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19 de abril: Como indígena foi queimado vivo e virou símbolo de resistência

Galdino Jesus dos Santos, indígena pataxó assassinado em 1997 - Reprodução
Galdino Jesus dos Santos, indígena pataxó assassinado em 1997 Imagem: Reprodução

De Ecoa, em São Paulo (SP)

19/04/2023 06h00

Na madrugada seguinte às comemorações do dia do indígena em 19 de abril de 1997, cinco jovens atearam fogo em um homem que dormia em uma parada de ônibus em Brasília.

Era Galdino Jesus dos Santos, liderança do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, do sul da Bahia. Ele tinha ido à capital para tratar da recuperação e demarcação das terras do seu povo, tomadas por fazendeiros.

Galdino não conseguiu entrar na pensão onde estava hospedado e se abrigou em uma parada da avenida W3 Sul, na região central, para descansar. Após o ataque, os agressores fugiram. O líder indígena sofreu queimaduras graves e morreu.

Galdino era a 17ª liderança Pataxó assassinada desde 1982. Diferente de outros, o crime ganhou repercussão nacional e acabou dando visibilidade aos conflitos de terra vividos pelos Pataxó.

Galdino e a luta dos pataxó na Bahia

Nascido em 1952, Galdino testemunhou desde cedo a brutalidade do processo de expulsão dos pataxó de seus territórios tradicionais por fazendeiros de cacau e gado.

Território pataxó, a reserva indígena Caramuru-Paraguassu foi reconhecida em 1926 pelo Serviço de Proteção ao Índio e demarcada nos anos 1930. Até a década de 1970, porém, fazendeiros promoveram invasões, expulsando 95% da população original.

Entre 1976 e 1982, o governo do estado da Bahia extinguiu a reserva e passou a emitir títulos de posse para os invasores. A partir dos anos 1980, no entanto, os pataxó também começaram a retomar parte dessas terras.

Cartaz com foto e nome de Galdino dizendo 'A luta continua' - Dubdem/Flickr - Dubdem/Flickr
Cartaz com foto e nome de Galdino dizendo 'a luta continua'
Imagem: Dubdem/Flickr

Pelos parentes, Galdino é descrito não só como guerreiro mas como alguém sensível e solidário, que incentivava a coletividade, a expansão da comercialização dos produtos da comunidade e dividia o que cultivava com quem precisasse.

O assassinato de Galdino é lembrado com muita tristeza por nós, pataxó, como um mártir que acabou perdendo a vida na batalha pelo nosso território. A história brasileira é contada do ponto de vista dos invasores, mas pra sociedade indígena representa muita coisa.
Agnaldo Pataxó Hã Hã Hãe, coordenador do Movimento Unido dos Povos e Organizações da Bahia

Seu assassinato inspirou novas retomadas e uma união ainda maior de seu povo. O nome de Galdino passou a ser lembrado a cada terra ocupada como símbolo de resistência.

Depois de um longo julgamento, o STF reconheceu em 2012 o direito dos Pataxó às terras Caramuru-Paraguassu, anulando os títulos concedidos a fazendeiros.

"Recebemos [a terra] totalmente destruída, rios destruídos, mata destruída. Passamos mais de trinta anos lutando e ainda estamos em estado de recuperação, reestabilizando a comunidade", diz Agnaldo.

Escultura relembra assassinato de Galdino na Praça do Compromisso, em Brasília - Luis Dantas/Creative Commons - Luis Dantas/Creative Commons
Escultura relembra assassinato de Galdino na Praça do Compromisso, em Brasília
Imagem: Luis Dantas/Creative Commons

Em Brasília, o local do crime ganhou uma escultura em homenagem ao indígena e foi renomeado como Praça do Compromisso "para a criação de um compromisso nacional contra a violência e pela solidariedade aos pobres e oprimidos", segundo o decreto do então governador do DF, Cristovam Buarque.

Os assassinos de Galdino eram Max Rogério Alves, Antonio Novely Vilanova, Tomás Oliveira de Almeida, Eron Chaves Oliveira e Gutemberg Nader de Almeida Júnior. Todos foram condenados pela morte em 2001, mas tiveram regalias e puderam cumprir parte da pena em liberdade.

Ano passado, uma investigação exclusiva do Brasil de Fato mostrou que até 2022 os assassinos estavam na elite do funcionalismo público, recebendo mais de R$ 15 mil.