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Inspiração pra fazer da atividade física um hábito


Anderson superou limitações da paralisia cerebral e virou fisiculturista

Reprodução do Instagram @andersondarosaoliveira
Imagem: Reprodução do Instagram @andersondarosaoliveira

Gabriele Molina

Do Esporte Fitness

30/10/2020 04h00

Dança de rua, musculação, capoeira. A prática de atividades físicas teve papel fundamental para ajudar Anderson Rosa, 27 anos, que sofre de paralisia cerebral mista a conquistar seus sonhos.

O paratleta gaúcho tem as funções motoras comprometidas por causa de complicações médicas na hora do parto, que fizeram com que seu cérebro ficasse um tempo sem oxigenação. Aos 8 meses, ele iniciou uma série de tratamentos e acompanhamentos, como fisioterapia, hidroterapia, fonoaudióloga, psicóloga para recuperar os movimentos. "Desde pequeno ele teve força de vontade e nunca desistiu dos seus sonhos", afirma Rosângela da Rosa, mãe de Anderson.

Com o passar do tempo, foi sendo possível notar a evolução. A fala veio aproximadamente aos 2 anos de idade e, aos 4, ele começou a se locomover sozinho, "Nunca quis usar cadeira de rodas e quando criança eu me movimentava na posição dos quatro apoios, ou minha mãe me carregava no colo. Um vereador cadeirante da minha cidade até me deu uma cadeira de rodas quando me viu uma vez no chão da casa da minha avó, mas nunca gostei de usá-la e, aos 11 anos, consegui andar", relata Anderson.

A paixão pela capoeira

O interesse pela atividade física veio antes mesmo de ele dar os primeiros passos. "Conheci a capoeira assistindo a um filme e decidi que iria praticar o esporte quando começasse a andar. Várias pessoas diziam que eu não iria conseguir, mas após cerca de 6 meses que eu havia dado meu primeiro passo, abriu um projeto social na minha cidade, e tinha capoeira. Eu me inscrevi, conheci o mestre Vladimir Farias e contei minha história. Ganhei uma bolsa e pratico a atividade até hoje, inclusive, me tornei instrutor no projeto Mais Educação e atualmente dou aula para todas as idades", conta.

"O início do Anderson na Capoeira foi para mim e para outras pessoas um momento de novas descobertas. Fácil eu posso garantir que não foi, mas ele dificilmente faltava às aulas e sempre chegava muito determinado e com um sorriso contagiante", conta o Mestre de capoeira, Vladimir Farias. "Não fizemos nenhum tipo de adaptação, ele treinava tudo e com todos. É assim que funciona, todo mundo treina junto, e a capoeira abraça todos", afirma Faria, que também é profissional de educação física.

De acordo com o Mestre, a família teve um papel extremamente importante, acreditando e apoiando desde o início todas as atividades realizadas pelo paratleta. "Nunca vi o Anderson se queixar, não me lembro de escutar ele reclamar. Ele estava ocupado com seus objetivos, ele não deixava espaço para frustrações, ele ocupava esse espaço com superação e sucesso."

O mundo dança

Anderson da Rosa Oliveira - Reprodução do Instagram @andersondarosaoliveira - Reprodução do Instagram @andersondarosaoliveira
Imagem: Reprodução do Instagram @andersondarosaoliveira

Aos 9 anos, também antes de começar a andar, Anderson se interessou pelo hip hop. "Vi alguns grupos da minha cidade e fiquei apaixonado. Eu tinha um primo que dançava e o achava o máximo. Quando comecei a andar, ele ia até minha cada me ensinar alguns passos."

Anderson então deixou de ser só um espectador e passou a participar do grupo de dança da escola, que integrou durante os três anos do segundo grau. "No primeiro momento, foi um espanto geral, mas depois passou. E o mais importante foi que o coreógrafo não me tratou com diferença, eu fazia o mesmo que os outros dançarinos."

No grupo, o gaúcho ganhou o prêmio de bailarino revelação de um festival da cidade e subiu ao pódio duas vezes com sua equipe, conquistando o 2º lugar e 3º lugar do torneio em diferentes anos. Depois de concluir o ensino médio, permaneceu na dança e foi 2º lugar na categoria solo.

O início no fisiculturismo

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Imagem: Reprodução do Instagram @andersondarosaoliveira

Anderson não parou na dança e na capoeira. E foi na musculação que ele se tornou um atleta conhecido em todo o país (e também na América do Sul).

"Sempre tive vontade de começar a treinar, de ser musculoso. Eu falava com conhecidos que já treinavam, mas nunca dava certo, até que no início de 2016, meu mestre de capoeira falou que um amigo dele precisava fazer um TCC sobre inclusão no esporte e perguntou se eu toparia paria participar.". O gaúcho topou o desafio e na mesma semana se inscreveu na academia e começou a levantar peso.

Cerca de um ano depois de começar a treinar musculação, beirando os 24 anos, Anderson recebeu um convite do seu treinador Carlos Roberto Fontoura: participar de um evento de fisiculturismo, na categoria "Estreantes", em Novo Hamburgo.

"As maiores dificuldades que a paralisia cerebral traz ao Anderson estão ligadas à locomoção, mas a capoeira, uma atividade em que o praticante joga com o corpo, deu a ele destreza e percepção espacial. Toda esta bagagem ele transferiu para a vida e para prática do fisiculturismo."

Depois de participar do Estreantes Gaúcho, Anderson disputou outros 20 torneios, entre eles o sul-americano, em Buenos Aires, Argentina.

Reprodução do Instagram @andersondarosaoliveira - Reprodução do Instagram @andersondarosaoliveira - Reprodução do Instagram @andersondarosaoliveira
Imagem: Reprodução do Instagram @andersondarosaoliveira

"Competir no fisiculturismo me permitiu ver que meus esforços estavam sendo reconhecidos e, além disso, estavam ajudando outras pessoas que se espelhavam em mim", afirma o paratleta.

A rotina de treinos de Anderson precisa de cuidados. Devido à paralisia cerebral mista, seu treinador faz adaptações em quase todos os exercícios. O personal trainer Pablo Antônio Gomes dos Santos, pós-graduado em exercício no tratamento de doenças crônicas e associadas pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), acredita que, com adaptações, é possível superar e alcançar praticamente tudo no esporte.

"No treinamento realizado de forma linear e progressiva, os ganhos com a mobilidade e consciência corporal são garantidos pela insistência e perseverança. Com força de vontade, foco e a orientação de uma equipe de especialistas, um atleta com paralisia é capaz de superar seus limites", dia Santos.

Rosângela da Rosa, que sempre acompanhou de perto a evolução do filho, fala disso com grande orgulho. "Muitas pessoas desacreditavam da capacidade dele, mas ele nunca desistiu das suas metas. Hoje, com todo o esforço e determinação, ele concluiu o ensino médio sem reprovar nem um ano sequer, é monitor de capoeira, fisiculturista e um grande homem".

"Tudo na minha vida demorou muito mais, por exemplo comer sozinho, ir ao banheiro sozinho, tomar banho sozinho etc. Mas a cada dia, semana e anos que se passavam eu tinha uma nova vitória. E o esporte me ajudou no comando motor, no equilíbrio, na resistência e na saúde mental também. Nunca dei muita atenção para opinião dos outros, acho que é um dos segredos para superar obstáculos e conquistar metas", relata Anderson.

*Essa reportagem foi produzida originalmente para o site Esporte Fitness