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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Não é fácil ser a outra', diz Rita Wainer, que vive amante de D. Pedro

Rita Wainer vive Domitila de Castro, conhecida na história do Brasil como a amante de D. Pedro, no filme "A Viagem de Pedro" - Divulgação
Rita Wainer vive Domitila de Castro, conhecida na história do Brasil como a amante de D. Pedro, no filme "A Viagem de Pedro" Imagem: Divulgação

Colunista de Universa

14/09/2022 04h00

"Não é fácil ser a outra, a amante. Mas também não é fácil ser esposa. Na verdade, não é fácil ser mulher". Quem constata isso é a artista plástica Rita Wainer. E a amante em questão é Domitila de Castro, a Marquesa de Santos, conhecida na história do Brasil como a amante de D. Pedro. Essa é a primeira "destruidora de lares" da história do Brasil. E há séculos é xingada e profanada pela história.

Rita Wainer conhece bem Domitila e a defende com paixão. Motivo: ela se apegou à personagem desde que começou a estudar sua história para interpretá-la no cinema. Rita não é atriz. Nem pretende mudar de profissão — ela é muito feliz como artista plástica. Mas, há cinco anos, recebeu um recado de que "alguém do audiovisual" queria falar com ela. "De cara pensei, pronto, vão me pedir para fazer algo absurdo e de graça". Surpresa: tratava-se de um convite da diretora Laís Bodanzky para que Rita interpretasse Domitilia no filme "A viagem de Pedro", que conta a história de um D. Pedro (Cauã Reymond) em crise voltando para Portugal, onde entraria em guerra contra seu irmão.

O filme mostra uma viagem intimista, onde um imperador com problemas de ereção relembra cenas da sua vida, entre elas, seu grande amor por Domitila. Rita topou e se jogou. Assim como faz com os seus trabalhos.

Rita é famosa, entre outras coisas, por fazer grandes murais, que são pinturas enormes em prédios e que podem ser vistas, por exemplo, na Avenida Consolação, em São Paulo, e no Cais do Porto, no Rio de Janeiro. Nas pinturas, há sempre uma mulher de cabelos longos, melancólica. Essa mulher é um autoretrato da própria artista. E foi essa personagem que ela levou para o set de filmagem.

"Não sou atriz e sei que essa é uma profissão seríssima, que tem que estudar muito. Mas pensei que se fosse a minha personagem eu poderia conseguir. A Laís topou e me deu muita liberdade. No filme, Domitila aparece com a maquiagem borrada e às vezes parece de verdade com uma pintura de Rita. eia trechos da entrevista abaixo

UNIVERSA Para interpretar a Domitila, você deve ter estudado a vida dela. O que encontrou?

Rita Wainer vive Domitila de Castro, conhecida na história do Brasil como a amante de D. Pedro, no filme 'A Viagem de Pedro' - Divulgação - Divulgação
Rita Wainer vive Domitila de Castro, conhecida na história do Brasil como a amante de D. Pedro, no filme 'A Viagem de Pedro'
Imagem: Divulgação


RITA WAINER Acho que ela foi uma visionária, uma feminista. Ela conseguiu, dentro do que ela podia, trilhar o caminho dela. Eu vi uma matéria no "Fantástico" falando que ela inventou a corrupção no Brasil, porque fazia negociatas em troca de champanhe. Vê se pode, ela que inventou a corrupção! O que não pode, né, a gente sabe, é nascer mulher. Defendi ela com amor, como uma mulher que fez muito para a gente, que ajudou a gente a conseguir o pouquinho que a gente tem hoje e não como uma puta, uma destruidora de lares.

A Domitila talvez tenha sido a primeira mulher a ser detonada por ser amante na história do Brasil, não?
Ela é atacada até hoje. Até hoje tem gente que xinga a Domitila de puta. Vamos parar com essa hipocrisia, de que amante é puta, é maldita. É difícil ser amante. Assim como é difícil ser esposa. Imagina você ter que assinar que vai ser fiel a alguém pelo resto da vida?

O filme mostra que casamento já não dava certo desde aquela época. E sendo que naquela época não existiam leis, os homens podiam fazer o que quisessem. Se bem que muitos ainda fazem e muitas mulheres não têm para onde correr. Eu sei que eu sou muito privilegiada.

Você não é atriz. Não ficou com síndrome de impostora, achando que não ia conseguir, quando foi chamada para esse trabalho?
Faz cinco anos que a gente filmou. Então, devo ter ficado assustada, completamente noiada, mas são coisas que não existem mais, não lembro. É aquela coisa, depois que você sobe a montanha, você vê que não é tão difícil. Mas assim, se me chamassem para ser a dona de um bar na novela, acho que eu não conseguiria. Acho que essa é a única personagem que eu podia fazer.

Me deu vontade de fazer a personagem que eu pinto desde que eu nasci ganhar um corpo, poder se mover. A Lais [Bodanzky, diretora do filme] me deixou criar com ela quem seria essa Domitila. E eu foquei muito no amor, que apesar de tudo, era o que existia.

Ela era apaixonada por ele, gente. Pela personalidade dela, acho que ela não precisava ter vivido aquela relação. Ela poderia ter casado com alguém poderoso e virar uma tia bem de vida, tanto que depois casou de novo com um poderoso (o brigadeiro Tobias de Aguiar). O imperador não era a única opção dela.

Você passa boa parte do filme nua em cena. Foi libertador para você?

Rita Wainer diz que, como atriz, só se imagia vivendo Domitila de Castro - Divulgação - Divulgação
Rita Wainer diz que, como atriz, só se imagia vivendo Domitila de Castro
Imagem: Divulgação

Sim. E pra mim foi importante também mostrar um corpo real, de uma mulher de 40 anos. Eu estou realmente magra, coisa que nunca fui, porque passei a malhar. Mas tenho um corpo dos anos 70. É padrão, mas não tem silicone, essas coisas.

Ficar pelada em um set, com todo mundo me tratando super bem, foi muito mais fácil do que pintar um mural de mil metros.

A Laís disse que estava procurando uma beleza única, que não é a beleza padrão, que todo mundo tem, que não tem procedimento. Que você pode achar bonito ou não. Agora que estou assistindo "Fera Radical" vejo que meu corpo era o padrão daquela época também (anos 80).

Você vê conexão entre seus dois trabalhos?
Esses dois trabalhos são mergulhos. Quando pinto um mural, fico lá pendurada a cinquenta metros, tenho que assinar um termo de que corro risco de vida. Tenho que me concentrar. É um mergulho, um desafio. Minha maior pintura tem mil e quinhentos metros quadrados. O aparelho não é adaptado para mulheres, claro. Tenho que malhar, saio acabada. Fazer o filme foi um desafio como foi pintar um prédio de mil e quinhentos metros quadrados. Esse stress eu já conheço. Encarei como mudar de plataforma.

Como foi contracenar, inclusive em cenas de sexo, com o Cauã Reymond?
O Cauã foi uma surpresa. A gente não se conhecia. Ele tinha uma imagem de que eu era uma artista, feminista, que ia encher o saco. Mas a gente se encontrou, primeiro sozinhos, ficamos alguns minutos meio assim, mas eu tenho cinco irmãos, né? Eu viro brother.

E ele foi muito cuidadoso. A gente filmou muito, muito. Tem uma cena em que estamos andando a cavalo e só aparece meus cabelos. Ficamos três horas andando em um pangaré, o cavalo pisou três vezes no meu pé. O Cauã que disse, "gente, tem que parar, senão a Rita vai morrer". Eu não sabia que podia parar, né, por mim eu ia. Mas eu e o Cauã tivemos um match incrível de brodagem.

Agora que o filme saiu você cortou o cabelo e pintou de loira. É para se distanciar da personagem?
Acho que completei um ciclo daquela personagem. Eu me confundia muito com ela. Falando da minha arte, acho que precisava dela para falar o que queria. Agora, cortei o cabelo, fiquei seis anos sem cortar. Mas continuo pintando a mulher de cabelo comprido, mas acho que ela virou minha guardiã, parceira.

No momento, o José Eduardo Belmonte está fazendo um filme sobre o seu trabalho. Como está esse projeto? Está em andamento. Só vi o primeiro teaser. A gente continuou sem roteiro, sem nada. Ele começou a fazer registros meus fazendo mural e acabou sendo sobre o processo também. Mas é um filme dele. A visão dele. O que eu vejo é uma mulher perdendo o medo.

Como meu trabalho é muito físico, acho que isso fica claro quando mudo de pintar coisas pequenas [Rita pintava porcelanas] até pintar o grande. A gente vai perdendo o medo com o tempo. Acho que isso se aplica a todas as mulheres. A gente vai se aceitando e perdendo o medo.