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Em 'reunião mais importante da vida', Lula promete reparação a indígenas

Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva participa de reunião com povos indígenas do mundo durante COP27, no Egito - Mohammed Salem/Reuters
Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva participa de reunião com povos indígenas do mundo durante COP27, no Egito Imagem: Mohammed Salem/Reuters

Nádia Pontes

Da Deutsche Welle

17/11/2022 18h25

Na Conferência do Clima, presidente eleito se encontra com lideranças da sociedade civil e fala sobre "obrigação moral e ética de fazer reparação pelo o que foi causado aos povos indígenas" na história do Brasil.

Diante de representantes indígenas de todos os continentes do globo, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva disse nunca ter participado de uma reunião tão importante em seus mais de cinquenta anos de vida política. O encontro com as lideranças ocorreu nesta quinta-feira (17/11) numa das salas reservadas às negociações internacionais da Conferência do Clima no Egito (COP 27), em Sharm El-Sheikh.

"Nunca participei de uma reunião que transferisse tanta responsabilidade para mim como agora", afirmou Lula após ouvir as declarações de apoio de representantes de povos da Ásia, Ártico, África, Pacífico e América do Sul.

Dos brasileiros, Lula recebeu propostas sobre a eventual composição do anunciado Ministério dos Povos Originários. "Nós queremos discutir, entender o poder, a autonomia orçamentária deste ministério. Estamos dispostos a construir juntos a partir das nossas organizações indígenas", declarou Sonia Guajajara, recém-eleita deputada federal pelo Psol.

O nome que comandará a pasta ainda é desconhecido. Uma das prováveis escolhidas é Joenia Wapichana (Rede), primeira mulher indígena a ocupar mandato na Câmara e que atualmente está em fim do seu mandato. À DW Brasil, ela afirmou que a expectativa é de reconstrução após o desmonte promovido durante os anos de Jair Bolsonaro.

"Esperamos muito tempo pelo reconhecimento da importância dos povos indígenas pelo Estado brasileiro. Esperamos agora políticas de proteção dos nossos territórios, dos nossos direitos sociais, dos nossos planos", explicou momentos antes da reunião.

Após admitir não ter conhecimento profundo da realidade dos indígenas dos outros países presentes no encontro, o petista se propôs a ser um porta-voz nos fóruns tradicionais que reúnem chefes de Estados, como o G20.

"Não se fala dos problemas da sociedade nessas reuniões; é como se pessoas pobres, os negros, indígenas, periferia não existissem", criticou.

Em seu terceiro mandato, o presidente afirma pretender se tornar um exemplo mundial de trabalho em parceria na criação de políticas para povos indígenas. "Nós temos a obrigação moral, ética, política, de fazer reparação pelo o que foi causado aos povos indígenas durante toda a história do país", prometeu.

"Vamos juntos"

Mais cedo, na mesma sala, Lula havia se encontrado com representantes da sociedade civil brasileira. Excluído da delegação brasileira que viaja às COPs desde o início da administração Bolsonaro, o grupo se organizou num espaço exclusivo nas conferências a partir de 2019, o Brazil Climate Action Hub.

"O senhor vem nos ouvir, o antigo governo queria nos calar", resumiu Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. Ao mesmo tempo, disse Astrini, a cobrança por ações na área ambiental não vai diminuir após Lula assumir oficialmente a Presidência.

Cercado por jovens vindos das periferias do Brasil, Lula também ouviu relatos sobre superação da pobreza, como o de Bárbara Gomes, da ONG Engajamundo.

"Fui da primeira turma da Engenharia de Energia da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, criada pelo senhor e pelo ex-ministro Haddad. Foi lá que conheci a pauta climática e aprendi que a juventude precisa estar nos espaços políticos para ser ouvida", disse Gomes, sugerindo ao presidente a criação do Conselho de Juventude Climática.

Nascida em Duque de Caxias (RJ), Thuane Nascimento, do Perifa Connection, rede que conta com mais de 100 coletivos jovens, lembrou o presidente que, quando se fala da emergência climática, "tudo é para ontem" para quem vive na periferia.

"Perdas e danos acontecem todos os dias para nós, que não temos saneamento básico, moramos em casas precárias. A gente já vive no racismo ambiental. A falta de água acontece há 40 anos para nós", pontuou.

Em resposta, o presidente eleito falou que os governantes não gostam de ser cobrados. "Mas a cobrança nos alerta de que temos algo a fazer. Depois de tudo o que aconteceu no Brasil, na minha vida, e voltar a ser eleito, eu quero participação das mulheres, dos jovens, dos negros, dos indígenas", declarou.

Segundo o petista, Bolsonaro foi derrotado nas urnas, mas o bolsonarismo se mantém. "Mas nós não queremos revanche, queremos paz", ressaltou Lula, agradecendo a resiliência da sociedade civil.

Ciência no centro

Com 42 anos de pesquisa dedicados à Amazônia, Adalberto Val, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), lamentou os efeitos ainda sentidos dos cortes no orçamento destinado à ciência nos últimos quatro anos.

"Mesmo com todas as dificuldades, a ciência brasileira ajudou a provar que cloroquina não era bom contra a Covid. E justamente por isso, muitos cientistas tiveram problemas e foram ameaçados", criticou Val a defesa do medicamento sem eficácia comprovada pelo governo Bolsonaro feita durante a epidemia.

Emocionado, o pesquisador mencionou ainda a fuga de cérebros por conta da perseguição e da falta de oportunidades a jovens cientistas. "Precisamos chamar esses meninos de volta", propôs ao presidente o fortalecimento do ministério no país.

Os ajustes para a transição de governo na área da Ciência receberam um impulso na quarta-feira com a publicação da lista de nomes feita pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin. Entre os doze indicados para a área, há duas mulheres. Desde sua criação, em 1985, a pasta responsável pela área foi comandada inteiramente por homens.

Autor: Nádia Pontes/Deutsche Welle*