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Marina Mathey

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Meu corpo: uma obra prima inacabada

Meu corpo: uma obra prima inacabada - Arquivo pessoal
Meu corpo: uma obra prima inacabada Imagem: Arquivo pessoal

22/12/2021 06h00

Cada dia uma lágrima
Um esforço
Um pulmão cheio de magma

Cada possibilidade de tinta
Um cabelo novo
Uma perna
Um pelo ou um amor

É sempre um vácuo doido
De algo que não resolve
De alguma carne que nunca
Fica pronta pra comer
Mas comem
E me sirvo
Com a fome que continua
Com a sede que não termina
Cada dia
Cada dia
Me despeço de uma etapa
Pra despedir-me de mim outra vez

Amanhã mais uma treta
Uma prótese
Uma massa
Gordura
Fatia escassa que não há de comprometer
Nenhum argumento solto
Nenhuma certeza dura
Pois a carne sempre perdura
Sempre continua a apodrecer

Cada dia um dia de vida
Cada dia um dia a mais
Cada dia um dia que regressa a contagem do recomeço
Cada boca saliva baba
Cada pisco remela rim
Cada rímel que escorre a mágoa que não pode nunca ter fim

Cada riso um novo dente
Cada serpente
Cada coluna
Cada forma de ser mais gente
Menos gente
Criatura

Um ciborgue transhumanóide
Propositalmente às avessas
Dos pensamentos que de ontem até hoje criaram casca
Aqueles que não se moldam
Não mudam
Tentam calar
E continuam gritando
Sem malícia
Sem contorno
Sem rebolo
Sem cu-lote
Sem gosto de vida verde
Sem amadurecer a vontade
Sem viver a saudade larga
Só sabendo esbravejar
Invejar
E morrer

Duros

De Viagra
De amargor
De caretas
Enrugados até as ideias
De louvar as duras maneiras
De não saber ter sabor

Amanhã
Ou outro dia
Hei de mudar de novo
É só mais um começo
É só mais um jeito moço
De experimentar azedo
De colocar minha língua
Em contato com o despudor