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Sexoterapia


'Minha mulher não toma iniciativa para o sexo. Como resolver isso?'

Colaboração para Universa, em São Paulo

02/06/2023 04h00

No novo episódio do "Sexoterapia", podcast de Universa, Bárbara dos Anjos Lima e Ana Canosa receberam a escritora Lua Menezes. Além de conversarem sobre os limites da liberdade individual dentro de uma relação, elas falaram sobre casos de ouvintes.

Duas situações foram discutidas. Uma delas sobre uma mulher que mantém um relacionamento há 18 anos mas começou a se incomodar com o marido preferir ficar em casa aos fins de semana a sair com ela.

O outro caso é de um homem que revela estar vivendo um impasse no casamento porque a mulher, que saiu há pouco tempo do puerpério, deixa apenas para ele a "responsabilidade" de investir sexualmente na relação.

Leia as histórias abaixo:

Delegando responsabilidade sexual

Sou casado há cinco anos e temos um filho pequeno de dois. Minha esposa passou por um puerpério bem difícil, ficamos quase um ano sem transar. Com o tempo e a ajuda da terapia individual de cada um, fomos nos reconectando. Sinto que caminhamos pra uma fase melhor, mas ainda há muitos desafios. Sinto que fica totalmente pra mim o papel de seduzi-la, falar de sexo e tomar atitude.

Ela brinca que tenho que encontrar os caminhos sexuais dela. Daí eu pergunto: será que ela não podia me ajudar? Ela não está delegando pra mim uma responsabilidade que é do desejo dela? Parece que ela espera que eu a faça gozar, peça sexo. E ainda reclama quando gozo antes.

Ana Canosa: "Parece que tem duas frentes da análise. Uma que ela reproduz o modelo tradicional de que o homem tem que ser desejante, buscar sexo é responsabilidade dele. Ela fica com a parte dos afetos. Outra via de observação é essa do lugar que as mulheres começaram a ocupar no individualismo. Será que ela está reproduzindo o formato antigo ou tá nesse oposto, de meu desejo é assim, quero que você venha e é assim que funciona?"

Lua Menezes: "A gente foi socializada a um lugar de passividade que me parece que é esse lugar que ela está. Agora, de umas décadas pra cá, a gente tem galgado esse espaço e esses poderes de movimentação pelo mundo. Mas esse lugar de passividade sexual ainda está no nosso imaginário, na nossa cultura, e nos relacionamentos héteros ainda mais. A mulher fica esperando, ela espera ser escolhida."

Sair desse lugar, quebrar esse lugar de princesa na torre que recebe tudo, é muito potente. Lua Menezes

Ana Canosa: "Pra quem acabou de ter um filho, o quanto que essa espera dele vir não é também um 'pelo amor de Deus, vem'. Pode ser que ele nunca tenha sido chamado a ter essa responsabilidade. Será que ele não está se sentindo sobrecarregado com isso?"

Lua reforçou que o diálogo é importante.

Lua Menezes: "Se tem algo difícil de falar, escreve pra você antes. Organiza. Talvez você mesmo entenda um incômodo que você não entendia antes".

Ana Canosa finaliza: "O olhar do desejo dos outros nos satisfaz. Quando a gente nega completamente a dependência, também não é sincera com nosso ego".

Devo aceitar que meu marido é antissocial?

Entre idas e vindas, eu e o Lucas estamos juntos há 18 anos. Ele sempre foi mais caseiro do que eu, então, eventualmente saímos separados, e isso nunca foi problema. Nos conhecemos no final da adolescência, ficamos, namoramos, separamos, voltamos. Fomos morar junto aos 25, mais por conveniência do que por vontade.

Aos 28, tivemos outra separação e, quando voltamos, foi o que chamamos de a hora do vamos ver. Decidimos ter um filho, hoje com cinco anos. Acontece que, com a pandemia, o Lucas foi ficando mais antissocial. Se antes saíamos juntos e às vezes separados, agora quase todo fim de semana faço programas com meu filho e outros amigos que tem filhos, e meu marido fica em casa.

Às vezes, a desculpa é o trabalho, às vezes é cansaço, às vezes nem desculpa ele dá mais. Mas tirando esse aspecto, acho que nosso relacionamento é bem bom. Temos afinidade de valores, sexual, ele é um bom pai e sempre se faz presente. Em casa, nossa vida é agradável e tranquila. Tento entender que é o jeito dele, que ele gosta mais de ficar em casa, e eu, de fazer mil coisas.

Sinto falta de ter ele nos eventos. Devo forçar e exigir mais ou devo entender que esse é o jeito dele e aceitar?

Bárbara dos Anjos: "Acho que todo mundo conhece algum casal que é assim. Será que o casal precisa ter o mesmo ritmo pra dar certo?"

Ana Canosa: "A palavra que me chama atenção é exigir. Exigir é uma palavra forte. Eu não sei quanto na fantasia dela, quando ela chega pra ele e diz que gostaria que ele fosse, que sente a falta, isso é uma exigência. As pessoas acham que porque a gente está falando que é importante manter a individualidade, respeitar o desejo das pessoas, que nada vai ser necessário para o outro fazer".

"Se eu sinto falta dele de vez em quando, eu preciso falar, verbalizar. Isso não é uma ofensa, não é pecado", completou.

Lua Menezes ressaltou, então, a importância da comunicação dentro do relacionamento. Diz que maioria das perguntas que recebe de seguidoras é sobre isso. "Tem uma violência no exigir que não tem no comunicar."

O que está por trás do 'eu quero que você saia comigo?' Porque pode ser um 'quero me sentir conectada com você, estou me sentindo sozinha'. Por que talvez a partir disso, a parte burocrática de negociação fica mais fácil. Lua Menezes

Bárbara ainda pontua que é importante não se comparar. "A gente também tem que se desprender da comparação, de falar 'os maridos das minhas amigas estão, só o meu não está'."

Ana Canosa: 'Dilema das relações é querer liberdade e segurança juntos'

No episódio, as apresentadoras e a convidada analisaram a importância de manter a individualidade em uma relação, mas também falaram que, para viver em casal, é preciso abrir a mão, em partes, da autonomia.

"O individualismo é bom, nos permite fazer escolhas, ter mais controles sobre nossas relações e papéis sociais que a gente quer desenvolver. Mas aí tem o dliema entre o meu desejo e o desejo do parceiro", disse Ana Canosa.

Lua Menezes entrou na conversa falando de uma experiência vivida recentemente. "Fui para o Brasil sozinha várias pessoas perguntaram se meu noivo não se incomodava de eu viajar sozinha. Fico chocada com isso".

"Ainda há essa ideia de que, quando se está num relacionamento, vivendo o amor romântico, tem que se grudar e fazer tudo junto porque dois são um. Não, dois são dois", disse Lua.

Sempre fui assim, uma buscadora da liberdade, desde adolescente. Quinze anos atrás, era muito comum ouvir das minhas amigas: 'Não vou porque meu namorado não deixa, não quer. E eu adolescente ouvia isso e sempre achei muito absurdo, sempre fui mais afrontosa".

Autonomia x desejo

A escritora associou isso à "cilada do amor romântico" que nos é vendida. "A gente vem nesse movimento que às vezes nem é de amor, é de insegurança, de fazer tudo junto e ter uma falsa sensação de controle. As pessoas não percebem que essa proximidade toda pode acabar sufocando o desejo".

O desejo precisa de espaço, o fogo precisa de ar. Quando a gente está grudada o tempo todo, colada na outra pessoa, cadê o espaço? A gente não está vendo mais essa pessoa de longe. Lua

Bárbara dos Anjos: "Acaba faltando espaço pro desejo, pra saudade, pra falta também".

A jornalista, então, trouxe mais uma reflexão, sobre os casais que se colocam com os mesmos gostos e opiniões o tempo inteiro. "Onde começa um e termina o outro?", questionou.

Ana Canosa: "Esse é o desafio. Viver minha autonomia e ainda assim me submeter ao desejo do outro de vez em quando. Por que quando é casal, não tem como ser só o seu desejo exclusivo. Se é só o seu desejo exclusivo, vai ter que viver só. Não tem como você compartilhar decisões e levar tudo só sob sua perspectiva. Isso é tóxico, não é casal".

"Quando você começa a só viver a individualidade de cada um, também não dá. É o grande dilema da contemporaneidade. Ao mesmo tempo que as pessoas querem pertencimento e segurança, elas querem total liberdade", pontuou.

Bárbara dos Anjos: "Nós somos essa geração de mulheres que se colocou num lugar de muitas escolhas, mas parece que, às vezes a gente endurece tanto que esquece que está numa parceria. Tem que ser natural, nem tudo precisa virar uma DR".

A parceria é um contraponto da posse. A autonomia entra no: 'Eu quero atender esse desejo do outro? Faz sentido pra mim estar junto?'. Na parceria, a gente também tem a possibilidade de dizer não. Lua Menezes

Bárbara fez ainda uma análise sobre ceder. "Nem sempre a gente vai estar na mesma vontade. Acho que o ceder é quando, de alguma maneira, a gente consegue enxergar o cenário maior".

Assista à íntegra do episódio: