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Domitila Barros: 'O feminismo foi um tema usado para me fragilizar no BBB'

Domitila Barros: "Errei, mas isso não elimina 23 anos de trabalho que fiz com as mulheres" - Caio Viegas
Domitila Barros: 'Errei, mas isso não elimina 23 anos de trabalho que fiz com as mulheres' Imagem: Caio Viegas

Camilla Freitas

De Ecoa, em São Paulo (SP)

26/04/2023 06h00

"Eu não vou dizer para as pessoas que primeiro elas têm que ser perfeitas para depois começar a fazer ativismo". A fala de Domitila Barros em entrevista exclusiva a Ecoa vem de um incômodo. Para defender uma causa, não podemos errar?

Ex-participante da última edição do Big Brother Brasil, Domitila Barros tem uma vida marcada por envolvimento em projetos sociais e ambientais.

A recifense nasceu em meio à ONG fundada pela mãe, o Centro de Atendimento a Meninas e Meninos (CAMM), que atende crianças pobres por meio de lazer e educação na comunidade de Linha do Tiro.

Por sua atuação, ela se tornou em 2000 uma das "Sonhadoras do Milênio", um título oferecido pela Unesco.

Em 2019, ela fundou o próprio projeto social, o She From the Jungle. Nele, mães solo produzem roupas com material reaproveitável e biojoias feitas a partir do capim-dourado.

O trabalho social a levou para a Alemanha para cursar, como bolsista, um mestrado em ciências políticas e sociais. No país, ela se tornou miss e, desde então, tem usado sua visibilidade para divulgar ainda mais as causas com as quais atua.

Uma fala, contudo, dentro do maior reality show do país, pareceu ter colocado tudo isso a perder. Foi sobre esse tema, e o futuro dos projetos sociais de Domitila, que conversamos com ela.

Domitila Barros no Complexo do Alemão - Caio Viegas - Caio Viegas
Domitila Barros em visita no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro
Imagem: Caio Viegas

Ecoa: Como foi crescer dentro de um projeto social e que influência essa experiência teve na sua vida?

Domitila Barros: Foi muito importante porque eu tive que aprender muito cedo a dividir e acho que essa é uma qualidade muito importante que tenho. Também tive que aprender muito cedo a lidar com opiniões diferentes, o que também é muito importante.

Quando eu nasci, meus pais já tinham o projeto, então eu não sei como seria a vida fora dele. Já nascer envolvida com esses temas me ajudou a criar a personalidade e o caráter que tenho hoje.

Aprendi também que mais importante do que de onde a gente vem é onde a gente quer chegar porque as pessoas me provavam isso com todas as dificuldades que passavam, mas sempre com sorriso no rosto, dividindo e querendo correr atrás das coisas.

Para mim, é muito difícil ver as pessoas hierarquicamente porque a gente tinha, no projeto, crianças em situação de rua, de comunidades, gente das igrejas, doadores, políticos, todo tipo de gente e, com isso, aprendi desde pequena que existem pessoas diferentes, com forma de pensar diferente, poder aquisitivo diferente, mas no final das contas somos todos iguais.

Ecoa: Qual foi o impacto do BBB para as causas que você defende e para os projetos sociais nos quais você atua?

Domitila: A gente conseguiu alcançar mais pessoas e isso é extremamente relevante porque o projeto vai fazer 40 anos e nunca teve tanta visibilidade a nível nacional.

Domitila Barros no Complexo do Alemão - Caio Viegas - Caio Viegas
'Imagina você salvar mulheres num projeto de anos e isso ser invalidado'
Imagem: Caio Viegas

E é importante que as pessoas se inspirem nesses projetos até para fazerem coisas parecidas. Pessoas começaram a entrar em contato com a gente porque ou tem ou estão construindo projetos sociais com uma temática similar. Além disso, muitas pessoas agora querem ajudar ou doar para o CAMM.

A gente não vai conseguir, por meio do CAMM, salvar a vida de todas crianças que necessitam. A gente não vai conseguir por meio do She for the Jungle mudar a vida de mulheres e do meio ambiente do dia para noite. Mas se houver mil CAMMs e mil She for the Jungle aí sim essa mudança pode acontecer.

Domitila Barros

Ecoa: Você é também considerada uma "greeninfluencer". Como você passou a se interessar por causas ambientais?

Domitila: As causas ambientais sempre estiveram na minha vida porque uma coisa que eu já sentia e depois do mestrado eu consegui verbalizar é que às vezes a gente pensa que as causas ambientais não estão atreladas apenas a não testar cosméticos em animais, mas a partir do momento que eu tenho amigos que moram no lixão, isso também é uma causa ambiental.

Então, eu comecei a chamar atenção pelo lixo, pela reciclagem, e quando fiz o mestrado, consegui identificar e estudar isso cientificamente. E a partir daí ver que a causa ambiental não é só uma causa do acadêmico e da elite, é uma causa que está afetando diretamente a vida de muita gente nas comunidades dos países mais pobres. E foi aí que eu tive a inspiração de criar o She is From The Jungle.

Por outro lado, para mim, também tem uma questão emocional. Eu cresci subindo no pé de coco, no pé de manga, passando uma semana na praia e vendo todos meus problemas serem levados pelo mar e eu comecei a entender que se eu tiver filhos, talvez eles não tenham essa vida.

O emocional para mim é imaginar que se eu tiver filhos daqui a dois, três, cinco anos, eu não vou poder fazer com eles as coisas que eu fiz na minha infância.

Domitila Barros segura bebê no Complexo do Alemão  - Caio Viegas - Caio Viegas
"Também não adianta falar 'eu sou vegano', quando passar numa favela de carro e fechar o vidro para não ver que aquilo existe. O ser humano, no mínimo, tem o mesmo valor que os outros animais."
Imagem: Caio Viegas

Eu também trabalho levando para empresas europeias e dos Emirados Árabes novas perspectivas de como ganhar dinheiro causando menos danos para o meio ambiente. Porque essas empresas grandes têm um impacto maior do que a minha pequena empresa.

Se a sustentabilidade continuar sendo tema só para quem pode comprar comida orgânica, para gente muito rica, a gente não vai mudar o mundo porque essas pessoas são uma minoria e nós precisamos que todos estejam engajados nessa causa.

Domitila Barros

Ecoa: No BBB, o seu feminismo foi criticado em diversos momentos. Teve até uma fala da Bruna Griphao que te chamou de "feministinha de araque". Queria saber o que é feminismo para você.

Domitila: Dentro do BBB, quando esse tema aparece, isso me abala muito porque é um tema que eu levo muito a sério. O feminismo para mim é que as mulheres possam ter os mesmos direitos que os homens. É sobre opções.

Domitila Barros do BBB 23 - Reprodução @domitila_barros no instagram - Reprodução @domitila_barros no instagram
Domitila: 'Não vou dizer para as pessoas que elas têm que ser perfeitas'
Imagem: Reprodução @domitila_barros no instagram

Quando eu tinha 23 anos, eu me apaixonei e meu mundo se resumiu àquela paixão. Hoje eu tenho certeza de que aquele relacionamento poderia me limitar em muita coisa, muita coisa não teria acontecido na minha vida. Então, feminismo para mim é sobre poder ter opção e se dar tempo também para essas vivências.

Quando a Larissa me confronta com essas falas errôneas que eu tive sobre querer que ela saia para ver os directs dela, eu estou dizendo que tem muito mais homens tão maravilhosos quanto o Fred aqui fora também interessados nela.

Mas eu entendi que ela sentiu isso como uma coisa pejorativa, que eu desvalorizei o sentimento que ela tem por ele, mas a minha intenção nunca foi essa.

Só que reconheço que me expressei mal e acabei tendo uma fala errônea e isso voltou para casa com muita intensidade. Eu passei três dias no quarto sem nem conseguir viver direito me martirizando por essas falas, esse episódio, psicologicamente falando, foi o maior abalo que eu tive em anos.

E quando a Pitty entra na casa e canta "só não desonre o meu nome" eu chorava sem parar porque há 23 anos eu recebi um prêmio da Unesco Mundial pelo trabalho que eu já desenvolvia e de lá para cá nada mudou.

Imagina, você salva centenas de mulheres através do trabalho feito em um projeto social em muitos anos e isso é invalidado porque não pode falar nada senão Larissa se machuca.

Domitila Barros no Complexo do Alemão - Caio Viegas - Caio Viegas
Domitila Barros: ‘Se eu falo igual a Bruna fala com as pessoas, sou vista como um monstro’
Imagem: Caio Viegas

E com tudo isso eu não quero dizer que eu estou certa por ter feito aquelas falas. Eu repito que errei, mas isso não elimina 23 anos de dedicação ao trabalho com as mulheres.

Mas eu entendo também que esse foi um tema que eles encontraram para me fragilizar no jogo e me tornar uma concorrente mais fraca.

Porque a Larissa volta para casa, diz que está supermachucada, triste e decepcionada e eu me pergunto por que ela não me coloca no paredão? Por que ela tem que esperar três ou quatro dias para isso? Será que ela não foi instruída ou teve por conta própria a inspiração de instrumentalizar esse tema para me vulnerabilizar e a partir daí ter mais chance de me colocar para fora? Para mim, isso é instrumentalizar um tema que é muito delicado.

Ecoa: Na casa, inúmeras vezes você evitava falar sobre racismo explicitamente, mas dava para perceber que você estava falando sobre o assunto quando dizia que estava ali para disputar de igual para igual, ou em conversas com Cézar Black. Por que não falar sobre isso abertamente no BBB?

Domitila: É uma coisa muito complexa. Quando você coloca essa pauta, no meu caso, ou é vitimismo ou eu não sou negra. Falta letramento e isso acontece no diálogo, só que se a gente não pode falar sobre essas pautas ali, como é que a gente vai fazer?

BBB 23: Sarah Aline, Domitila Barros e Cezar Black se reencontram após serem eliminados da casa - Reprodução/Globo - Reprodução/Globo
BBB 23: Sarah Aline, Domitila Barros e Cezar Black se reencontram após serem eliminados da casa
Imagem: Reprodução/Globo

No caso do Black, eu pensei da seguinte forma: 'Black, você é um homem negro, enorme e que tomou três cervejinhas, se você se levantar, você é o agressor'.

Eu não tenho esse privilégio, também, de falar as coisas que a Bruna falou e no tom que ela usou. Se eu saio da Linha do Tiro com as minhas tranças e chego no BBB para falar assim com as pessoas, eu sou vista como um monstro.

E eu queria mostrar ali que a gente pode fazer diferente, a gente é capaz de ser melhor do que isso e temos argumentos, sim, e falamos num tom educado. Quando eu procurava falar sobre racismo de uma outra forma, queria mostrar na televisão que nós temos educação suficiente para conversar e dialogar sobre o assunto, nós temos argumentos, agora, privilégio nós não temos.

Ecoa: Depois da sua participação no programa, você vai voltar a se concentrar nessas causas e projetos? Quais serão os próximos passos?

Domitila: Agora existem dezenas de projetos sociais que foram criados com meu nome, não vou conseguir ser madrinha de todos, mas vou continuar minha vida toda lutando. E eu vou continuar de forma nacional e global me engajando pelos temas que me dão vida. Eu tenho essa responsabilidade.