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Startup prepara advogados para garantir direitos de pessoas LGBTQIA+

Bruna Andrade, fundadora da startup "Bicha da Justiça" - Divulgação
Bruna Andrade, fundadora da startup "Bicha da Justiça" Imagem: Divulgação

Caê Vasconcelos

Colaboração para Ecoa, de São Paulo (SP)

28/07/2021 06h00

Desde janeiro de 2018, a advogada Bruna Andrade, 34, tem uma tarefa: garantir direitos para a população LGBTQIA+. Esse trabalho educacional é feito por Bruna, ao lado da esposa Flávia Maria, na startup "Bicha da Justiça", que já atendeu diretamente dez mil pessoas nesse período e formou mais de 50 advogados.

O projeto inicial surgiu em 2016 com o nome de "Meu advogado online", que pretendia trabalhar com todas as minorias por direito. Mas Bruna percebeu que precisava focar na população LGBTQIA +. "Primeiro por uma identificação pessoal, eu e a Flávia somos casadas, e esse universo nos atinge, e segundo porque eu considero a população LGBTQIA+ a mais marginalizada pelo ponto de vista jurídico", explica Bruna.

A marginalização dessa população, completa a advogada, acontece porque a construção dos direitos ainda é recente. Nos últimos dez anos, o Supremo Tribunal Federal, maior instância judicial do país, aprovou pautas importantes como o casamento LGBT+, a adoção para casais LGBT+, a retificação de nome para pessoas trans e travestis, e a criminalização da LGBTIfobia.

A gente vive em um país legalista, tanto que a pergunta que eu mais ouço na 'Bicha' é: onde está escrito que temos direitos? Essa tradição legalista influencia bastante porque os direitos não foram reconhecidos por leis, mas por decisões judiciais Bruna Andrade, advogado e fundadora da "Bicha da Justiça".

Startup de educação

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Bruna Andrade fundadora da start up Bicha da Justiça
Imagem: Divulgação

"Somos uma startup de educação e um marketplace que conecta advogados com o público final. Vendemos cursos de formação e assinaturas para os profissionais jurídicos.", explica Bruna sobre seu modelo de negócios. A ideia da "Bicha da Justiça" é promover educação de direitos LGBTQIA+ tanto para a comunidade quanto para a sociedade e para as empresas e entidades que contribuem efetivamente para a construção diária.

"Mas no meio do caminho percebemos que não bastava educar se não existiam referências de profissionais jurídicos, ou seja, as pessoas tinham conhecimento dos seus direitos, mas não sabiam para onde recorrer", lembra Bruna.

Após uma pesquisa, o projeto identificou que quase 80% das pessoas LGBTQIA+ vítimas de algum tipo de preconceito por conta da sexualidade ou da identidade de gênero deixavam de procurar seus direitos por medo do advogado ser LGBTfóbico.

"Aí surgiu o segundo pilar da Bicha: formação profissional para os advogados que querem se tornar referências locais. Isso acaba servindo também como um ponto de conexão entre o público LGBTQIA+ e os profissionais jurídicos que querem atuar com essa demanda".

Essa construção de mentalidade, de que os direitos precisam ser respeitados, explica Bruna, não será feita de uma hora para outra. "Nosso papel é educação o tempo inteiro. Tenho que convencer o advogado a se especializar nessa área, tenho que convencer o público LGBTQIA+ de que ele tem direitos, tenho que convencer que vale a pena recorrer aos direitos apesar da burocracia".

Mas só a "Bicha da Justiça" não será capaz de mudar a realidade. Para Bruna, é necessário que o Estado aja. "Precisamos começar com a representatividade no Executivo, de políticas públicas e de conselhos municipais porque aí você tira um pouco a responsabilidade do judiciário de ser o órgão que implementa os direitos", argumenta.

Outro ponto importante que precisa mudar para que a população LGBTQIA+ consiga acessar seus direitos é a mudança na forma que os casos são registrados. "É necessário estruturação das delegacias e dos registros para que os boletins de ocorrência tenham essas informações relacionadas à violência direcionada à sexualidade e identidade de gênero", explica Bruna.

Quando tudo isso for possível, Bruna espera que a "Bicha da Justiça" não precise mais existir. "Espero que daqui a dez anos a gente possa olhar para trás e pensar que tinha uma startup que chamava Bicha da Justiça e ela existia para falar o óbvio: que pessoas LGBTQIA+ têm direitos e precisamos respeitar a identidade de gênero e a sexualidade das pessoas".

"Mas isso ainda é uma construção a longo prazo principalmente por vivermos em um país extremamente machista, LGBTfóbico e racista. Porém eu tenho essa expectativa de que daqui uns anos a gente não tenha mais que fazer essa distinção de direitos LGBTQIA+ e os demais direitos", finaliza.

A curadoria de Ecoa

Gabriela Augusto

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A advogada e consultora Gabriela Augusto, fundadora da Transcendemos
Imagem: Duda Gulman/UOL

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