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Milton Neves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Dia Mundial da Fotografia: a história de Sarkis, o imortalizador de craques

Dallakjan Sarkis, fotógrafo armênio que registrou grandes momentos do esporte brasileiro - Que Fim Levou?/Milton Neves
Dallakjan Sarkis, fotógrafo armênio que registrou grandes momentos do esporte brasileiro Imagem: Que Fim Levou?/Milton Neves

19/08/2022 09h17

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"Uma crônica publicada só uma vez permanece inédita", diria, acho, Nelson Rodrigues.

Assim, neste 19 de agosto, Dia Mundial da Fotografia, leiam o que escrevi há 17 anos sobre o "Homem das Fotos".

"E aí, toca o telefone.

Era um certo Sarkis, com voz carregada, sotaque forte de árabe, hebraico, polonês, húngaro, sei lá, não me lembro bem.

Ele queria me oferecer fotos, fotos de times e jogadores de futebol.

Eu estava começando em 1994 a ser "colunista", numa loucura do Arnaldo Branco que Sérgio Xavier, de Placar, e Nilson Camargo, do Agora, não abortaram.

Fui até o apartamento do fotógrafo Sarkis.

Avenida Rio Branco, centro velho, prédio feio, cinzento, homens estranhos, mulheres não casadoiras de vida nada fácil, portaria de hotel de filme afegão e elevador (manual) londrino dos tempos de Jack, o estripador.

Cheguei, o velho Sarkis disse-me de cara que eu era "um bem intencionado historiador", mas com fotos paupérrimas.

E ele dormia entre elas, dentre elas e com elas.

O apartamento era um imenso sótão com caixas e mais caixas de fotos-papel, pilhas de livros, sofás puídos cheios de estranhas máquinas fotográficas, numa desordem completa que me apaixonou.

É que Sarkis, no seu mundo particular de vida ao lado de ninguém, tinha milhares de fotos daquilo que mais gosto, além de minha família e de tentar entender o mundo maravilhoso do vinho: jogador de ontem, jogador de futebol "véio".

É uma questão de gratidão.

Quem jogou futebol e falou de futebol no rádio, forjou meu norte, à deriva até 1971.

E Sarkis tinha o que eu mais queria: fotos de 63, 64, 65, 66, os anos mais felizes de minha vida a bordo de meu velho rádio GE de capa de couro marrom.

Aflito, sôfrego, as fotos que via no soturno apartamento davam vida, a cada segundo, a quase tudo que havia ouvido nas vozes de Pedro Luiz, Edson Leite, Haroldo Fernandes, Flávio Araújo e, principalmente, de Fiori Gigliotti.

Sarkis pediu três reais por foto.

Paguei cinco, levei 615 delas.

E em 25 anos de coluna no Diário Popular e no Agora São Paulo, quase todas foram publicadas e, no cantinho, as letrinhas sempre fizeram justiça: "Foto Sarkis".

Nem sei se ele via, lia ou se sentia algum prazer.

O meu foi e continuará sendo indescritível.

Sou bom de rádio, apesar que já fui um Barcelona e hoje estou mais para um Corinthians, digamos, em boa fase.

Na TV, sou o Guarani campeão brasileiro de 1978, e, escrevendo, subi de Hepacaré de Lorena ou Seleto de Paranaguá para Athletico Paranaense.

Mas em duas coisas sou parada dura para perder: na gratidão e no amor ao boleiro de ontem.

E boleiro para mim é todo aquele que calçou chuteira ou que empunhou um microfone esportivo.

Conheço um pouquinho de cada um deles depois de tanto ouvir, ler e ver.

E sabem qual foi a melhor emissora que eu vi em toda minha vida?

A TV Sarkis.

É que essa TV me fez ver quase tudo que só ouvia em Minas e que tanto queria curtir nos estádios e não podia.

Mas estou muito triste, mesmo tendo hoje tanta TV para ver o que, quando e quanto quiser.

É que a principal delas se apagou.

As válvulas de minha velha TV Sarkis não aguentaram mais.

Sarkis morreu".

Abaixo, veja maravilhosas fotos tiradas pelo histórico fotógrafo Sarkis:

Lotado e ridículo banco de reservas da Seleção Brasileira "Azul" naquele domingo à noite de 1965, no Pacaembu, antes de Brasil 5x3 Hungria. Na primeira fila vemos: Ditão (era ainda jogador da Portuguesa e depois foi para o Corinthians), Coutinho, Ivair, Almir, Suingue e o goleiro Marcial. E, na segunda fila, agachados ou sentados, você está vendo o repórter Roberto Carmona, Clóvis Queiroz, o menino Roberto Rivellino, (em primeira convocação), a testa de Geraldino, Renato Jacaré Gaúcho (segurando um jornal), Nei Oliveira, o repórter Flávio Adauto "pitando" e o massagista Beraldo (sentado em um jornal). Viram só o banco de reservas? E se chove? A foto, claro, é do grande Sarkis

A imagem captada por Sarkis é linda porque mostra o esplendor que sempre emoldurou um gênio

Veja como em 1964 também o Parque São Jorge ficava lotado e até com gente se segurando no madeirame das placas de propaganda. E se o velho e lotado Parque servia naquele tempo, por que atualmente não serve mais para jogos do Timão? E olha que atualmente o estádio está em melhores condições. Em pé: Augusto, Oreco, Cabeção, Cássio (mora na Bélgica), Eduardo e Ari Clemente. Agachados: roupeiro Irineu, Bataglia, Silva, Nei, Rafael e Ferreirinha. Foto: Sarkis

Aqui está a despedida de Calvet do futebol, no dia 19 de setembro de 1965. O palco é a Vila Belmiro, num Santos 0 x 1 Palmeiras, gol de Ademar Pantera. Nicolau Moran Villar, Augusto da Silva Saraiva e Athiê Jorge Cury entregaram um troféu-despedida ao grande zagueiro gaúcho. Calvet e os três dirigentes praianos já morreram. Foto: Sarkis

Sarkis registrou a passagem do histórico Jair Rosa Pinto pelo São Paulo

Ademar Pantera nos tempos de Palmeiras sendo entrevistado por Roberto Carmona

Da esquerda para a direita, antes de um Noroeste x Corinthians: Toninho Guerreiro, Gelson e Gualberto. Sarkis fotografou a bela cena

Em 1965, o Pacaembu estava lotado para um jogo do fantástico Santos. E será que os jogadores de hoje poderiam ver uma partida preliminar lado a lado com os torcedores? Bons tempos. A violência quase não existia, muito menos guerra de organizadas. Aqui, da esquerda para a direita, os craques santistas Lima, Modesto (atrás de Pepe), Pepe, Toninho Guerreiro (camisa branca) e Coutinho observam ao jogo preliminar. Um torcedore está entre os goleadores Toninho Guerreiro e Coutinho. Ao lado do versátil Lima, um guarda civil. Imagina se hoje seria possível aos craques dar uma espiadinha em alguma partida de futebol ao lado da galera? A foto, de rara sensibilidade, tem a assinatura do saudoso fotógrafo Sarkis

Denis

Em pé, o quarto da esquerda para a direita é Denys, que jogou futsal no Corinthians antes de atuar pelo Palmeiras. Depois, também jogou no Timão. Foto Arquivo Sarkis/Terceiro Tempo.

Cesar Sampaio

Quem viu o ex-volante César Sampaio fazendo história com a camisa do Santos e do Palmeiras, mal sabe que ele foi revelado no futsal do São Paulo Futebol Clube. Na imagem, o o primeiro da esquerda para a direita é o técnico Precioso. O terceiro é Finoti e o último é o preparador físico Beleza. Agachados, estão Alexandre, o 4º e o último é o ainda garoto, César Sampaio. Foto Sarkis.

Acima, um Sarkis mais novo, em 1986

Veja mais uma foto do armênio Sarkis, ele é o terceiro, da esquerda para a direita.

Russo é o segundo, da esquerda para a direita, seguido por Romeu, na loja Esporte Fabiano, em São Paulo. Atrás, dezenas de caixas de tênis, marcas Rainha, All Latex, Makerli e Penalty. Foto: Sarkis

Animada pelada em um final de semana. César Maluco, com o braço levantado, pede a bola que está com o japonesinho em carreira desabalada pela ponta-direita. Foto: Sarkis

Mais uma imagem de Jamelli, garotinho, no começo dos anos 80 no futsal do Juventus. Ele é o penúltimo agachado, da esquerda para a direita. Foto: Sarkis

Da esquerda para a direita, o primeiro é o Dr. Sidney Cshapiro, Miral é o 11º e Douglas aparece em 12º. Foto: Sarkis

Outra da época de futsal no Juventus. Jamelli é o quinto em pé, da esquerda para a direita. Foto: Sarkis

Mais um curso de especialização concluído por Sarkis, este de impressão a cores, do Centro Educacional da Kodak, em 11 de abril de 1980

Em abril de 1980, com amigos do Centro Educacional da Kodak. Ele é o penúltimo, da esquerda para a direita

A imagem captada por Sarkis é linda porque mostra o esplendor que sempre emoldurou um gênio.

Aqui, um Sarkis mais novo, em 1986!

Agora, em jogo de profissionais, veja como em 1964 também o Parque São Jorge ficava lotado e até com gente se segurando no madeirame das placas de propaganda. E se o velho e lotado Parque servia naquele tempo por que atualmente não serve mais para jogos do Timão? E olha que atualmente o estádio está muitíssimo em melhores condições, certo? Em pé: Augusto, Oreco, Cabeção, Cássio (mora na Bélgica), Eduardo e Ari Clemente. Agachados: roupeiro Irineu, Bataglia, Silva, Nei, Rafael e Ferreirinha.

Lá pelos anos 60, não havia substituição no futebol, só do goleiro. Quando alguém se machucava, ia para a ponta-esquerda "fazer número". Alias uma expressão que desapareceu da literatura esportiva, assim como a escalação "do goleiro ao ponta-esquerda". Assim, sem banco de reservas no jogo principal, até jogador veterano ou titular eventual ia fazer a preliminar, formando o time de "aspirantes" ao lado de alguns juniores. É o caso desse outro jogo, no lotadíssimo Pacaembu, em 1963, também em foto tirada por volta das 13h15. Acima, veja em pé: Neco, Cláudio Danni, Barbosinha, Ari Ercílio, Jorge Correia e Mendes. Agachados: roupeiro Romeu, Sérgio Echigo, Manuelzinho, Osmar, Rivellino e Bazani. Amigos, hoje, nem jogo de Copa do Mundo lota estádio duas horas e meia antes do apito inicial.

O Pacaembu estava cheio. Em pé: Almeida, Luiz Antonio, Luís Carlos Galter, Souza, Luís Américo e Alexandre. Agachados: Rafael, Nélson Jacaré, Nunes, Roberto, Adnan e o massagista Rodrigues

Aqui está a despedida de Calvet do futebol, no dia 19 de setembro de 1965. O palco é a Vila Belmiro, num Santos 0x1 Palmeiras, gol de Ademar Pantera. Nicolau Moran Villar, Augusto da Silva Saraiva e Athiê Jorge Cury entregaram um troféu-despedida ao grande zagueiro gaúcho. Os três dirigentes praianos já morreram

Pela expressão facial de Garrincha você sente sua decepção ao estrear no time do Corinthians perdendo por 3 a 0 para o Vasco, no Pacaembu.

Campeonato paulista de aspirantes no Pacaembu. Em pé: Neco, Claudio, Mendes, Edson Cegonha, Barbosinha e um zagueiro não identificado. Agachados: Sergio Echigo, Manoelzinho, Osmar, Rivellino e Lima. O mascote é Mauro Beting, hoje jornalista esportivo.

Veja a carteirinha de Sarkis, da antiga Federação Paulista de Futebol de Salão.

Clique aqui e veja a página de Sarkis na seção "Que Fim Levou?"

Que histórias deste saudoso fotógrafo, não é mesmo?

O que achou das imagens que ele registrou?

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