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Torcida do Liverpool conquista e empolga na Champions em final na fria Kiev

Luana Maluf

Colaboração para o UOL, em São Paulo

28/05/2018 04h00

Tecnicamente, a Ucrânia não é o país mais bem preparado para receber turistas no mundo: boa parte das pessoas não faz esforço algum para te ajudar, existe uma dificuldade bem considerável em encontrar falantes da língua inglesa, o alfabeto cirílico é completamente desconhecido diante dos nossos olhos e não há muita receptividade por parte dos lugares que prestam serviços.

Seria injusto generalizar e ignorar os bons residentes que cruzam o seu caminho dispostos a te ajudar em uma viagem como esta (para assistir a final da Champions League entre Real Madrid e Liverpool), mas o cenário geral revela uma quase desconfiança e desinteresse, completamente aceitável, que pouco tem a ver com o mundo do futebol e até mesmo com o seu intenso ídolo Shevchenko.

As ruas traduzem, arquitetonicamente, os anos passados de uma época de União Soviética: tragédias e cicatrizes completamente expostas de um lugar que, como tanto outros, já optou pelo futebol como fuga e resistência.

No meu segundo dia em Kiev, no estádio Zenit, passei pelo monumento do herói boleiro pisando na águia nazista ao mesmo tempo que chutava a bola - representando o histórico dia da "Death Match", em que a Ucrânia (ainda URSS, representada pelo FC Start) se negou a perder o jogo para os alemães invasores e fez um afrontoso placar de 5x3. Curiosamente, no sexto gol, o atacante do FC Start tinha a meta aberta e optou por chutar de volta ao meio de campo. Humilhação para o adversário, que serviu como oxigênio para uma população local desacreditada.

No campo central, que é envolto por arquibancadas de madeiras frágeis, antigas e muito mato, pai e filho jogam bola despretensiosamente e se divertem no ambiente em que jogadores do Dínamo de Kiev e Lokomotiv resistiram, pela honra, dispostos a pagar as consequências de humilhar os nazistas - ainda que fosse com suas próprias vidas. Futebol é resistir para continuar.

O silêncio da individualidade historicamente é quebrado quando, no dia anterior à final, camisas vermelhas começam a surgir por todos os lados da cidade, em meio ao eco infinito e repetitivo da música: “we are loyal supporters and we come from Liverpool: ALLEZ! ALLEZ! ALLEZ!”. São os ingleses. Incomparáveis e incansáveis transformando Kiev em um pub de Liverpool a céu aberto. Quer dizer, seriam apenas ingleses se o Salah não tivesse reunido uma multidão de devotos africanos que se juntaram ao incontável grupo que dominou a cidade. A quantidade de camisas madridistas é bem mais modesta e, na busca por espanhóis, a maioria dos que as vestiam era turista.

Real Madrid é um time globalizado, rico, dono de uma hegemonia aparentemente estável e com o atual melhor jogador do mundo. Os turistas desejam a imponência dos merengues, por isso vestem a sua camisa. Acontece que os malucos, aficionados pelo esporte em seu limite, como eu, só pedem pelo heroísmo e resistência de um Egípcio classificado para a Copa, acompanhado de um incrível brasileiro (menos estimado nacionalmente) e um africano tecnicamente impecável que fazem “You’ll never walk alone” revelar seu verdadeiro significado dentro do Estádio Olímpico de Kiev (com toda miscigenação que é capaz de ser vista em uma final de Champions League).

Nós, apaixonados, somos contagiados pela entrega dos ingleses e eu fui tomada pelo choro do inconsolável menino que viu seu herói sair de campo cedo demais. A vontade de pertencer a torcida por um dia é tanta que eles te transformam e se multiplicam sem parecer contar com intrusos.

As ruas, até então tomadas por um mar vermelho, deram lugar aos bares, mesas, escadas ou lugar em que parecesse acolhedor colocar a mão no rosto e se deixar sentir. Kiev dormiu por uma noite, depois de dias de insônia, enquanto os vencedores voltavam para suas casas e hotéis vivendo apenas mais um ano como os outros que têm se passado. Era a esperança do futuro que esteve perto demais de chegar, derrubada pela continuidade inabalável de um passado e presente, até então, imbatível. 

Engolidos por uma onda de azar, com toda a dor de um time que chegou perto demais, eles cantam alto o suficiente para que Karius se sinta perdoado. Por isso, é impossível não se apaixonar pela torcida do Liverpool.

Apenas mais um ano para resistirem, saindo de um país que sabe bem o que é isso.