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Post rotula mulheres com transtorno e viraliza: 'Ter TDAH não é bonitinho'

Janaine Cavalcanti (@oh.tdah) compartilha informações sobre TDAH em seu perfil no Instagram Imagem: Arquivo pessoal

Do VivaBem, em São Paulo

18/08/2022 04h00

Inquietas, perfeccionistas, apaixonadas por aprender coisas novas, desastradas e tão intensas que, quando estão estressadas, é melhor sair de perto. Esses são alguns dos adjetivos utilizados por uma publicação que viralizou nas redes sociais ao descrever mulheres com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, mais conhecido como TDAH.

Questionamentos ao post acenderam um debate no Twitter sobre a banalização da condição. "TDAH é um transtorno, não é um traço de personalidade, um MBTI ou um signo, então parem de romantizar isso", afirma um dos tweets, curtido por 34 mil pessoas e compartilhado por outras cerca de 6 mil na plataforma.

Traços de personalidade e transtornos psiquiátricos como o TDAH podem até estar associados em uma mesma pessoa, mas eles são coisas diferentes, explica o médico Mário Rodrigues Louzã, coordenador do PRODATH (Programa Déficit de Atenção e Hiperatividade no Adulto), do Instituto de Psiquiatria da USP (Universidade de São Paulo).

Para o especialista, reduzir qualquer distúrbio a uma lista de características pessoais é um erro. "O TDAH é completamente independente de perfis de personalidade. Existe uma série de estudos de genética, de fatores de risco, evidências de neuroanatomia e neurofisiologia, além de sintomas muito bem delimitados, que deixam muito claro que é um transtorno e não um conjunto de características pessoais", afirma Louzã.

O que é TDAH

O distúrbio neurobiológico é caracterizado por um padrão persistente (pelo menos seis meses) de desatenção e/ou hiperatividade e impulsividade, que causa impactos negativos nas atividades sociais e acadêmicas/ocupacionais do indivíduo.

O diagnóstico do transtorno geralmente é feito na infância, mas também pode acontecer na vida adulta. É clínico e feito por um médico psiquiatra que leva em conta os critérios que foram estabelecidos pelo DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), da Associação Psiquiátrica Americana, e pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

"Distraídos" é um adjetivo comumente empregado pelo público geral para se referir aos pacientes que têm um subtipo do transtorno conhecido como predominantemente desatento. Já a busca incessante por novidade e a menor evitação de riscos são comportamentos às vezes associados às pessoas que têm o subtipo hiperativo/impulsivo.

Mas isso não é observado em 100% dos casos: os efeitos podem variar de uma pessoa para outra.

Em mulheres, por exemplo, o fator desatenção é mais predominante, o que frequentemente atrasa o diagnóstico. "Eu sou totalmente contra posts como esse que viralizou, porque cada pessoa é uma combinação de fatores genéticos, biológicos e ambientais", diz Maria Conceição do Rosário, professora associada do Departamento de Psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Não dá para afirmar que todas as pessoas com TDAH, independentemente de ser mulher ou homem, vão ter características de personalidade semelhantes. Até os sintomas podem variar e um paciente com o distúrbio pode ser completamente diferente do outro. Maria Conceição do Rosário

Janaine Cavalcanti (@oh.tdah), 37, foi diagnosticada com TDAH já na vida adulta Imagem: Arquivo pessoal

'Ter TDAH não é algo bonitinho'

"Todo mundo se distrai" é um dos comentários que a ex-biomédica Janaine Cavalcanti, 37, mais ouve das pessoas quando o assunto é TDAH. "Eu digo 'é verdade, vai ter dia que você vai se distrair, só que com o TDAH é diferente, isso acontece com uma frequência muito maior e atrapalha nossa vida'", conta.

Janaine, que hoje é profissional de marketing digital, foi diagnosticada com o transtorno já na vida adulta e hoje compartilha informações sobre ele em seu perfil no Instagram, onde acumula cerca de 140 mil seguidores.

Recentemente, a distração fez com que a pernambucana quase perdesse a oportunidade de residir permanentemente no Canadá, onde mora desde 2017. Ela estava participando de um projeto de imigração que lhe daria direito à residência permanente após um período de dois anos trabalhando no país. Mas era necessário fazer uma inscrição para concorrer à vaga ao final da temporada.

Quando o dia pelo qual ela tanto esperava chegou, Janaine acabou assinalando a opção de idioma "francês" no lugar onde deveria ter selecionado "inglês". "Eu achei que estava prestando atenção. Por minha sorte, alguns dias depois resolvi dar uma olhada no que tinha feito e vi que tinha preenchido errado. Se não tivesse feito essa revisão, perderia a oportunidade com que sonhava há anos", conta.

O transtorno também já afetou seu desempenho no trânsito. "Já aconteceu de eu estar dirigindo por um tempo e nem me tocar. Quando você para, pensa 'nossa, já estou aqui?'. Isso é muito perigoso, pode causar um acidente ou a própria pessoa acabar morrendo", relata. "Tem gente que pensa que o esquecimento da gente é sair de casa e esquecer de levar o cartão, mas temos problemas reais na memória de curto prazo."

Muitas pessoas acham que o TDAH é apenas um traço de personalidade, que é uma pessoa mais bagunceira, mais inquieta, um pouquinho mais distraída, como se fosse algo bonitinho. Mas não é bonitinho. O que as pessoas não enxergam é o sofrimento que a doença causa. Ter TDAH pesa muito na nossa vida e pesa muito mais quando tem esse preconceito da sociedade de minimizar as dores que a gente tem.

Quando decidiu buscar a ajuda de um psiquiatra por suspeitar que tinha o transtorno, depois de anos recebendo tratamento para ansiedade generalizada, Janaine conta que algumas pessoas questionavam como ela, que tem doutorado, poderia ter TDAH.

"Outro estereótipo associado ao TDAH é que somos burros. Por causa dos pensamentos hiperativos, eu tinha muita dificuldade de concentração e precisei estudar muito mais do que os meus colegas para concluir o curso. Quem tem TDAH consegue alcançar esse tipo de objetivo, mas nosso esforço acaba sendo maior", diz a influencer, que afirma ter tido depressão e crises de pânico durante o período.

O TDAH é caracterizado por um padrão persistente dos sintomas e efeitos negativos na vida Imagem: iStock

Personalidade X transtorno

Todas as pessoas têm traços de personalidade, que podem ou não ser acentuados. Alguns são mais extrovertidos, outros menos sociáveis, por exemplo. Essas características vão se estabelecendo desde a infância e, a princípio, não são compatíveis com uma doença.

O que acontece nos casos de transtornos como o TDAH é que alterações na função cerebral afetam o funcionamento do indivíduo, causando prejuízos e sofrimento à vida, como diferencia o médico Michel Haddad, psiquiatra do HSPE/IAMSPE (Hospital do Servidor Público Estadual) e pesquisador do departamento de psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Segundo o DSM-5, um critério para diferenciar o transtorno de apenas um traço de personalidade é que os sintomas (desatenção ou hiperativo/impulsivo) devem estar presentes em mais de dois ambientes. Por exemplo: em casa, escola ou trabalho; com amigos ou parentes; e em outras atividades. Além disso, vários sintomas precisam ter surgido antes dos 12 anos de idade.

Do post que viralizou, uma série de características não têm a menor relação com o transtorno. "TDAH é baseado em frequência e nível de intensidade de desatenção e concentração e/ou hiperatividade e impulsividade. O critério de diagnóstico não tem nada a ver com a pessoa ser empática ou não, sociável ou divertida, sincera ou não. Tem pessoas com TDAH que são perfeccionistas e outras, não", afirma Maria Conceição do Rosário.

O diagnóstico é considerado fundamental para que o paciente tenha acesso ao tratamento correto, que envolve o uso de medicamentos para reduzir os sintomas de distração e/ou hiperatividade e a psicoterapia cognitivo-comportamental.

"Tem gente que fala que buscar diagnóstico é ir atrás de um 'rótulo'. Mas o diagnóstico responde muitas perguntas na nossa cabeça. No caso de adultos que descobrem que têm TDAH, são perguntas de uma vida inteira", diz Janaine, que enfrentou dificuldades de concentração tanto na infância quanto durante a adolescência e a vida adulta, sem saber que tinha o transtorno.

"O diagnóstico abre portas para um tratamento que pode mudar a vida. Eu tive 37 anos duros sem diagnóstico. Se eu tiver 37 anos de vida daqui para frente, quero que sejam diferentes e melhores, mesmo que eu tenha que tomar medicamento o resto da minha vida, mas que sejam anos mais leves", diz.

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