Ford secreto vendido como sucata rende batalha judicial para poder rodar
Alessandro Reis
Do UOL, em São Paulo (SP)
29/11/2021 04h00Atualizada em 29/11/2021 14h30
Antes de lançar um carro, as montadoras produzem unidades experimentais para testar diversos componentes. Esses veículos "secretos" costumam ser destruídos após cumprirem sua missão, mas o destino de um protótipo vermelho do Ford Versailles foi diferente.
O exemplar foi fabricado em 1993 com visual e equipamentos que chegariam ao mercado brasileiro somente dois anos depois. Leiloado em 1995 como sucata, apesar de ser um veículo completo e totalmente funcional, o sedã se tornou o centro de um processo judicial para poder rodar em vias públicas - o que aconteceria somente mais de duas décadas após sua aquisição.
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O veículo integrava um lote de peças automotivas arrematado em São Bernardo do Campo (SP) e que pertencia à Autolatina, empresa que uniu Ford e Volkswagen de 1987 a 1996. Versão da oval azul para o VW Santana, o Versailles estava com a documentação baixada e o código do chassi, localizado no compartimento do motor, havia sido cortado.
O carro foi repassado em seguida, nessas condições, a um amigo do advogado Dirceu Teixeira, que empreendeu a longa batalha na Justiça para legalizá-lo. Hoje, está com tudo em dia, incluindo o chassi remarcado, e pertence à dona de uma oficina mecânica de São Bernardo - que recentemente instalou placas Mercosul no veículo.
Teixeira explica como a saga teve início.
"Esse amigo recebeu o carro e me procurou para resolver a situação. A saída foi ingressar com pedido de usucapião de bens móveis, após o prazo legal de cinco anos a partir da compra ser cumprido".
Texeira ajuizou a ação em abril de 2001, na qual a Autolatina se tornou ré. Como a companhia não se manifestou, segundo ele, a sentença favorável saiu em relativamente pouco tempo, em agosto do ano seguinte. Já separada da Volks, a Ford foi intimada a fornecer uma carta-laudo para atestar a origem do carro e informar dados como códigos do chassi e do motor, bem como a data do faturamento.
Tudo parecia muito bem encaminhado para realizar a revalidação do emplacamento e a reinserção do chassi, mas a jornada ainda se prolongaria por muitos anos.
"Mesmo de posse da ordem judicial, meu cliente não foi atendido na delegacia responsável por liberar a vistoria e revalidar o emplacamento. Dessa forma, ele seguiu rodando com o carro irregular até 2015, quando deu o veículo para mim".
Foi naquele ano que o advogado desarquivou o processo para finalmente conseguir legalizá-lo, o que aconteceria apenas em 2016. Hoje, o Versailles traz no documento a informação de que o chassi foi remarcado em uma parte estrutural do veículo. Na ocasião, foi necessário quitar cerca de R$ 2.000 em débitos de IPVA atrasado, que já não é mais recolhido porque o sedã tem mais de 20 anos de fabricação.
Por que Ford Versailles secreto é único
Hoje, o Versailles tem cerca de 74 mil km rodados - uma quilometragem relativamente baixa, considerando sua idade, quase totalmente acumulada na época na qual ainda estava irregular, afirma Dirceu.
A pintura vermelha exibe sinais de desgaste e a carroceria traz alguns amassados e ralados. Contudo, o carro está íntegro e com todos os itens originais.
Teixeira vendeu a raridade há cerca de dois meses a Marcia Simone Donha, proprietária da MSD Garage, oficina de restauração.
A nova dona está ciente da importância história do veículo, devidamente documentada nos autos da ação judicial, e acabou de providenciar uma revisão completa.
"Fico encantada com o mundo do antigomobilismo por dois motivos: as histórias de cada um dos carros que restauro e a originalidade. Este veículo em especial tem muita história e muita originalidade. Tive de comprá-lo", conta a empresária.
Ela acrescenta que não pretende restaurar a parte visual, mas irá recorrer aos serviços do advogado Dirceu Teixeira: por algum equívoco, a vistoria marcou quilometragem 100 mil km acima da real. O plano é de fazer com que a empresa responsável corrija o laudo.
Equipado com o mesmo motor AP 2000 injetado do Santana, o Ford é da versão topo de linha Ghia e traz o que havia de melhor dentre os itens disponíveis para ele na sua época - além de alguns detalhes que viriam apenas anos mais tarde.
UOL Carros conversou com Andrew Bergamo, entusiasta e colecionador de Santana e Versailles, para saber um pouco mais sobre a unidade "secreta" - o especialista fez a análise com base em fotos.
Segundo Bergamo, o câmbio automático que equipa o protótipo já era opcional desde a estreia do Versailles, em 1991 - a fabricação do sedã se estendeu até 1996. Já os freios ABS do carro experimental estrearam em 1992.
"O mais curioso desse carro são os itens que ele tem e ainda não tinham sido introduzidos na linha. Apesar de ser modelo 1993, a dianteira, a traseira e o painel são do Versailles 1995. As rodas de liga leve, por sua vez, são do modelo 1994, mesmo ano em que o teto solar foi introduzido".
Em relação aos bancos de couro, Andrew destaca que esse revestimento começou a ser oferecido só em 1994.
Outro detalhe que chama a atenção é justamente o painel de instrumentos: no lugar da serigrafia convencional, os caracteres são, na verdade, adesivos colados a mão, evidenciando o caráter experimental do sedã.
"Muitos dos elementos desse protótipo são um adiantamento do que seria o Versailles 1996, a última linha do sedã, lançada em 1995", finaliza Bergamo, proprietário de um exemplar 1996 muito parecido com o carro que é tema desta reportagem.
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