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Gari recolhe livros do lixo e monta acervo para disponibilizar à comunidade

Jonata Nunes Amarante com o livro que escreveu: "Poeta do Asfalto: o tempo é uma prioridade" - Arquivo pessoal
Jonata Nunes Amarante com o livro que escreveu: "Poeta do Asfalto: o tempo é uma prioridade" Imagem: Arquivo pessoal

Ed Rodrigues

Colaboração para Ecoa, do Recife

14/11/2021 06h00

Jonata Nunes Amarante, 33 anos, trabalha como gari há 12 anos em Porto Alegre (RS). Trabalhar com o recolhimento de resíduos na cidade o ajudou com seu maior hobby: a leitura e a escrita. Com livros recolhidos do lixo, ele criou um acervo literário que compartilha com moradores de sua comunidade. A intenção é estimular a leitura na região.

Além de leitor assíduo, o rapaz já teve obra publicada. O livro "Poeta do Asfalto: o tempo é uma prioridade" fala sobre os seus medos durante a pandemia do coronavírus.

A Ecoa, Jonata conta ter percebido em seu trabalho que muitas obras literárias são descartadas na cidade. Peças de autores consagrados como Mário Quintana, Machado de Assis, Paulo Coelho e Cecília Meireles estão entre os livros que ele já encontrou no lixo. Por isso, decidiu começar a recolher os exemplares, deixá-los mais apresentáveis e acumular um acervo na sua biblioteca particular.

"Eu chamo biblioteca porque são muitos livros, mas na verdade ainda não consegui ter um espaço físico específico para as pessoas visitarem. Elas pegam os livros comigo sempre que desejam, e alguns eu até doo", explica. Para deixar as obras mais acessíveis para a comunidade, ele e alguns amigos estão montando gelotecas — instalações que usam geladeiras velhas como estantes para disponibilizar livros ao público.

O acervo encontrado nas lixeiras é considerável: são cerca de 700 livros. Os primeiros 100 foram doados ao amigo que implantou a primeira geloteca. Os demais estão sendo organizados por Jonata para ficar à disposição dos moradores na geloteca que deve ser implantada este mês.

"A princípio, peguei os livros para meu consumo mesmo. Gosto muito de ler. Mas depois percebi que poderia fazer algo pelo meu entorno. Então, comecei a emprestar os títulos e organizar uma biblioteca solidária", diz Jonata.

Amor pela escrita

"Não tive incentivo em casa quando era mais novo, pois meus pais trabalhavam muito. Minha adoração pelos livros começou aos 14 anos quando meus pais me colocavam de castigo por ter feito bagunça na escola. Aí, sem nada para fazer, pegava os livros de minha prima que na época morava conosco. Meu primeiro foi Dom Quixote", relembra.

Jonata com os livros que recuperou do lixo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Jonata com os livros que recuperou do lixo
Imagem: Arquivo pessoal

O gari escritor parou os estudos no 3º ano do ensino médio por circunstâncias da vida, mas pretende retornar ao colégio para pegar o diploma e, em seguida, ingressar na faculdade.

A relação com os livros serviu como incentivo e despertou nele o desejo de escrever. Jonata se jogou na ideia e foi apoiado. Além do livro de poesias já lançado, há um segundo sendo produzido. "Eu já escrevia antes, mas não nessa voracidade que estou escrevendo agora", conta. "Posto algumas poesias minhas nas redes sociais e compartilho com meus amigos. O livro tem conteúdo inédito que nunca postei."

"Poeta do Asfalto: o tempo é uma prioridade", primeira obra publicada de Jonata, teve destaque na Feira do Livro de Canoas, no mês passado. Para ele, poder participar de um evento literário foi uma das maiores honras de sua vida.

"Foi incrível. Uma sensação única. Foi muito prazeroso e é isso que está me incentivando a seguir em frente a querer terminar os estudos e fazer novos livros. Com a biblioteca solidária quero ajudar os mais jovens a nunca desacreditar de seus sonhos, pois com o tempo, e no tempo certo, tudo é possível — basta ter perseverança", ressalta.

Tainá Fagundes é operadora de telemarketing, fã de poesias e virou "cliente" assídua do acervo literário de Jonata. Ela explica que conheceu a história dele por uma tia e passou a admirá-lo.

"Já peguei três livros emprestados e um ele me deu. Viramos muito amigos. Na verdade, Jonata me ajudou muito com os poemas dele. Comecei a gostar de poemas por causa dele", conta. "Eu acho incrível o trabalho que ele faz. Ele ajuda muito as pessoas com essa atitude e com a sua história também. Sempre digo que continuar focado é o mais importante. E que ele vai longe ainda."