cidades do interior paulista. Apesar da idade mais avançada em comparação com os colegas de curso – está com 30 anos – ela decidiu que seria uma boa ideia aprimorar seus conhecimentos de arbitragem, e também tem esperanças de um dia vir a integrar o quadro oficial de árbitros da federação. "Você lê uma regra e sua interpretação é diferente daquela de alguém que já apita há anos", diz Karina sobre a importância das aulas. "Mudei meu posicionamento dentro de campo e comecei a observar melhor os lances", completa.
Karina recebe entre R$ 50 e R$ 200 por jogo apitado na várzea. E não tem dúvidas sobre qual a melhor maneira de não deixar os jogadores "crescerem" para cima dela. "O começo do jogo é fundamental para controlar a partida. Não pode dar espaço para reclamações".
A FPF está criando um departamento de desenvolvimento de arbitragem e só deverá abrir inscrições para seu curso novamente em 2017.
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