Milly Lacombe

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Por que o presidente corintiano não está revoltado com as suspeitas?

O presidente Augusto Melo aparece para dar entrevistas sorridente e aparentando leveza. Quer passar a ideia de que tudo está bem, nada para ver aqui, circulando. É, naturalmente, uma estratégia de atuação diante da crise: vamos diminuí-la.

Não é essa a atitude mais adequada na minha opinião porque ela passa a impressão de que nós, que estamos apavorados diante do escândalo financeiro, somos completos idiotas. E, por outro lado, passa a impressão de que o presidente não está indignado com as suspeitas de uso indecente, imoral e ilegal de dinheiro que pertence ao clube.

Vamos tentar colocar toda essa bagunça em contexto.

O Corinthians fechou um novo contrato de patrocínio. Um contrato de valores bastante altos e inéditos. A diretoria se gabou publicamente de ser capaz de conseguir essa dinheirama. Não vai ter intermediário, anunciou o presidente orgulhoso de seu feito. O "não vai ter intermediário" significa o seguinte: o dinheiro vai entrar integralmente para o Corinthians. Não pagaremos comissão a ninguém. Vai, Corinthians.

É, portanto, um negócio e tanto para o time do povo.

Mas houve intermediários. E começa aqui a escalada vexatória.

Vejam: se fosse apenas isso já teríamos um problema moral: não haveria intermediários e de repente houve sem que uma explicação fosse oferecida. "Ah, mas ninguém precisa avisar que fez uso de intermediários", você pode argumentar. Verdade. Mas esse argumento só poderia ser usado se o presidente não tivesse se gabado avisando publicamente que não haveria intermediários, certo? Se ele diz que não haveria e depois aparece um intermediário me parece que ele tem obrigação ética de avisar a torcida. Seria preciso entender o que os executivos que cuidam do time há mais de uma década entendem pela palavra transparência.

Mas tem mais.

Os intermediários, como apurado pelo colega Juca Kfouri, teriam feito uso de um laranja. Ou seja: fornecido o nome de uma pessoa que não sabe da negociação, que não assinou papel algum e que não tem conhecimento de estar sendo usada. Por que fizeram isso? Por que agir assim se estamos falando de negócio que seria sim imoral diante da garantia do presidente de que não haveria intermediação mas que seria totalmente legal?

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Vai piorar.

Uma das empresas usadas para emissão de nota fiscal tem uma sede fictícia. A laranja dessa história escabrosa é uma mulher negra e periférica, mãe solo, que precisa do Bolsa Família para conseguir alimentar a família, está sem dormir apavorada com ameaças e suspeitas.

Ninguém dentro Corinthians, o time do povo, se revolta com o que fizeram a essa mulher que, diga-se, é corintiana? O presidente do time do povo não ligou para ela? Não se mostrou solidário? Não disse para ela ficar tranquila que tudo se esclareceria?

Diante desse cenário imundo, o que deveria fazer o presidente corintiano? Se revoltar. Aparecer para dar entrevistas cuspindo sangue de tanto ódio pela suspeita de desvio e pelas manchas na imagem do time que ele alega amar. Afastar de imediato todos os supostamente envolvidos que trabalham para o clube até que as coisas sejam esclarecidas. E explicar por que, afinal, houve intermediação se ele garantiu que não haveria. O que exatamente fizeram os intermediários? No que trabalharam? Quem ficou com o dinheiro? Onde está esse dinheiro?

O dinheiro pago para remunerar o "trabalho" dos intermediadores é dinheiro do Corinthians. Um milhão e meio praticamente. Atenção, Fiel: o dinheiro usado para pagar a comissão é dinheiro que pertence ao clube.

Assim, do que se trata a suspeita, afinal? De desvio de uma dinheirama que pertence ao Corinthians e que teria sido feito por supostos - e eis aqui um fenomenal uso da palavra supostos - corintianos.

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É um absoluto vexame. Todas as etapas dessa história estão afundadas em desonras. Como assim o presidente não está revoltado? Como assim ele não chama uma coletiva para esclarecer o que houve? Como assim ele dá entrevista aparentando calma? Se ele é mais um do bando de loucos, como assim ele não está indignado?

O Corinthians não é um negócio. O Corinthians é uma instituição dotada de personalidade, de predicados, de atributos. O Corinthians pertence a sua torcida e a mais ninguém. Ele não existe para enriquecer pessoas. Existe para colocar afetos em circulação. Que o presidente seja capaz de esclarecer essa bagunça toda. O mais rapidamente possível.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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