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Consumo consciente: jovem quer ir além do produto bom, bonito e barato

Thiago Vinicius de Paula Silva, fundador da Agência Solano Trindade, que funciona no Capão Redondo, em São Paulo - Divulgação
Thiago Vinicius de Paula Silva, fundador da Agência Solano Trindade, que funciona no Capão Redondo, em São Paulo Imagem: Divulgação

Bruna Barbosa

Colaboração para o UOL, de Cuiabá (MT)

12/06/2021 04h00

Os jovens querem saber o que há além do rótulo. Já não é suficiente uma empresa oferecer um produto competente se não informar que ingredientes usa e se ele foi testado em animais, além de sinalizar qual é seu posicionamento em determinadas questões, do meio ambiente à contratação de pessoas negras e LGBTQIA+.

Essa guinada do consumo consciente foi constatada no Atlas das Juventudes, uma pesquisa realizada em dois anos e que ouviu jovens de 15 a 29 anos, das cinco regiões do Brasil.

A pesquisadora e sócia da Talk Inc, responsável pelo estudo, Carla Mayumi, explica que, em 15 anos atuando com pesquisas, não havia constatado uma mudança tão profunda como a que vem acontecendo quando se fala na forma de consumir dos jovens.

Essa fala 'quero comprar de um pequeno produtor ou de uma marca pequena local' vem muito rápido e fácil. É uma virada muito grande de mentalidade. Eu não escutava isso antes e, agora, é a primeira fala dos jovens
Carla Mayumi, pesquisadora e sócia da Talk Inc

Mayumi explica que a predileção pelo consumo local se intensificou com a chegada da pandemia da covid-19. Mas a mudança rumo a um hábito de compra mais consciente foi acelerada mesmo pela internet. Nas redes sociais, os jovens compartilham, por exemplo, listas de empresas que testam animais e pedem pelo boicote. Para alguns, esse tipo de prática não é mais aceitável. "Eles usam a internet de uma forma que a geração passada não usou. Depois de uns dias, o debate já é outro", conta.

Mudança na prática

A preocupação com a forma que a sociedade consome desenfreadamente e como isso pode afetar o planeta faz alguns jovens tomarem atitudes para além da mudança no estilo de vida.

É o caso de Thiago Vinicius de Paula Silva, que em 2009, quando tinha 20 anos, criou a Agência Solano Trindade, um projeto que tenta mudar a realidade dos moradores da região do Capão Redondo. Hoje, aos 32, ele toca uma iniciativa que reúne em um só lugar loja de produtos orgânicos, provenientes da horta coletiva e de agricultores familiares, restaurante com alimentação orgânica e vegetariana e venda de itens de moda confeccionados por moradores da periferia.

Além disso, Silva criou a moeda social Sampaio, que funciona como um microcrédito na região. No lugar, ainda funciona um espaço de coworking, com sala de reuniões e internet. Ele explica que, na periferia, o acesso à internet é cada vez mais difícil por conta dos valores altos.

"Na pandemia, a internet é uma forma das pessoas ganharem dinheiro. Mas quebradas não chega internet. Como falar de e-commerce? Por isso oferecemos conexão para o empreendedor e espaço para eles fecharem negócios", diz Silva, que, desde o início da emergência de saúde manteve as 20 pessoas trabalham que trabalham na agência.

Moradora do bairro Jardim Almanara, na zona norte de São Paulo (SP), Amanda Costa, de 24 anos, descobriu que líderes dos países se reuniam para discutir questões climáticas quando ganhou uma bolsa para ir à Conferência de Clima (COP 23), na Alemanha. Quando voltou ao Brasil, a jovem decidiu colocar em prática o que aprendeu.

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Amanda Costa, menina da periferia de SP que tem um projeto chamado Perifa Sustentável
Imagem: Fernando Moraes/UOL

Com o projeto Perifa Sustentável, ela conscientiza os moradores da periferia sobre problemas ambientais.

Esses debates não chegam na 'quebrada'. Muitas pessoas se importam, mas não nomeiam. Até têm práticas de sustentabilidade, mas não nomeiam de forma técnica. As novas gerações já estão mais conscientes. A periferia não é singular, é multifacetada e precisamos dessa sensibilidade. Tenho um pensamento muito idealista, não é justo que mais pessoas desconheçam essas questões
Amanda Costa, fundadora da Perifa Sustentável

Já a cuiabana Juliana Souza, de 18 anos, enfrenta a ideia da compra desenfreada de roupas. Ao engravidar, há dois anos, ela encontrou no brechó que abriu uma forma de conquistar a independência financeira.

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Juliana Souza, de 18 anos, é dona de um brechó que só vende roupa garimpada junto a entidades beneficentes e doa peças não vendidas após três meses.
Imagem: Divulgação

Ainda que este seja seu ganha-pão, ela tem um jeito diferente de trabalhar. Além de garimpar peças em bazares de instituições beneficentes, ela doa toda peça que não consegue vender em um período de três meses para a Central Única das Favelas (Cufa) ou para pessoas em situação de vulnerabilidade financeira.

Para mim, já ultrapassou a barreira de ser apenas algo sobre moda sustentável. Quero impactar também em questões sociais. Ter o brechó foi algo com que sonhei e representa o meu futuro, mas também quero multiplicar isso. Não quero vender por vender
Juliana Souza, empresária

Também de Cuiabá (MT), o publicitário Alexandre Cervi, de 29 anos, busca nos negócios e na vida pessoal consumir do pequeno produtor, do comércio local e de forma consciente. E isso vai desde a forma como ele se veste até aos móveis de casa.

"Nas opções cotidianas, independente do que seja, quero saber os processos mais de perto, desde a origem até para onde aquilo vai depois que descarto. Já passamos por um boom de tecnologia, já vimos a informatização e, agora, percebemos um exagero", diz.

Se não pararmos para pensar sobre isso, o planeta vai colapsar
Alexandre Cervi, publicitário

alexandre - Divulgação - Divulgação
O publicitário Alexandre Cervi passou a se importar com um produto desde sua origem até seu destino após o descarte
Imagem: Divulgação

Novo Capitalismo

A mudança de comportamento de jovens com relação ao consumo jé é perceptível até para fundos que investem em negócios iniciantes.

Para Dario Neto, diretor-geral do Instituto Capitalismo Consciente Brasil e CEO da Anga&Din4mo, que investe em startups alinhadas com boas práticas da Organização das Nações Unidas (ONU), o mercado financeiro incorporou à gestão de risco conceitos de desenvolvimento sustentável, graças à guinada na consciência das pessoas, os jovens em especial.

"É um caminho sem volta, não uma tendência ou uma moda. Muitos empresários brasileiros têm afirmado e reafirmado que não teremos espaço para organizações que não incorporarem esses princípios."

De acordo com Neto, as empresas que não se adaptarem terão dificuldade para encontrar espaço no mercado. A tendência é que o consumidor tenha cada vez mais consciência de onde coloca "o tempo e o dinheiro".

O desafio é o de construir um "novo capitalismo". No entanto, ele reforça também que a iniciativa privada é um agente fundamental nessa jornada.

Não existe problema de produção de riquezas, mas, sim, um desafio de distribuição. Com 1,15% do total dos ativos financeiros do mundo conseguiríamos atingir todas as 169 metas dos 17 objetivos sustentáveis da Agenda 2030 da ONU. A iniciativa privada precisa ser agente de distribuição de poder de capital e de regeneração. Ela precisa curar, por meio de seus modelos de negócios, as dores da sociedade
Dario Neto, diretor-geral do Instituto Capitalismo Consciente Brasil e CEO da Anga&Din4mo