Topo

SpaceX adia lançamento do maior satélite de internet do mundo para amanhã

Getty Images
Imagem: Getty Images

Marcella Duarte

De Tilt, na Flórida (EUA)*

26/04/2023 04h00Atualizada em 26/04/2023 16h54

A previsão de fortes tempestades na Flórida nesta quarta-feira (26) fez com que a SpaceX adiasse o lançamento do maior e mais moderno satélite de telecomunicações, o Viasat-3 Américas, que estava marcado para a noite de hoje. O plano é que o processo seja realizado amanhã (27).

O lançamento ocorrerá do Centro Espacial Kennedy, da Nasa, nos Estados Unidos. A estrutura oferecerá internet de banda larga para todo nosso continente, incluindo o Brasil.

Curiosidades sobre o satélite

O Viasat-3 Américas tem cerca de 6 toneladas e 45 metros de envergadura — o peso de um elefante africano e a largura do lado mais estreito de um campo de futebol, ou dez carros populares enfileirados.

Com hardwares e softwares avançados, é o mais poderoso satélite de internet a ser lançado ao espaço.

Ele orbitará a Terra diretamente acima do Equador, a 35.700 km de altitude. Para comparação, um satélite da rede Starlink (que promete criar uma constelação dessas estruturas no espaço) tem 260 kg e painéis de 8 metros de comprimento, e orbita a Terra a cerca de 500 km.

O Viasat-3 Américas tem 16 painéis solares, oito em cada "asa".

Com um custo estimado de US$ 97 milhões, o lançamento acontece do icônico complexo 39A do Centro Espacial Kennedy, na região do Cabo Canaveral. De lá partiram algumas das principais missões da Nasa, como as do programa Apollo, da Skylab e do Ônibus Espacial.

O satélite será lançado todo dobrado, assim como aconteceu com o telescópio James Webb.

"Depois de chegar à posição orbital, ele abre painéis e são feitos vários testes para garantir que tudo está correto. Esperamos iniciar a operação comercial dois meses após o lançamento", afirma Leandro Gaunszer, diretor-geral da Viasat Brasil.

O vídeo abaixo ilustra o processo:

O que o torna tão potente?

Um dos segredos é seu moderno e enorme refletor, feito de polímeros reforçados, fibra de carbono e grafite, e preso a um longo braço, diz a Viasat. Sua antena vai direcionar os sinais de e para a Terra, possibilitando a conexão internet entre os usuários e as estações em solo.

O refletor permite que o satélite direcione sua energia em pequenos locais em solo — os chamados beams. Quanto maior e mais reflexiva a superfície, menores são esses pontos. Ou seja, uma conexão de mais qualidade e eficiência, com menos perda de sinal.

O satélite estará numa altitude elevada (35.785 km) e uma órbita GEO (geoestacionária). Em linhas gerais, isso quer dizer que ele acompanha o movimento da rotação da Terra. Do nosso ponto de vista, o satélite está sempre no mesmo ponto no céu, como se estivesse "estacionado" em uma vaga no espaço.

Mas, na verdade, ele está sincronizado com o planeta e também demora 24 horas para dar uma volta inteira, se movendo a 3 km/s. Para comparação, um satélite do tipo LEO, como os da Starlink, orbita a Terra aproximadamente a cada 90 minutos, dando 16 voltas no planeta por dia e se movendo a 7,7 km/s.

Assim, alguém que usa a banda larga da SpaceX fica alternando entre satélites o tempo todo. Já na conexão da ViaSat, e de concorrentes mais tradicionais como a empresa HughesNet, a internet fica ligada o tempo todo ao mesmo satélite, o que pode significar uma estabilidade maior.

Competição com a SpaceX

Se o lançamento ocorrer dentro do previsto, será o primeiro de três satélites geoestacionários de banda Ka que serão lançados pela Viasat.

Com ultra capacidade (oferta de velocidade de 1 Tbps - terabit por segundo - cada) e alta tecnologia embarcada, os três serão capazes de cobrir todos os continentes e as principais rotas aéreas e marítimas do globo. Enfrentarão, assim, a expansão de sua maior competidora: a rede Starlink, da SpaceX, de Elon Musk.

O plano é:

  1. ViaSat-3 Américas: envio ao espaço quinta-feira (27).
  2. ViaSat-3 Emea (Europa, Oriente Médio e África): a ser lançado ainda este ano. Ele já está pronto, passando por testes na fábrica da empresa em Tempe, Arizona (EUA).
  3. ViaSat-3 Apac (Ásia-Pacífico): previsto para ir ao espaço em 2024; está em construção.

Quando os três estiverem em operação, irão operar com um total de 3 Tbps — atualmente, a empresa têm dois satélites que somam menos de 500 Gbps.

Adaptação conforme a demanda de clientes

Além da maior capacidade, os beams (os feixes de sinal) dinâmicos permitirão adaptar a cobertura, realocando capacidade do satélite para onde a maior parte dos clientes estiver.

"Na primeira geração, o alcance era fixo, seguindo um desenho que prioriza áreas com maior densidade populacional. Na segunda, já era possível desligar alguns feixes, caso não houvesse demanda em determinados locais, mas não dava para alterá-los. Já os novos beams dinâmicos se autorregulam conforme a quantidade de clientes", explica Gaunszer.

"Isso é particularmente interessante ao se considerar a vida útil dos satélites, de 15 anos, durante os quais o mercado pode se alterar bastante", ressalta.

E como isso afetará o Brasil?

O Viasat-3 Américas será o primeiro satélite próprio da empresa a operar no Brasil. O diretor não revelou quanto da capacidade total será dedicada ao país, mas garantiu que a maior parte da nossa cota (cerca de 80%) será focada nas regiões Norte e Centro-Oeste, onde estão as áreas rurais com menor penetração de banda larga.

"Para mais da metade dos que contratam nosso serviço, é a primeira banda larga deles. Vai desde pequenas empresas, como um veterinário ou um comércio local, até fazendas do agronegócio, além de casas de campo isoladas", diz Gaunszer. "Mas nossos clientes ainda estão mais concentrados no Sudeste e no Nordeste."

O plano mais barato da ViaSat, voltado ao cliente residencial, hoje custa R$ 179 ao mês, com velocidade de download de 10 Mbps e franquia de dados de 25 GB. Com a nova frota, espera-se que a velocidade por usuário ultrapasse 100 Mbps, o que pode tornar o produto mais atrativo.

A empresa também já planeja a rede ViaSat-4, com expectativa de chegar a 7 Tbps nas Américas, para os próximos anos.

O voo será agressivo

Inserir um satélite diretamente em órbita geostacionária é uma das missões mais desafiadoras da indústria aeroespacial, e precisa de um transporte à altura.

Com 27 motores Merlin, o Falcon Heavy é o foguete mais poderoso do mundo em operação comercial. Será o sexto voo dele desde 2018, e o segundo deste ano — o SLS, da Nasa, o superou no ano passado, mas só teve um lançamento, na missão Artemis 1.

A estrutura é formada, basicamente, por três foguetes Falcon 9 unidos lateralmente, com nove motores cada. O do meio é o primeiro estágio e os dois laterais funcionam como boosters (que dão o grande empurrão para tirar o foguete do solo).

O Falcon 9 já teve mais de 200 lançamentos bem-sucedidos. Normalmente, esses foguetes são reutilizáveis — você já deve ter visto algum vídeo de um deles voltando sozinho para ser recuperado, o que a SpaceX faz com maestria. Mas não será assim dessa vez.

Chegar tão alto com uma carga muito pesada requer um perfil de voo mais agressivo, que consumirá todo o combustível dos três propulsores — não sobrará para as manobras de retorno, por isso nenhum será recuperado. Eles vão cair no mar logo após cumprirem sua tarefa.

A viagem durará cerca de seis horas. Primeiro, os boosters usarão força total por dois minutos e meio e depois se desconectarão em um mergulho no oceano Atlântico. O primeiro estágio queimará por mais um um minuto e meio e também seguirá para o mesmo destino.

A partir daí, apenas o segundo estágio (que tem apenas um motor e normalmente seria a única parte descartável) continuará com o satélite, fazendo três queimas para subir ainda mais e inseri-lo na órbita correta.

Após se separar, o satélite ainda usará os próprios propulsores para percorrer um último quilômetro até sua "vaga de estacionamento".

Nova era da exploração espacial

Essa nova era de exploração da órbita terrestre é dominada por empresas privadas diversas, que não dependem mais de tecnologia dos governos. Elas acabam sendo competidoras e ao mesmo tempo fornecedoras umas das outras.

Neste lançamento:

  • a ViaSat desenvolveu a carga útil e vai operar o satélite
  • a Boeing construiu a plataforma dele (a estrutura com os sistemas de energia e propulsão, também chamada de "ônibus")
  • a SpaceX irá levá-lo ao espaço -- curiosamente, hoje a maior concorrente no ramo da internet satelital.

Além disso, dois outros satélites menores vão pegar carona no lançamento: o Arcturus (300 kg), da startup Astranis, que vai levar mais internet para o Alaska na rede Aurora, e o cubeSat ucraniano G-Space 1 (22 kg), que une pequenas cargas de diversos clientes.

Para pequenas empresas, e também para pesquisas científicas, lançamentos compartilhados são a solução para botar seus projetos em prática, visto que seria inviável arcar com um foguete só para eles.

*A jornalista viajou a convite da Viasat