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Aos 96 anos, ativista Olga Murray ajuda crianças no Nepal

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Imagem: Divulgação

Carolina Vellei

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

24/06/2021 06h00

Olga Murray é uma senhora de 96 anos que continua atuando bravamente em defesa dos direitos das crianças no Nepal. Atualmente morando nos Estados Unidos, ela está ansiosa pelo fim da pandemia e já planeja sua viagem de volta a Kathmandu, capital nepalesa, para continuar seu trabalho e acompanhar de perto a atuação da fundação que ajudou a criar.

A ativista é a prova viva de que nunca é tarde para começar a fazer a diferença no mundo. Em 1984, quando tinha 59 anos e estava prestes a se aposentar, ela descobriu uma nova missão para a sua vida durante uma viagem pela Ásia.

Durante uma palestra que fez sobre propósito e longevidade no TEDxVienna, em 2015, Olga contou detalhes do episódio que a fez mudar o rumo de sua vida. Durante essa viagem, enquanto visitava a cabana de um aldeão no Nepal, ela e seu guia observaram três crianças fazendo seu dever de casa à luz de velas. O pai explicou, com orgulho, que seus filhos estavam entre os poucos sortudos que podiam ir para a escola, mesmo tendo que caminhar duas horas para chegar lá.

Mais tarde, sozinha em sua tenda, ela teve o que descreveu como um "lampejo de percepção totalmente inesperado". Sem nunca ter imaginado essa possibilidade, descobriu que queria dedicar o resto de sua vida a ajudar na educação das crianças nepalesas.

Advogada em defesa das crianças

Nascida na Romênia em 1925, Olga se mudou aos seis anos com a família para os Estados Unidos. Lá, tornou-se advogada em uma época em que as mulheres enfrentavam muitas dificuldades para serem reconhecidas como profissionais em áreas dominadas pelos homens. Graduada em Ciências Políticas e em Direito, depois de muita procura conseguiu um emprego na equipe de advocacia da Suprema Corte da Califórnia, onde trabalhou por 37 anos.

Ela gostava muito de viajar e já tinha percorrido vários países na Europa, mas nunca havia ido para a Ásia. Decidiu, então, aproveitar as férias de 1984 para conhecer a Índia. No meio da viagem, resolveu ir para o Nepal, interessada em fazer as trilhas próximas às montanhas de Annapurna.

Chegando lá, ficou encantada pela felicidade das crianças que a acompanhavam pelo caminho, olhando e rindo para a estrangeira. "Elas eram as crianças mais pobres que já vi: vestidas com roupas esfarrapadas, desnutridas e brincando com brinquedos que elas mesmas faziam", conta em um livro de memórias lançado em 2015. "No entanto, eram também as crianças mais alegres, engraçadas e amáveis de qualquer lugar da Terra", completa.

Próxima da aposentadoria, Olga sabia que queria fazer algo envolvendo crianças no futuro, mas tinha imaginado que seria um projeto modesto. Pensou que talvez pudesse ajudar com uma assessoria legal no tribunal de menores.

Mas o fato é que ela voltou ao Nepal ano após ano, primeiro dando bolsas de estudo para moradores de um orfanato em Kathmandu e, depois, gradualmente expandindo a sua atuação. Em 1990, formou a Nepal Youth Foundation (NYF) ao lado de parceiros locais para organizar e expandir seus esforços em prol das crianças nepalesas.

Seus programas educaram dezenas de milhares de jovens que, de outra forma, não teriam a chance de estudar. Além de dois orfanatos, a fundação de Olga construiu ainda pequenos hospitais em todo o país para lidar com o grave problema da desnutrição infantil. Fora o tratamento médico, mães e filhos aprendiam a preparar refeições balanceadas com alimentos acessíveis e baratos de suas aldeias.

Leitões em troca da liberdade de meninas

Em 2000, a Nepal Youth Foundation (NYF) lançou uma campanha para acabar com a prática de Kamlari, um sistema de servidão em que meninas de famílias extremamente pobres são vendidas para escravidão doméstica.

Em conjunto com membros das comunidades locais, especialmente as mães, a NYF planejou uma estratégia para fornecer uma alternativa viável para as famílias que faziam isso.

Em troca de manter as meninas em casa e mandá-las para a escola, a NYF daria a cada família um filhote de leitão, que elas poderiam criar por um ano e vender por aproximadamente 50 dólares - quase o mesmo valor que recebiam pelo trabalho das meninas. Para que elas pudessem se manter na escola, a fundação também forneceu alimentação, uniforme escolar, lanternas e litros de querosene.

Mais de 12.000 meninas foram resgatadas e devolvidas para suas casas e comunidades. Entretanto, foi apenas em 2013, após fortes protestos nas ruas, que o governo do Nepal aboliu oficialmente o sistema Kamlari.

O trabalho da advogada contribuiu para que as meninas libertadas se unissem e formassem o fórum Freed Kamlari Development, que atua em prol da defesa dos direitos das ex-garotas kamlari e também trabalha ativamente para evitar que essa prática continue acontecendo ilegalmente.

Uma delas é Bishnu Chaudhary, que foi vendida aos 10 anos para pagar uma dívida de 40 dólares do pai. "Era um trabalho difícil e degradante em um ambiente implacável", desabafa Olga. Sua fundação conseguiu resgatá-la em 2004. Depois disso, a garota começou a frequentar a escola local.

Bishnu provou ser uma excelente aluna, aproveitando todas as oportunidades de crescimento e desenvolvimento que pôde, com o apoio da NYF. A jovem foi admitida na Faculdade de Direito em Kathmandu e se formou em 2020, sendo aprovada no exame da ordem dos advogados do Nepal em março deste ano.

Para Olga, essa notícia representa uma felicidade indescritível. "Eu não poderia estar mais orgulhosa desta mulher notável", escreveu no blog da NYF sobre o feito de Chaudhary. "Lembro-me de quando passei pelo exame da Califórnia [semelhante ao exame da OAB no Brasil] em 1954, ansiosa para fazer o bem no mundo. E aqui estamos nós, 66 anos depois, com uma ex-criança escravizada se tornando uma advogada de direitos humanos", disse.

Inspiração literária

O trabalho de Olga é admirado e apoiado por Isabel Allende, uma das escritoras chilenas mais lidas no mundo. As duas se tornaram amigas após a escritora conhecer seu trabalho e virar doadora de sua fundação. "Sempre que ela volta [ao Nepal], é recebida no aeroporto por grandes grupos de crianças com flores e balões", diz a chilena.

A história da advogada aposentada que luta pelo direito de meninas nepalesas aparece no livro "Mulheres de minha alma", no qual Allende fala sobre sua relação com o feminismo e sobre sua condição como mulher, citando personalidades com quem conviveu e que a inspiraram profundamente. Aos olhos da escritora, a amiga é uma heroína. "Quando for grande, quero ser como ela", disse a autora em uma palestra que deu para uma arrecadação de fundos.