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Mulheres do MTST se unem para lançar candidatura coletiva para Câmara de SP

Débora Lima e Jussara Basso, do MTST, que pretendem lançar candidatura coletiva à Câmara de SP - Divulgação
Débora Lima e Jussara Basso, do MTST, que pretendem lançar candidatura coletiva à Câmara de SP Imagem: Divulgação

Fabiana Batista

Colaboração para Universa

10/12/2019 04h00

Três mulheres do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) se preparam para lançar nesta quarta uma candidatura coletiva para a Câmara dos Vereadores de São Paulo, nas eleições de 2020.

O grupo, formado por mulheres negras, sem teto e da periferia de São Paulo, quer dar visibilidade às causas que já reivindicam na luta por moradia, como melhorias em infraestrutura, mais creches e transporte público de qualidade nas periferias da capital paulista.

A candidatura será anunciada nesta quarta no Teatro Oficina em evento que contará com a presença de políticos como o ex-candidato à Presidência pelo PSOL, Guilherme Boulos, e de artistas como o rapper Criolo. As atrizes Camila Pitanga e Sônia Braga estarão presentes em vídeos de apoio.

Em entrevista exclusiva para Universa, duas mulheres que pretendem compor a candidatura falam dos motivos que levaram o movimento a lançar um grupo para disputar uma cadeira de vereador.

Débora Lima, 32, e Jussara Basso, 45, são moradoras da periferia de São Paulo e estão à frente das ocupações Marielle Vive e Vila Nova Palestina, do MTST. As duas passam a maior parte do dia divididas entre tarefas do movimento, a família e bicos para garantir o sustento da casa. Jussara está desempregada e Débora trabalha como cozinheira em eventos.

"A periferia não se sente representada por quem ocupa a Câmara dos Vereadores. Nos sentimos carente de representação política, então decidimos ser a nossa própria representação", diz Jussara.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista com elas.

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UNIVERSA: Como vocês atuam no MTST e por que vocês decidiram que era necessário entrar para a política?

Débora: Minha entrada na política se deu a partir do momento em que entrei em uma ocupação do MTST em busca da minha moradia. Ainda no primeiro contato que tive em 2007, nós fizemos uma manifestação de Itapecerica da Serra (SP) até o Palácio dos Bandeirantes, foram mais de 5.000 pessoas marchando por 18 quilômetros. Meu coração se encheu de emoção e eu entendi o potencial do povo.

Jussara: Meu início é muito parecido com o da Débora, meu engajamento político sempre foi na política não partidária. Quando eu cheguei na ocupação do Novo Pinheirinho, em Embu das Artes (SP), eu percebi que tudo era coletivo, desde ajudar alguém a fazer seu barraco de lona até decidir o que será pautado nas reuniões com a prefeitura. Foi participando da coordenação que eu percebi que não dava mais para ficar apenas esperando que outras pessoas decidissem algo por mim.

Foi tão forte que na época eu consegui até me curar de um quadro de depressão que me acompanhava havia anos. Hoje, atuo na zona sul, principalmente na Ocupação Vila Nova Palestina, que está localizada no M'boi Mirim. Lá eu faço as negociações com o poder público para a resolução das moradias das famílias que estão na ocupação e atuo nas formações internas com o povo. Por exemplo, tivemos um chá de bebê coletivo e eu falei sobre parto humanizado, direitos da mulher e violência obstétrica.

O que vocês têm em comum e como lidar com as diferenças em uma candidatura coletiva?

Débora: Eu acho que a diferença diz respeito às nossas atuações no MTST, cada região tem suas especificidades. Lá na [região] norte, as pautas são voltadas para a saúde, educação, falta de infraestrutura e de creche. A falta de creche, por exemplo, eu já sofri na pele. Mas só percebi que poderia ter esse direito quando em uma ocupação fizemos um ato reivindicando vaga para as crianças e conseguimos garantir para todas. Essa soma de experiências pode ajudar a fortalecer um mandato na Câmara de Vereadores.

Jussara: Na zona sul a falta de transporte é pauta histórica. No ano passado nós ocupamos a SPTrans para mostrar que éramos contra a reestruturação de transporte que iria retirar os ônibus que saem daquela região e vão para o centro expandido. Eu e Débora somos parecidas porque somos negras, mulheres, mães e moradoras da periferia lutando por um futuro melhor. Eu acredito que mesmo com as pautas mais específicas, há aquelas em comum também: a falta de moradia, o esgoto a céu aberto, a falta de escola, de creche e de transporte.

Por que uma candidatura coletiva e não individual?

Jussara: Nos espaços do MTST, tudo que a gente constrói é coletivo, nossa força vem da unidade e do conjunto de pessoas totalmente diversas e ao mesmo tempo tão iguais. Em uma candidatura coletiva, não será diferente, vai ser a diversidade da periferia sendo representada por várias mulheres. Digamos que esteja sendo debatido em plenário o tema da saúde, enquanto mandato coletivo poderemos avaliar de forma coletiva e a partir do olhar de várias regiões da cidade como está a estrutura dos postos de saúde e hospitais municipais.

Débora: O desafio inicialmente será as pessoas entenderem que é possível um mandato neste formato, pois são quase inexistentes. Atualmente, o que existem são mandatos individuais, que, em grande maioria, não representam o interesse do povo, mas de poucos. Vamos representar o interesse dessa maioria não representada.


Se eleita, o que esperar de uma candidatura de esquerda em um contexto em que partidos de direita dominam as esferas públicas municipal, estadual e federal? Como dialogar?

Jussara: Significa a resistência. O que acontece hoje nas periferias de São Paulo é alarmante, exemplos como o massacre em Paraisópolis [no início de dezembro], que matou nove jovens negros, o aumento no número de feminicídio -o Capão Redondo, por exemplo, lidera o ranking de violência contra a mulher, a perseguição aos camelôs nas ruas de São Paulo. Temos que estar lá dentro também para denunciar essas atrocidades.

Débora: Então a importância desta candidatura coletiva de mulheres sem teto e negras da periferia é que nós também sentimos na pele as necessidades do cotidiano.

Caso sejam eleitas, como vai funcionar o mandato e qual será o papel do MTST nele?

Jussara: A gente sabe que institucionalmente será difícil, mas o formato de atuação de um mandato coletivo é construir coletivamente projetos que atendam à demanda que vem da população. Já fazemos isso no MTST e, deste modo, trazer os problemas das regiões de São Paulo para dentro da Câmara de Vereadores será apenas mais um mecanismo de luta. A mobilização popular com certeza será um dos mecanismos mais importantes dentro desse mandato coletivo.

Débora: Não será tão diferente do que já fazemos. Nós temos, por exemplo, a organização das ocupações e das iniciativas do Bairro Sem Medo, discutindo as necessidades do bairro e indo em manifestação reivindicar para o poder público. Temos atuações com movimentos de negritude, com as mulheres e as pautas sempre chegam. O caso no Paraisópolis não é isolado, e o que está na mídia é só um pouco do que de fato acontece no cotidiano do povo trabalhador da periferia. O objetivo de um mandato coletivo será junto com o povo levar para o espaço da institucionalidade os problemas da periferia e propor alternativas.

Vocês se espelham no mandato coletivo da Juntas, na Assembleia Legislativa de Pernambuco, que também conta com uma militante do MTST?

Jussara: Sim. A Jô Cavalcanti é camelô e, como nós, sem teto. Eleitas ou não eleitas, ela é e será nossa inspiração daqui pra frente.

Débora: O fato de a Jô ter sido eleita mostrou um norte. Mostrou que é possível ter mulher negra, de periferia, trabalhadora nesses espaços. Mas a campanha do [Guilherme] Boulos no ano passado [à Presidência] também nos inspirou.

Não há uma lei que garanta que um mandato coletivo funcione na Câmara Municipal de São Paulo, e em nenhum parlamento do país. Quem vota e fala em plenário é só quem foi registrado no TSE. Como vocês pretendem lidar com essa contradição e como garantir que o mandato permaneça coletivo?

Débora: A forma que o MTST se organiza e toma decisões é coletiva, e em momentos diversos há representantes que vão falar e fazer o que foi decidido. A forma como fazemos as negociações para garantir a moradia durante uma ocupação é exemplo disso, nós nos reunimos em assembleias e reuniões de coordenação para decidir qual caminho vamos seguir e um ou alguns representantes apresentam na reunião com o poder público. Então, para nós, não vai ter surpresa nenhuma. As decisões serão tomadas coletivamente e apresentadas por meio de um porta-voz.