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"Não faz a Lumena": como falas da sister afetam mulheres negras fora do BBB

Lumena, uma das sisters mais comentadas deste BBB Imagem: Reprodução / Internet

Nathália Geraldo

De Universa

28/02/2021 04h00

Quem acompanha o BBB sabe que, mais do que um programa de entretenimento, o que é falado ou vivido pelos participantes ultrapassa as fronteiras da casa mais vigiada do Brasil.

Nesta edição, há um mês no ar, a pauta racial virou tema de muitas conversas entre os brothers. Para o bem e para o mal, o posicionamento da mestra em psicologia e DJ Lumena Aleluia tem sido alvo de análises nas redes sociais, meme e até filtro no Instagram — como o "Lumena não autorizou".

Mas, fora do jogo, a repercussão das "militâncias erradas" de Lumena recai sobre mulheres negras que se posicionam como ativistas antirracistas e pela igualdade racial. Julgadas como "Lumenas", "crias de Lumena" ou alvo de comentários como "Lumenou toda", "fez a Lumena", principalmente pelas redes, são comparadas e reduzidas à figura que a DJ representa no reality. O que essa interpretação diz sobre o lugar que elas são colocadas na sociedade?

"Sabe por que agora você me chama de Lumena?"

Foi depois de uma sessão de terapia que a publicitária e ativista pelo letramento racial Nina Chrispim resolveu produzir um vídeo para o Instagram sobre uma questão que a incomodava: por que a postura de Lumena dentro do BBB, criticada inclusive por pessoas negras em alguns momentos, era replicada frente ao discurso de outras mulheres negras quando o tema era racial?

Rimando em um slam, Nina fala na gravação sobre como classificá-la como "Lumena" é uma tentativa de generalizar as vivências e as opiniões de pessoas negras. Veja o vídeo, que tem mais de 68 mil visualizações no Instagram, e leia o texto transcrito abaixo:

"Sabe por que agora você me chama de Lumena? Porque toda aquela sua história de antirracismo era cena, a sua vontade era que acabassem todas as pautas raciais. Para sustentar aquela sua gracinha de que "somos todos iguais". Não mais.

A gente pediu representatividade e ganhou representação. Como se uma mulher preta representasse 56% da população. Ah, não, irmão. Parece que chamar de Lumena é o novo "descansa, militante".

Será que estava nos seus planos ficar passando essa vergonha constante? Mas eu imagino que fazer diferenciação e bom senso deva ser algo raro. Então, já que você é branco, eu posso te chamar de Bolsonaro?"

Para Universa, a publicitária explica que a análise tem a ver com a maneira racista com que negros e negras são vistos, como se todos tivessem uma mesma identidade, ao contrário do que acontece com as pessoas brancas. "As pessoas negras não são humanizadas o suficiente para ter individualidade. Ou seja, parece que se existe uma mulher negra militante ali dentro, ela representa toda a militância negra. Só que na militância, há discordâncias", opina.

Nina Chrispim fala sobre estereótipo "de Lumena" e vídeo em que abordou assunto Imagem: Arquivo pessoal

O fato de Lumena ter se colocado de forma "equivocada, como um ser humano, que é passível de erro", diz Nina, compromete ainda mais essa associação que se estende às mulheres negras. "Eu percebi que muitas pessoas que já não levavam as pautas raciais a sério usaram essa brecha que a Lumena deu. Muitas pessoas usaram isso para invalidar qualquer pessoa que está falando algo válido. É como se a gente tivesse uma única chance de provar que as nossas falas têm valor e que Lumena a 'gastou' no BBB", analisa.

"Mas eu vejo que quem usa isso de 'lumenou' comigo não tem interesse nenhum em entender a consistência do meu conteúdo. Aí, quando recebo esses comentários, às vezes eu debocho, ou só apago."

Para a professora e ativista Leticia Parks, do grupo de mulheres Pão e Rosa, a polarização política entre direita e esquerda engrossa o caldo do julgamento sobre o ativismo negro comparado aos movimentos de Lumena dentro da casa — que, inclusive, foi motivação de um texto da psicanalista Jaqueline Conceição na seção Pensadoras, de Universa.

Leticia Parks vê associação de posturas de Lumena à militância negra Imagem: Arquivo pessoal

"Tem acontecido essa associação entre os movimentos negros e personagens equivocados como o de Lumena e Karol Conká, por parte da direita, dizendo que o que elas fazem é militância", avalia. "Só que o que elas defendem se mostrou inclusive um reforço de opressões, como no caso do Lucas", diz Parks, que já escreveu uma coluna para Universa sobre a questão racial no BBB.

E, apesar do uso comum da expressão "militância errada", há quem diga que a trajetória de Lumena dentro do BBB não é, de fato, de uma militante. Ela mesma rechaçou o título em conversa com a sister Viih Tube; e, em Ecoa UOL, a colunista Keit Lima explicou mais sobre o posicionamento — que, necessariamente, está ligado a organizações que se comprometem com as transformações sociais.

"Uma mulher preta que, tentando fazer o certo, faz errado"

Nina acredita que Lumena tem "a grosso modo, esvaziado algumas pautas raciais". Ela cita o exemplo de análise que a psicóloga fez dentro do jogo frente à postura de Karol Conka e Carla Diaz (a cantora acusou a atriz de dar em cima do participante com quem ela estava se relacionando). "Neste caso, a Lumena trouxe um argumento de que a palavra de uma mulher branca se sobrepôs a de uma mulher negra. Isso de fato existe no dia a dia, mas não era o caso naquela situação", diz.

Por outro lado, a publicitária percebe que as críticas e condenações do público em relação ao que a sister faz ou deixa de fazer não são isentas de uma perspectiva racial.

Nossa humanidade também é tirada quando uma mulher preta tentando fazer o certo, faz errado e é extremamente julgada por isso, sendo que, em muitas outras edições, tiveram pessoas com comportamentos racistas, homofóbicos, machistas e tiveram o 'pano passado' de 'todo mundo erra, estão na fase de aprender'.

Apesar de constatar que "dá para errar na militância" quando, por exemplo, as pessoas se individualizam e se afastam das lutas coletivas, Leticia destaca que as críticas à linguagem acadêmica de Lumena não deveriam existir. "O movimento negro é feito de pessoas que estão dentro e que estão foram da Academia. Mesmo que o conteúdo que a Lumena defende não seja de uma pessoa antirracista, essa não é uma crítica que deve ser feita, porque mulheres e homens negros não estão em quantidade no espaço acadêmico. E, inclusive, acredito que é possível construir uma luta social com conteúdos difíceis, e também com mais encurtados."

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