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Mauricio Stycer

O dia em que o spoiler da série saiu na primeira página do jornal

A maioria das pessoas, com razão, não gosta de spoilers - iStock
A maioria das pessoas, com razão, não gosta de spoilers Imagem: iStock

Colunista do UOL

09/09/2020 06h01

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A maior parte das pessoas não aprecia ser informada antes sobre detalhes de séries, filmes, livros e peças de teatros. É natural que seja assim. A surpresa é um dos prazeres do consumo de produtos culturais e de entretenimento.

Dar spolier de séries é hoje um pecado punido com cancelamento nas redes sociais. Mas já foi bem pior. Em 1991, quando a maioria de vocês leitores ainda não se preocupava com essas coisas, a Folha estampou um spoiler na primeira página da sua seção cultural.

Na quinta-feira, 11 de abril de 1991, a capa da "Ilustrada" trazia o seguinte título: "Saiba quem matou Laura Palmer". O subtítulo avisava: "Não leia o texto abaixo se você não quer saber o mistério da série 'Twin Peaks', que intrigou os EUA por cinco meses". É óbvio que todo mundo leu.

O texto entregava o segredo mais aguardado pelos fãs da série já na primeira linha. "Bob, uma alma penada com obsessão por facas, matou Laura Palmer".

O seriado vinha sendo exibido pela Globo aos domingos, às 22h30, e o episódio no qual o público descobriria o assassino estava programado para ir ao ar em 26 de maio, ou seja, dali a 45 dias.

Spoiler - Reprodução - Reprodução
Capa da "Ilustrada" com o spoiler sobre "Twin Peaks"
Imagem: Reprodução


Em 2015, reconstitui a história deste spoiler num texto na própria "Folha".

O autor da notícia foi o jornalista Álvaro Pereira Júnior, então editor-chefe do jornal "Notícias Populares". Ele morava nos Estados Unidos quando a série foi exibida originalmente e já havia assistido ao episódio em questão. Não foi dele, porém, a ideia de publicar o spoiler.

"A má ideia foi minha", contou Matinas Suzuki Jr., então editor-executivo da Folha. "Foi algo que combinava com a atitude que a 'Ilustrada' tinha na época, provocadora, espírito de porco", disse.

Mario Cesar Carvalho, então editor da "Ilustrada", divide com Suzuki a paternidade da travessura. "A minha avaliação é que a série do David Lynch era tão genial que saber quem matou Laura Palmer não tinha a menor importância", disse. "Continuo achando isso."

O então ombudsman do jornal, Caio Túlio Costa, elogiou o cuidado que a "Ilustrada" teve em avisar que o texto continha revelações, mas registrou em sua coluna dominical no jornal, três dias depois, que recebeu um grande número de protestos de leitores.

Bem-humorado, Costa escreveu que uma leitora, ao fazer a sua reclamação, ainda se vingou do ombudsman: "Ela acabou me contando o fim do filme 'O Poderoso Chefão' [o terceiro da série], que eu ainda não vi".

Não sei se foi o primeiro, mas este certamente foi o mais rumoroso caso de spoiler ocorrido até então na mídia brasileira.

Como já escrevi em outra ocasião, uma coisa que sempre me intrigou no Brasil é a despreocupação com spoilers de novelas. Adoramos ler sobre o futuro das tramas que acompanhamos. Sempre houve divulgação antecipada sobre o que os capítulos das novelas vão exibir. As próprias emissoras divulgam resumos oficiais, adiantando surpresas.

O mais interessante é que spoilers não atrapalham a audiência das novelas. Ao contrário, parecem ajudar na promoção delas. E ninguém reclama da divulgação dos spoilers. Mais do que surpresas, o espectador de novelas parece gostar de ver com os próprios olhos o que ele já sabe que vai acontecer. Isso diz muito sobre a previsibilidade dos folhetins.