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Palestina disputa seu 1º grande torneio. E teve que superar até bombas

Seleção da Palestina posa para foto antes de embarque para o torneio na Austrália - Reprodução/Football Palestine
Seleção da Palestina posa para foto antes de embarque para o torneio na Austrália Imagem: Reprodução/Football Palestine

Do UOL, em São Paulo

09/01/2015 06h00

De vez em quando o futebol acaba servindo como caixa de ressonância para temas que não pertencem necessariamente às quatro linhas. Um desses momentos acontecerá na Copa da Ásia, torneio que começa nesta sexta-feira na Austrália, contando com a histórica e inédita participação da seleção da Palestina.

Desde a classificação para o torneio no ano passado, a seleção da Palestina perdeu o técnico graças a um bombardeio de sua casa (ele sobreviveu), viu amistosos serem cancelados, teve um atacante preso por oito meses e lidou com uma invasão do exército israelense à sede da federação. Mas a rotina trágica da ocupação em Gaza não tirou do time a oportunidade de celebrar a façanha no futebol internacional.

Pela primeira vez na história a seleção palestina consegue ir às finais da Copa da Ásia, em inédita classificação desde que a federação do país foi aceita como membro da Fifa, em 1998. Para os palestinos que estarão nos gramados da Austrália, será impossível desassociar esporte e política. Os jogadores admitem que a chance de aparecer em uma competição internacional servirá para tremular bandeiras ideológicas.   

"Através deste time esperamos atingir um objetivo político, de que merecemos um estado e de termos construídos nossas instituições, apesar da ocupação, apesar da separação entre Gaza a a Cisjordânia e da guerra contra nós", disse o técnico Ahmed Al Hassan em entrevista ao jornal britânico The Guardian.

"Só de estar aqui é um feito para a nossa causa, já carrega uma mensagem para o nosso povo. É importante para nós ter o hino nacional tocado e a bandeira erguida enquanto todo mundo assiste", endossou o capitão Ramzi Saleh.

Do elenco que participará da Copa da Ásia, nove jogadores residem na Cisjordânia, sete vêm da Faixa de Gaza e outros quatro têm passaportes israelenses. Descendentes de famílias palestinas, três atletas são nascidos na Europa e na América do Sul.

Na equipe, aparecem histórias como a do volante Abdul Al Hamid abu Habib, que começou a jogar futebol no campo de refugiados de Khan Younis. Já Husam Abu Saleh pertence à minoria com passaporte de Israel e joga por um time de árabes israelenses.

"Eles nos chamam de terroristas, mas seguimos adiante. Por que? Porque o futebol não conhece fronteiras", declarou Saleh, já na Austrália.

O QUE A PALESTINA ENFRENTOU DESDE A HISTÓRICA CLASSIFICAÇÃO

A histórica classificação da Palestina para as finais da Copa da Ásia foi assegurada em maio de 2014, graças uma vitória sobre Filipinas por 1 a 0. Depois disso, o futebol do país enfrentou uma série de duros golpes, graças aos incidentes na Faixa de Gaza.

O mais recente conflito em Gaza vitimou mais de 2.100 palestinos. Um deles foi Ahed Zaqout, ex-jogador de futebol, considerado um dos maiores da história da nação. O ídolo de 49 anos morreu em julho, dormindo em sua cama, durante um bombardeio noturno israelense.

Já em setembro a seleção da Palestina perdeu seu treinador, responsável pela classificação à Copa da Ásia. Jamal Mahmoud sobreviveu ao bombardeio de sua casa, mas decidiu deixar o comando da equipe para priorizar a reestruturação da vida de sua família. Desde então o time passou para a direção de Ahmed Al Hassan.

Em novembro, a sede da federação palestina de futebol, na Cisjordânia, foi invadida pelo exército israelense. Os militares interrogaram e constrangeram funcionários, além de vistoriarem as instalações. Após o episódio, Jibril Rajoub, presidente da entidade, solicitou que a Fifa suspendesse Israel de competições internacionais.  

Recentemente, seis jogadores da seleção não tiveram aval de Israel para deixar os limites da Faixa de Gaza. Um deles, o atacante Sameh Ma'raba, esteve preso por oito meses e foi solto poucos dias antes do embarque da delegação para a disputa da Copa da Ásia. Ma'raba foi detido na volta de um treinamento, no cruzamento de uma barreira de controle, sem alegações adicionais das forças policiais israelenses. Por casos como esse, o time precisou de substitutos de última hora antes de viajar para a Austrália.

AZARÕES NO GRUPO DO JAPÃO, O ATUAL CAMPEÃO

Seleção da Palestina disputa finais da Copa da Ásia pela primeira vez em sua história -  EFE/EPA/LUONG THAI LINH  -  EFE/EPA/LUONG THAI LINH
Imagem: EFE/EPA/LUONG THAI LINH

Na Copa da Ásia, os palestinos integram o grupo D, ao lado de Japão, Jordânia e Iraque. A equipe é considerada a quarta força da chave e joga contra os prognósticos dos analistas. A estreia da equipe acontece na segunda-feira em Newcastle, diante dos japoneses, justamente os atuais campeões do torneio.

Autor do gol da classificação à Copa da Ásia, o atacante Ashraf Nu'man é considerado o principal jogador da equipe. Os palestinos chegam ao torneio na posição 113 do ranking da Fifa.

Enquanto a seleção faz história na Austrália, o futebol da Palestina vive dias importantes também dentro de casa. Na última segunda-feira, uma comitiva da Fifa chegou ao território palestino para vistoriar as condições de prática do esporte. A liga nacional começou a ser disputada no último mês, apesar da maioria dos estádios estar em situação precária, sem condições de receber público e com várias marcas do conflito armado com Israel.