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Mora nos Clássicos

Dá para usar clássicos no dia a dia? Donos compartilham alegrias e desafios

Colunista do UOL

25/09/2020 06h00

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(SÃO PAULO) - Desde que buscou seu Opala Comodoro 1989 zero-quilômetro na concessionária, Mônica Gava não o largou mais. "Dirijo ele há 30 anos e nunca pensei em trocá-lo", conta a funcionária pública de 52 anos.

Quando não percorre os 15 km entre sua casa e o trabalho de Comodoro, é porque está ao volante de um Diplomata, a luxuosa versão seis-cilindros do sedã da Chevrolet, adquirido em 2015. "Os dois são de uso diário, mas costumo dar preferência ao Diplomata", revela.

Garante não sentir falta de itens de modelos mais novos: "guiá-los é muito prazeroso. Eles têm direção hidráulica, vidros, travas e espelhos elétricos. No Comodoro tenho a opção de escutar fita cassete e no Diplomata, DVD".

Monica Opala - Arquivo pessoal  - Arquivo pessoal
Mônica chega à garagem e escolhe entre um Comodoro e um Diplomata?
Imagem: Arquivo pessoal

Quem também não quer saber de nada com injeção eletrônica, central multimídia ou qualquer traquitana moderna é Giovanna Bernatat, 23, dona de um Fusca 1980. "Desde que o comprei, há quase três anos, já fui três vezes a Minas Gerais e uma vez ao Rio de Janeiro. Nesse período, fiz amigos que, para onde vou, querem ir comigo", revela a guia de turismo e organizadora de eventos. A próxima aventura está programada para o Chile.

Seu Fusca é amor antigo. Foi do pai dela por dez anos, depois passou para a tia, que o deixou guardado por outros cinco. Eternizado na sua pele em duas tatuagens, é o companheiro do dia a dia: "sinto que estou colorindo a cidade, pois os carros atuais não têm muitas cores".

Giovanna Fusca  - Arquivo pessoal  - Arquivo pessoal
Giovanna e seu companheiro do dia a dia, 17 anos mais velho
Imagem: Arquivo pessoal

Hoje com 47, desde os 15 anos Diego Rosa usa frequentemente sua Honda XL 250 R. "Muitas clássicas ainda têm partida a pedal. Não preciso dizer o quanto isso é legal, não é mesmo? A fama é que a partida a pedal é pesada, 'quebra canela', isso e aquilo. Mas não é nada disso, pois se a moto for mantida em suas características originais, estiver regulada adequadamente, vai pegar numa boa, é uma diversão à parte. A parte ruim? Quando não pega...", brinca o empresário e colecionador.

Além dessa, Rosa tem outras motocicletas mais antigas, como uma Honda NX650 Dominator 1992, uma BMW R100 GS PD 1992, uma Yamaha XT 500 1977 (modelo que foi a primeira vencedora do Paris Dakar), entre outras.

"Uso todas igualmente. Nos finais de semana uso as motos maiores, assim consigo passear com minha esposa na garupa. Durante a semana vou de Vespa (uma PX 200E 1986), de XL, e assim por diante, uma a uma. Assim as conservo melhor", revela.

Diego Yamaha GTS - Arquivo pessoal  - Arquivo pessoal
Diego Rosa e sua Yamaha GTS 1993, uma das três únicas no Brasil
Imagem: Arquivo pessoal

No seu caso, morar no interior é um facilitador. Vir para uma cidade como São Paulo com elas? Nem pensar. "O trânsito é tenso, não compensa correr o risco de sofrer qualquer acidente, por menor que seja", avalia.

Sem freios ou gasolina

Noventa e nove por cento dos Karmann-Ghia raramente saem das garagens onde vivem. Hoje um carro caro e raro, é compreensível que a maioria dos colecionadores prefira preservá-lo. Exceção é o exemplar azul, 1966, que pertence a Priscila da Silveira e conhece o sabor da liberdade.

"Dirigi-lo todos os dias me faz sentir forte. Meu trajeto é feito entre bairros de São Paulo, mas acredito que posso ir a qualquer lugar com ele, pois cuido e o preparo para ser resistente no dia a dia", diz a gerente comercial de 35 anos.

Ela conta que não foi fácil decidir se deslocar diariamente com um modelo de 54 anos, o que faz desde 2018: "foi complicado no início. Havia grande receio de que batessem no carro, ou que ele quebrasse com o excesso de uso. Mas ele foi se mostrando capaz de percorrer os desafios urbanos de São Paulo. É empolgante, porém desafiador".

Ar-condicionado é o único recurso de que sente falta no dia a dia.

Há momentos difíceis na vida de quem abriu mão de um carro novo, contudo. "Certa vez o platinado colou na madrugada, e no começo do ano o regulador de voltagem deu problema subindo a serra. E perdi o freio quando ainda não entendia muito bem de carros antigos. Mas você sempre está aprendendo", pondera Giovanna.

Para melhorar a convivência, planeja uma restauração para o Fusca, além de engrenagens mais longas para o câmbio.

Diego Rosa também já passou por apuros. "Chamar o guincho é a última opção. Então, empurrar alguns quilômetros na estrada buscando gasolina ou um borracheiro faz parte. Há pouco mais de um mês, estava indo a Minas Gerais com uma Honda CBR 1100XX SuperBlackBird 1987 e, escolhendo um posto de gasolina decente, acabei ficando sem gasolina", relembra o empresário e colecionador.

Mas, às vezes, até o perrengue traz situações pitorescas. "Empurrei por cerca de 500 metros a moto, até que um caminhão de combustível parou na minha frente. Pensei: 'poxa, que legal, nessa pandemia tem até delivery de combustível'. O motorista pulou do caminhão e disse que também era motociclista, e que poderia ajudar se o problema fosse falta de combustível. Como não tínhamos um funil, colocamos gasolina no tanque usando um cone de sinalização", conta.

Para evitar situações semelhantes por quebra, sua recomendação é "não deixá-las paradas, pois estragam. Usar, mesmo que seja pouco, faz bem para a máquina, elas agradecem". Sem mencionar o lado romântico da coisa: "fora isso, para mim não faz sentido algum ter uma motocicleta e não poder ouvir seu ronco, sentir sua força, sua suavidade, sua aceleração".