Topo

Ela transformou crochê em negócio e exporta as peças até para a Europa

Edivanda da Silva, conhecida como "Vanda do Crochê", mora e trabalha em Jericoacoara (CE) Imagem: Hugo Oliveira

Júlia Flores

De Universa

19/05/2021 04h00

Nas mãos de Edivanda da Silva, há sempre fios de crochê e uma agulha de ferro. Nascida e criada na região de Jeriocoacoara, no litoral do Ceará, a artesã produz peças que são vendidas na região, mas também exportadas para outros estados do Brasil e para países da Europa.

Durante a pandemia, a vila cearense em que vive sofreu severos impactos econômicos em razão das restrições turísticas, que deixaram o comércio local vazio. Com as praias fechadas, muitas das mulheres que trabalhavam com a venda de crochê na beira do mar ficaram sem renda por quase 6 meses. Presidente da "Associação Crochê e Arte", que olha por essas profissionais, Vanda se mobilizou para compensar a queda no faturamento, que bateu a casa dos 80% nos primeiros cinco meses de isolamento social.

"Ficamos metade de 2020 sem vender nada. Foi um cenário muito triste. Só não foi pior, porque consegui, através da associação, reunir apoio de órgãos públicos e privados para ajudar famílias com cesta básica e doações. Agora estamos lutando para nos reconstruir", diz Vanda, na pausa entre um crochê e outro.

Enquanto mantém a produção e equilibra as doações da organização, sonha com o que ainda quer realizar no futuro. Mais do que vender e ganhar dinheiro, deseja transformar a herança cultural do crochê em uma arte valorizada dentro e fora do Brasil.

De brincadeira de criança à fonte de renda

"O crochê é um trabalho digno, fonte de renda para muitas famílias", diz Vanda Imagem: Hugo Oliveira

Filha de pescador e de uma dona de casa, Vanda faz crochê desde os 7 anos de idade. "É uma tradição na família. Aprendi com minha mãe ainda criança, mas naquela época não era moda como agora. Só existia pano de prato, toalha de mesa... Ninguém pensava em criar uma peça de roupa", comenta a artesã. "Como a minha família era muito pobre, a gente dividia uma agulha de ferro entre as seis irmãs. Enquanto uma lavava a louça ou varria o chão, a outra crochetava", relembra.

Desde os 13 anos de idade, passou a trabalhar na beira da praia vendendo os produtos fabricados em casa. Aos 17, incluiu as peças de roupas. A sorte de Vanda mudou quando cruzou com a ex-modelo Luiza Brunet, que à época estava hospedada em um hotel de luxo da região. "Decidi transformar uma toalha de mesa em saia. Um dia, estava com meu trabalho exposto na frente ao estabelecimento que Luiza estava hospedada, ela viu a peça e adorou. Apostei no modelo e hoje é o que mais vendo", relata.

O negócio deslanchou depois desse dia. Desde então, segue na criação e desenvolvimento de peças autorais. "Eu não copio modelos! A maioria das ideias vêm da minha cabeça. Algumas inspirações vejo no Pinterest, mas eu sou dona do meu trabalho", afirma. Quando finalizados, os artigos vestem corpos para além das areias de Jericoacoara. "Você já assistiu ao clipe 'Talismã', da cantora Iza? Fui eu que fiz o short que ela usa", comemora.

Apesar de anos de ofício e da criatividade empregada na confecção, nem sempre o reconhecimento chega. "As clientes que usam minhas roupas lá fora não sabem nem que foi uma pessoa daqui do Nordeste que fez o trabalho. Como atendo lojas, estilistas e clientes que repassam as peças para muitas blogueiras, cantoras, e atrizes, a maioria delas nem imagina que eu existo. Mas nós existimos", diz.

Crochê ajudou famílias durante a pandemia

Vanda segura duas saias de crochê. O modelo à esquerda é o mais famoso entre os seus produtos Imagem: Hugo Oliveira

O sonho de alcançar reconhecimento e levar a arte do crochê cada dia mais longe fez Vanda se unir a outros 41 artesãos locais para criar a Associação Crochê e Arte, em 2018 — Jericoacoara tem outras duas organizações como esta, mas a de Vanda é a que reúne o maior número de trabalhadores; ao todo são mais de 70 credenciados.

A organização dá suporte aos profissionais autônomos, garantindo apoio de órgãos públicos e empresas privadas, além de viabilizar eventos e exposições. "A associação não tem fins lucrativos. É um grupo que se junta para captar recursos, debater ideias, realizar eventos e aulas", explica.

Durante a pandemia, as associações ajudaram várias famílias da região que, sem poder trabalhar, receberam amparo financeiro e alimentício de órgãos como Sebrae ou a própria CeArt (Central de Artesanato do Ceará). "Atualmente, vendemos cerca de 60% do que vendíamos antes da covid. No passado, o nosso faturamento mensal chegava a 15 mil, dependendo da temporada. Agora caiu bastante", conta.

O período crítico, porém, não impede que a cearense de 32 anos sonhe grande. "Eu fico com muito dó dessas mulheres que trabalham todo dia sob o sol, expõem o trabalho na areia, sujam as peças. Meu plano é criar uma sede para a associação e, quem sabe, transformá-la em uma feira para que todos possam vender de um jeito decente. Nosso trabalho é digno, é manual, é fonte de renda para muitas famílias. Quero que o pessoal de fora veja o crochê como uma arte", argumenta. Ela finaliza a conversa com uma expressão que já virou mantra: "Vai dar certo".

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Ela transformou crochê em negócio e exporta as peças até para a Europa - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade


Mapa da mina