Topo

Trans ameaça dar nomes de ex-casos héteros que votam em Bolsonaro

Lara Pertille se posiciona contra transfóbicos nas redes sociais - Reprodução/Facebook
Lara Pertille se posiciona contra transfóbicos nas redes sociais Imagem: Reprodução/Facebook

Amanda Serra

Da Universa

14/09/2018 04h00

A comerciante transexual, Lara Pertille, 32, de Paulínia, no interior de São Paulo, ficou indignada ao ver que um ex fez um post no Facebook defendendo o voto em Jair Bolsonaro (PSL) -- "é incoerente sair com trans e defender um candidato que prevê o extermínio da minha classe" -- e resolveu comentar a postagem com a seguinte frase: 'Oi, vamos relembrar nosso passado?’.

Após ter seu comentário deletado por ele, Lara fez uma outra postagem falando sobre hipocrisia e logo em seguida gravou um vídeo que viralizou nas redes -- o cantor Tico Santo Cruz, inclusive, compartilhou em sua página citando outros perfis que também intitula como hipócritas. No material, ela diz que irá expor o nome de cada homem com quem já ficou caso veja publicações deles em prol do candidato do PSL e continue sendo ameaçada ou desrespeitada. Governantes do interior estão na lista da comerciante, que é filha do ex-vereador Amauri  Pértile (DEM). "Podem votar na ‘pqp’, mas assume que é machista e pare de sair com trans. Incoerência não dá", ela diz. 

“Já saí com alguns políticos, inclusive casados, e esses foram os primeiros a me excluírem [da rede social]. Se eu vir postagem incoerente e ofensiva, vou comentar, sim”, avisa ela, em entrevista à Universa. "Dá para completar quase duas mãos", diz sobre a quantidade de homens públicos com os quais já se relacionou. 

Veja também

“Vivemos em um país democrático e respeito a justiça eleitoral. Mas caso sofra com chacotas ou ameaças -- como tem acontecido -- não tenha dúvidas, irei expor nome por nome”, diz ela, que costuma gravar seus encontros. "Adoro me filmar, é um fetiche que tenho, e as pessoas com quem saio participam disso. E eles sabem que estão sendo filmados porque peço autorização. Não faço nada escondido. Tenho como comprovar tudo, minhas palavras não são ao vento”, garante. 

Desde a publicação do vídeo na última semana, Lara vem recebendo mensagens perguntando se "ela não tem medo de acordar com a boca cheia de formiga"; "ou morrer na Augusta [referência a rua em São Paulo conhecida por reunir diversos travestis e transexuais]". Ela é direta na resposta: “Tenho medo de morrer todos os dias, mas não pelo vídeo, e sim, por conta da transfobia.”

“Somos os que mais matamos travestis (a taxa de homicídios de pessoas transexuais em 2017 foi a maior registrada nos últimos dez anos, de acordo com dados do Mapa dos Assassinatos de Travestis e Transexuais, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), mas ao mesmo tempo os que mais consomem pornografia trans."

"Os corpos dos transexuais e dos travestis causam fetiche no subconsciente dos homens por conta da objetificação. Mas isso acontece por conta da nossa sociedade heteronormativa que dita com quem o homem dever casar. Aí, surge a curiosidade de 'entender' como funciona esse corpo. É o fetiche da dominação deste corpo e de ser dominado por ele também”, afirma ela, que é uma das organizadoras da Parada do Orgulho LGBT de Campinas e diz que até já escreveu um livro não-publicado de poesias.

Em quem votar

"O fato é que não existe salvador da pátria, mas não dá para perder direito adquirido. Tenho que escolher o menos pior”, diz ela, que não se vê representada por nenhum candidato. “Ninguém está levantado bandeira ao meu favor. A travesti continua sendo marginalizada. Quero um ministro que defenda igualdade de gênero, mulheres trans, especialmente as trans negras, que são as que mais sofrem. ”

Lara defende que as políticas públicas visem o acesso ao mercado de trabalho, à educação com respeito ao nome social, o direito a usar o banheiro referente ao gênero que a pessoa se identifica. “Quero que minha classe tenha visibilidade e saia da marginalidade. Ninguém dá protagonismo para gente. Não dá para gay branco ficar ditando regra para travesti. Deixa a mana trans ou travesti falar por ela. Cada um sabe da sua dor. As opressões são diferentes”, afirma. 

“Sempre fui entravecada”

Filha de uma professora, Lara cresceu no interior e é a caçula de três irmãs. Autointitulada “politizada”, ela estudou jornalismo – mas nunca conseguiu emprego na área -- e desde então milita em prol dos direitos de sua classe.

Sou uma pessoa privilegiada e sei disso. Sou branca, tive acesso à educação, tenho emprego formal, transito livremente socialmente, ou seja, privilégios que as minhas manas trans não têm, e por isso uso meu corpo como uma forma de dar voz a outras pessoas”, afirma ela, que garante nunca ter recorrido a prostituição por dinheiro. “Nunca precisei me prostituir, mas não teria problema em fazer, não é um tabu. 90% das trans e travestis são obrigadas a se prostituírem por conta da falta de oportunidades.”

Ao contrário da maioria dos trans e travestis, a jornalista sempre teve o apoio da mãe. O pai demorou para aceitá-la, mas atualmente conversam normalmente apesar de não serem próximos. Já as duas irmãs mais velhas excluíram a caçula por não concordarem com sua identidade de gênero.

“Minha mãe sempre foi à frente do tempo dela e tentou me blindar do preconceito como pode. Uma vez, a diretora da escola a chamou para falar sobre o bullying que sofria por conta do ‘problema’ que tinha e seria bom me levar ao psicólogo. Na hora, ela respondeu apenas que eu era diferente dos outros garotos e que cabia a ela me proporcionar a melhor educação. Ela sempre soube quem eu era e o que seria. Fui uma criança entravecada”, diz ela, que explica se reconhecer como transexual mesmo se intitulando como travesti. “Me denomino como travesti para tirar a visão suja que as pessoas têm com a palavra.”