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A luta de um bailarino clássico para representar o Brasil no exterior

O bailarino Ariel Corrêa, de 28 anos - Lina Reis
O bailarino Ariel Corrêa, de 28 anos Imagem: Lina Reis

Ana Prado

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

18/09/2021 06h00

O bailarino Ariel Corrêa, 28, costuma dizer que o balé já estava em sua vida antes mesmo de ele nascer. "Minha mãe colecionava selos que vinham em um jornal para trocar por brindes. Um dia, ela trocou por um CD de música clássica e passou a tocá-lo sempre durante a gravidez, para que eu pudesse ouvir de dentro da barriga", conta.

Nascido e criado em São João do Meriti, na Baixada Fluminense, o menino logo começou a manifestar o gosto pela dança. Quando estava na adolescência, a escola pública onde estudava levou os alunos para assistir a um ensaio aberto de balé no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Para ele, foi amor à primeira vista. "Eu tinha uns 16 ou 17 anos e fiquei deslumbrado. Foi ali que me encontrei", afirma.

Assim que voltou para casa, decidiu se matricular em um curso de balé. Ao entender que aquilo era de fato o que queria fazer da vida, passou a se dedicar cada vez mais e logo começou a participar de audições.

Primeira vez em Nova York

Em 2012, com 19 anos, Ariel conseguiu bolsa integral em um processo seletivo da American Academy of Ballet, uma das melhores escolas dos Estados Unidos. O curso seria realizado em Nova York e duraria um mês. "Fui o único menino da Baixada Fluminense em 20 anos a conseguir isso", comemora.

Ariel - Lina Reis - Lina Reis
Imagem: Lina Reis

Mas a alegria logo deu lugar à preocupação: embora a bolsa de estudos cobrisse o curso, o alojamento e a alimentação, os gastos com passagem aérea ficariam a cargo de cada aluno. Sem condições de bancar isso só com o que ganhava dando aulas de balé e montando coreografias, Ariel criou uma vaquinha online e realizou rifas cujos prêmios eram eletrodomésticos doados pelas mães dos amigos.

Deu tudo certo e, no fim de junho daquele ano, o bailarino embarcava em sua primeira viagem de avião. Chegando lá, o idioma foi outro desafio: ele não falava inglês e as aulas seriam nessa língua. "O bom é que a linguagem do balé é universal, então dava para acompanhar. Mas se o professor me desse alguma instrução diferente, eu não entendia", lembra. Hoje, ele já consegue se comunicar bem graças à vivência que teve no país.

Reciclagem para fazer aulas

Ao voltar para o Brasil, em agosto, Ariel conheceu um projeto social em Duque de Caxias, no Rio, que lhe chamou a atenção. Tratava-se de uma escola de balé que oferecia aulas a um valor acessível para aqueles que doassem materiais recicláveis. "Aquilo me tocou porque tem muito a ver com a minha história. Após meus pais se divorciarem, quando eu tinha uns 8 anos, minha mãe conseguiu manter a casa justamente vendendo materiais para a reciclagem", explica.

Ele fez aulas na escola por cerca de um ano, até que participou de outra audição, desta vez para um curso de inverno a ser realizado em 2014 em Nova York pela companhia Ajkun Ballet Theatre. Novamente, foi o único bailarino da Baixada Fluminense a ser aprovado - e também o único homem.

Assim como da outra vez, a viagem pôde acontecer graças à ajuda de amigos e familiares. "Fui só com 100 dólares [cerca de R$ 523, na cotação atual] no bolso e ia conseguindo mais dinheiro à medida que as pessoas contribuíam com uma vaquinha enquanto eu estava lá", conta.

Balé na Europa

De volta ao Rio, Ariel voltou a participar de audições. Ele já conseguiu, até hoje, 22 aprovações ao redor do mundo. Mas perdeu a chance na grande maioria das vezes por falta de recursos para viajar. A história foi diferente em 2018, quando passou para um curso do Balé Nacional de Cuba a ser realizado em Portugal. Não haveria bolsa desta vez, mas o bailarino, já acostumado, retomou as vaquinhas.

Foi nessa época que o estudante de geologia Gilmar Pachá Corrêa dos Santos, também do Rio de Janeiro, ficou sabendo sobre o seu trabalho: "Eu conheci o Ariel no Instagram, por meio de uma pessoa que compartilhou a vaquinha que ele estava fazendo para ir a Portugal. Vi nele uma pessoa perseverante, que lutava pelos próprios sonhos, e o admirei por isso", conta. "Eu estava fazendo um intercâmbio na Hungria, então passamos alguns meses só conversando online", completa ele.

Gilmar (à direita) e Ariel - Lina Reis - Lina Reis
Gilmar (à direita) e Ariel
Imagem: Lina Reis

A arrecadação deu certo e Ariel foi o único brasileiro a fazer o curso de seis semanas até o fim. "Foi intenso, vi gente que só aguentou ficar dois dias. O nível técnico era muito alto e meu pé sangrava muito", conta.

Ao voltar para o Brasil, retomou a rotina de aulas e trabalhos como professor e coreógrafo. Gilmar também estava de volta, e os dois finalmente se encontraram - e não se largaram mais. Hoje, são noivos e moram juntos.

Uma nova oportunidade e outro desafio

Com a pandemia e o fim dos eventos presenciais, as oportunidades de trabalho para Ariel ficaram mais escassas. Enquanto Gilmar fazia chocolates e trufas para vender, o bailarino pensava em desistir da carreira e procurar outra ocupação para ter uma renda.

Mas o noivo o impediu: "Sabemos que a cultura, e até mesmo a educação, são muito desvalorizadas no Brasil hoje. A dança é especialmente difícil, pois os campos de trabalho são escassos e as vagas são restritas", comenta Gilmar. "Mas eu sempre o incentivei a não desistir. A pandemia um dia iria acabar, e ele já havia dedicado mais de uma década ao balé. É o sonho dele."

Outra fonte de apoio no período foi o projeto Ballet em Casa, uma iniciativa que oferecia ajuda de custo para que bailarinos pudessem fazer aulas por videoconferência em casa. O programa durou um ano, com aulas todos os dias. "Elas foram muito importantes para me ajudar a não sair do ritmo e manter o equilíbrio da mente e do corpo durante esse tempo", conta Ariel.

Ariel Corrêa fazendo aulas em casa durante a pandemia  - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Ariel Corrêa fazendo aulas em casa durante a pandemia
Imagem: Arquivo Pessoal

Quando o projeto teve uma pausa, no fim do ano passado, ele começou a se perguntar o que viria em seguida. A resposta veio há dois meses, quando foi impactado por um anúncio sobre uma companhia de balé na Hungria que estava aceitando inscrições para um treinamento de 10 meses no país. Incentivado pelo noivo, resolveu participar - e foi aprovado.

Mas a felicidade durou pouco. "A companhia voltou atrás e disse que não iria mais aceitar alunos de fora da União Europeia por causa da covid. Entrei em desespero porque já tinha começado a arrecadar dinheiro para garantir a vaga, já que não teria bolsa", conta.

Mesmo se sentindo desmotivado, Ariel se inscreveu em outros treinamentos. Um deles, também de 10 meses, seria em Nova York, na mesma companhia onde havia estado em 2014. Para sua surpresa, recebeu um e-mail informando que havia sido um dos dez escolhidos dentre mais de 2 mil participantes de todo o mundo - e o único brasileiro. Teria ainda uma bolsa que cobre 94% do valor do curso.

O preço, que seria de 33 mil dólares (R$ 172 mil), ficou por cerca de 2 mil (R$ 10 mil). Mas ainda é um valor que está além de suas possibilidades financeiras. Para arrecadar o dinheiro necessário para o curso e o visto, que precisa ser pago até o começo de outubro, ele criou outra vaquinha online com a ajuda de Gilmar. "O restante, para a passagem e estadia, eu consigo juntar até março, que é a data do embarque", explica Ariel.

Além disso, os dois estão novamente fazendo rifas de eletrodomésticos (desta vez doados pela avó de Gilmar) e coletando materiais recicláveis para vender. Para Ariel, essa oportunidade é decisiva. Além do período mais longo no exterior e da possibilidade de ser contratado pela companhia ao final do curso, ele explica que sua idade talvez não lhe permita ter outras chances como essa.

"Eu sempre lutei muito por essas oportunidades e me desdobrei para conseguir recursos, porque sempre tive medo de não ter mais tempo. Os bailarinos se aposentam bem mais cedo, e eu ainda quero ter a chance de trabalhar em uma grande companhia", reflete. "Nem espero ser o melhor do mundo, só quero ser melhor do que eu era ontem", completa.

A vaquinha para contribuir com a viagem de Ariel está disponível neste link.