Incentivo à produção de soja no Brasil tem relação com aquecimento global?

Um levantamento inédito mostrou que o governo brasileiro gasta anualmente cerca de 60 bilhões de reais com incentivos à produção de soja. Em contrapartida, o incentivo à agricultura familiar entre 2021 e 2022 foi de R$ 41 bilhões.

O maior produtor de soja no Brasil, como mostra a pesquisa, é Mato Grosso, um dos estados com maior índice de desmatamento da Amazônia Legal.

De acordo com dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Mato Grosso foi na contramão da queda do índice de desmatamento no bioma, que foi de 33,6% no primeiro trimestre de 2023 em comparação ao mesmo período do ano anterior. No estado, houve um aumento de 7,1% no desflorestamento.

Cerca de 58% da área ocupada pela soja na Amazônia e no Cerrado estão em fazendas que têm algum grau de evidência de não seguir o Código Florestal Brasileiro. A soma da área total da soja que está em propriedades potencialmente irregulares chega a cerca de 14 milhões de hectares, ou 20 milhões de campos de futebol.

O estudo intitulado "O custo da soja para o Brasil: renúncias fiscais, subsídios e isenções da cadeia produtiva" foi elaborado em parceria pela ACT Promoção da Saúde, IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade), ÓSocioBio (Observatório das Economias da Sociobiodiversidade), Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e ISPEN (Instituto Sociedade, População e Natureza).

O intuito das organizações é gerar uma discussão sobre os gastos que o Estado tem, por meio de incentivos fiscais, com determinados setores econômicos, e como isso pode ser revertido por meio da reforma tributária que deve ser apresentada pelo relator Eduardo Braga (MDB-AM) até o fim deste mês.

A reportagem conversou com o cientista político Marcos Woortmann, do IDS, um dos idealizadores do estudo, para entender como os incentivos à soja impactam o meio ambiente, a saúde e até a violência no país.

Qual a relação entre o incentivo do governo à soja e os impactos negativos ao meio ambiente?

A agricultura e o uso da terra respondem por mais de dois terços das emissões de gases do efeito estufa no país. Contudo, de acordo com Woortmann, não é possível dizer que especificamente a soja é a maior responsável pelo desmatamento brasileiro.

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"A soja é o principal consolidador das áreas desmatadas", diz o cientista político responsável pela pesquisa. Segundo ele, as lavouras fazem parte de todo um processo que envolve áreas desmatadas para o uso de madeira, depois para o pasto e, por fim, para o possível plantio do grão.

Além disso, a atividade da soja é beneficiária de uma série de obras de infraestrutura públicas que desmatam a Amazônia e o Cerrado.

É possível associar o incentivo à soja à atual seca extrema na Amazônia?

Segundo Marcos Woortmann, a colonização de áreas da Amazônia que foi incentivada pelo Estado ao longo da história do Brasil e que incentivou o desmatamento para a produção agrícola culminou no cenário de seca e queimadas do norte do país, já que contribuiu para as mudanças climáticas na região.

Por outro lado, o atual investimento que o governo faz, hoje, no setor da soja dialoga com isso.

Como o Estado incentiva a produção de soja no Brasil?

Um dos incentivos é por meio do crédito rural. Segundo o Banco Central do Brasil, em 2022, foram emprestados R$ 133,2 bilhões para custear as produções agrícolas no país.

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Cerca de R$ 69,5 bilhões, por outro lado, foram só para as lavouras de soja, ou seja, 52% do total de crédito rural destinado em um ano.

A Constituição determina que o Estado deve priorizar economicamente o que é necessário para a população, e o que está acontecendo agora é um escárnio da Constituição, porque, por exemplo, a produção de feijão e mandioca recebe 1,5% do financiamento de crédito rural no Brasil, enquanto a soja recebe 52%. Marcos Woortmann, cientista político

Qual o papel da soja na economia brasileira?

Atualmente, a soja é o principal produto de exportação brasileiro, correspondendo a 18% de toda a exportação do país. De 2010 a 2022, a participação da cadeia da soja no PIB do agronegócio do Brasil passou de 9% para 27%.

Conforme mostra a pesquisa, contudo, esse montante não é distribuído igualmente e gera concentração de renda e terras no país.

Por outro lado, segundo Marcos Woortmann, por grande parte da venda da soja ser feita por meio do grão não processado, ou seja, não industrializado, o alto investimento no setor precariza a industrialização brasileira.

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