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Café com Dona Jacira

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Para Onde Foram Todas as Estações?

Dona Jacira
Imagem: Dona Jacira

05/06/2022 06h00

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O dia está ensolarado, triste e frio, e eu aqui pensando em o que fazer caso fosse primavera, caso fosse verão, estaria quente agora, mas entre os dois ainda vem o inverno. Existe vida num dia frio? Existe, demora para que a luz me aqueça, por esta razão não planto um pé de passarinho em lugar algum. Já é difícil plantar a mim mesma nesta realidade, e nem venha me dizer que é pecado falar do tempo, todos os deuses já sabem o que eu acho, não quero acabar com elas ou melhor não posso, nem sei como seria, mas posso sim expressar o que acho. E você não é nem Deus nem minha mãe, pra onde vão todas as estações quando o outono chega?

Em qual emborná o criador as protege de nós seres pedintes, nunca cansados de pedir dias claros, ensolarados, bons pra ir a praia. Estes são os meus e mesmo que eu nem goste de praia, gosto de pensar que alguém goste, eu gosto de plantar, bulir na terra, porém em setembro, o mês mais lindo e potente de todos. Eu nem fecho com quem gosta de frio, curte Campos do Jordão e tal. Setembro chega arrastando a luminosidade sob o último véu de flores amarelas de ipê, e dos últimos olhares sobre os tupinambos das estradas da Serra da Cantareira, lindo e amarelo, o que mais eu quereria além de cor e passarinhos soltos no ar. A volta das borboletas, o abrir dos casulos, é vida, setembro traz vida, acende em mim, ou em nós, a vontade de levantar e apreciar a vida passando, até passarinho que não deve nada a ninguém acorda cedo, mas pra isso acontecer é preciso viver bem o hoje. E hoje é 29 de maio, é outono e é frio, cuide-se, durma cedo, acorde cedo.

Eu só visito meus canteiros, as plantas nem gostam que fique bulindo nelas, gostam de ficar lá paradas crescendo devagarinho. Só chego terra no pé de um repolho, penso abano o pulgão das costas deste ou daquela. O pulgão trabalha viu, nunca se intimida, pulgão nem é bobo nem nada, nem é mal agouro do vento nem maldição de tempo. É um bichinho que vem no vento, vive na terra, e que procura as costas da folha pra se esconder do vento frio, se a planta está forte ela mesma escorrega ele, repele, não o deixa ficar ali, mas se falta um tantín de cálcio na terra a planta fica indefesa e o danado toma de conta, traz toda família para o miolo molinho, e ele adora sugar folhas novas e tenras. Eu não tiro a razão dele, na minha opinião, do pulgão e de mais gente, são as melhores, mais tenras e saborosas. O único problema é que as folhas comidas, ainda novinhas, não terão o direito de envelhecer, se envelhecem não fogem ao seu destino de servir de alimento para alguém. Bicho, planta ou gente, bom ou mau, há de se alimentar delas, tive que ter cuidados porque a planta ainda tinha jeito, levantei bem cedinho no dia seguinte e, antes do sol se pôr, borrifei talco para chulé nas folhas infestadas. Sim, aquele polvilho antisséptico antigo, ele é ácido bórico, serve para o pé e para as folhas, também é adubo. Passei nas costas das folhas, tinham muitos ali, o pó não permite que o pulgão respire e ele fenece sem sugar mais a seiva. Eu deixei sem regar por três dias para o pó fazer efeito, hoje conta três dias e eu, assim que terminar de escrever aqui, vou lá jogar um jato de água bem forte para o pó cair pra terra. E só mais tarde, depois que o sol se retirar, vou dar um banho de óleo de Neem diluído em água sem cloro. Quer saber mais sobre Neem? Pesquise aí.

Mas para a terra ficar boa e dar sustância à planta, é preciso dar cálcio a ela. O cálcio demora pra impregnar na terra, leva mais de ano, por isso precisa ser devagar, mas existe processo mais rápido. Onde tem pulgão há de sempre ter formiga e joaninha, a formiga protege o bichinho porque as fezes do pulgão têm açúcar e ela gosta, por esta razão ela tenta proteger o pulgão da joaninha, seu predador natural. Acho que é isto que se chama simbiose, eu acho. O fungo também cria mais vida no outono e inverno, as parreiras de tomate miúdo estão carregadíssimas até a ponta, poeticamente cada uma tem nove tomates no seu pendão, todos verdinhos dando ponto de avermelhar. Para que isso acontecesse, eu os plantei no finzinho do verão, para que sua primeira infância não sofresse com o friozinho que o outono traz. Não plantei sozinho não, jamais, eu num tô besta nem nada. Plantei do lado do manjericão, eles se dão bem, um protege o outro, diminui a quantidade de pulgão, porque nem é toda qualidade de pulgão que suporta o cheiro maravilhoso do vizinho, principalmente quando ele se enche de fulô.

Aí vem elas as abelhinhas sugar o néctar doce de cada flor, porém não se engane, porque as canelinhas de cada tomateiro está esbranquiçada pois o fungo que mora na terra sobe por elas. E se a planta estiver fraca ela fica gripada, enfraquece mais, morre, tomba e cai. Num canteiro nem tudo é sobre lucro, e de ciclo em ciclo é assim que as coisas acontecem. Ao lado de cada pé de tomate há vários morangueiros lindos floridos e cheios de frutas, pode ter certeza de que eu comerei alguns, darei outros pra os netinhos Juju e Biel e farei geleia com as amoras congeladas que guardei da última safra da amoreira que infelizmente o vento derrubou em janeiro.

O vento deu na amoreira e ela tombou, acho poético escrever assim, foram dezesseis anos conosco, dezesseis felizes anos. Nunca encorajo alguém a iniciar um canteiro de hortaliças em maio, teria que ter uma estufa pra proteger os rebentos do frio. Outono é sobretudo um bom tempo pra dormir cedo e acordar cedo, tomar sopa e calçar meias. Eu fui regar meus tomateiros de meia e as gotículas de água molharam-me todinha, não eram muitas, mas eu fiquei gelada, daí eu troquei de meias e corri pra escrever. Nem é tempo de plantar, até as plantas querem sossego nesta época do ano, eu só fui lá jogar um tanto de água nas folhas, porque com a neblina engelada a folha corre risco de se queimar quando o sol bater nela. Aproveitei pra dar uma olhadinha na panela de raizeiro que colhi agora em maio, açafrões e gengibres, uma fartura. Estão lá tomando sol para apurar o sabor. A mexeriqueira está se formando, já já até junho ou julho ela vai encher de flor. A daqui de casa ainda não dará fruta que baste para licor, suco ou outras alegrias, mas em frente à casa de Leandro tem um pé que fica carregadinho delas, bem no meio da estrada, coisa mais linda de se ver.

A florada da mexeriqueira marca um tempo importante, o níver de Katia, e se tudo der certo, ainda esta semana tem festa. Que eu não estarei de corpo presente porque tive Covid, ainda estou de resguardo, mas daqui onde estou mando recado. Fico feliz que tudo esteja assim se solidificando. Filhos também são sementes que são paridas e depois seguem parindo coisas, eu sou muito feliz por potencializar gente, bicho, planta e por estar aqui agora feito um pulgão danado sugando a sua vontade de ler o que escrevi no miolinho desta manhã de domingo.

Vinte e nove de maio níver de minha menina. Sim, recebi notícias horríveis de violência e morte de pessoas indefesas, violências que vieram de quem deveria protegê-las. Sigamos na luta e nas pequenas vitórias, no cuidado com as nossas crianças, com a terra e com o coração para chegarem quentinho a setembro. Enquanto isso é bom que se diga: Não compartilhe, não exponha mais ainda o agredido, compartilhe com o Ministério Público, é ele que pode fazer algo.

Axé.