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Cidades do amanhã

Lugares do Brasil que já estão criando as inovações que vão mexer com o mundo no futuro


Cidadezinha mineira coloca Brasil no mapa da criação do trilionário 6G

Marcelo Ferraz*

Colunista de Tilt e do UOL, em Santa Rita do Sapucaí (MG)

27/05/2024 10h00

Uma cidadezinha do interior de Minas Gerais, que não chega a 41 mil habitantes, é a criadora da proposta brasileira para uma tecnologia que vai gerar, segundo estimativas do mercado, quase R$ 17 trilhões em crescimento econômico mundial em 2030.

Enquanto o 5G ainda engatinha no Brasil, Santa Rita do Sapucaí (MG) já está gestando o que virá a ser o 6G. As velocidades poderão atingir 1 terabit por segundo, 19 vezes as taxas atuais. Mas isso será o de menos. Pelo andar das negociações, a sexta geração de internet móvel será a responsável definitiva por integrar os mundos físico e digital.

Será natural, dizem especialistas, convivermos com hologramas hiper-realistas de cenas ou pessoas do outro lado do mundo, cirurgias remotas em que o médico sente pela internet quando toca os órgãos operados e prédios ou cidades inteiras com "gêmeos digitais" para testar virtualmente mudanças antes de verem a luz do dia.

Quando isso acontecer, o pioneirismo não será novidade para o município. São de lá a urna eletrônica usada nas eleições e o transmissor de TV digital.

A cidade respira dois aromas. Um é o da tecnologia: ela possui uma empresa da área a cada 225 moradores. Essas quase 200 companhias produzem 60% do PIB municipal, faturam R$ 3,6 bilhões anuais e empregam 14 mil pessoas.

O coração da inovação é o Inatel (Instituto Nacional de Telecomunicações), lar do primeiro curso de engenharia de telecomunicações do país (1960), que aproveitou os egressos da primeira escola técnica de eletrônica da América Latina (1950).

Santuário de Santa Rita de Cássia, em Santa Rita do Sapucaí (MG) Imagem: Marcello Ferraz/UOL

Outro cheirinho é o do café. Considerada uma das capitais dos grãos especiais, ela é rodeada de plantações. Os caminhos que levaram essa cidade ainda rural (não raro, moradores são acordados por vacas revirando o lixo, e muito engenheiro é filho de dono de alambiques de cachaça) a se tornar um polo de telecomunicação dariam um filme.

Até o começo dos anos 1970, as principais empresas eram uma estamparia, a cooperativa regional agropecuária, uma malharia e uma fábrica de luvas. Essa realidade mudou em 1985.

Vice-prefeito na época, Paulinho Dentista andava incomodado com a debandada de engenheiros, que se formavam na cidade e iam trabalhar nas recém-criadas estatais de telefonia. A gota d'água foi o fechamento da fábrica de luvas e a demissão de 300 pessoas. A solução foi incentivar a criação e atração de empresas de eletrônica para a cidade.

Faltava uma estratégia. Ela veio numa jogada de sorte e marketing: o nascimento do slogan "Vale da Eletrônica", uma alusão ao Vale do Silício, lar das Big Tech norte-americanas.

Marketing porque o criador foi Sérgio Graciotti, diretor da MPM, a maior agência de publicidade do Brasil na época. Sorte porque Paulinho só o conheceu por terem o mesmo hobby: operar um radioamador de ondas curtas.

Uma fabricante de antenas se mudou para lá após seu dono ver um anúncio no jornal. Ao chegar, muitas empresas recebiam da prefeitura terrenos ou galpões para se instalar. A maioria ia atrás da mão de obra qualificada e do título pelo qual Santa Rita do Sapucaí ficou conhecida: naquele ano, vinte novas indústrias se instalaram lá e criaram 500 postos de trabalho.

Chegaram também empresas para desenvolver produtos com o Inatel. Foi o caso da IBM. Juntos, criaram um tocador de vídeo sob demanda antes mesmo de a internet bombar. Quando a multinacional fechou seu laboratório no Brasil em 1998, o instituto ficou sem seu maior parceiro, mas com capacidade técnica e acadêmica para participar dos processos de criação de novas gerações de telefonia.

O ciclo de vida das tecnologias móveis tem em média 10 anos
Agostinho Linhares, pesquisador e vice-presidente da Junta de Regulamentação de Rádio da UIT (União Internacional de Telecomunicações)

Ele ocupou importantes posições na Anatel e no ministério das Comunicações, além de participar de boa parte da elaboração do leilão do 5G.

Para o 4G, o Inatel chegou tarde. O corpo técnico foi formado quando o padrão já estava definido. Para o 5G, já tinha como agir, mas, sem um diagnóstico preciso das carências brasileiras, não pode atuar para atender as necessidades nacionais com a tecnologia. Agora, é diferente.

Como a telefonia móvel de sexta geração ainda está por ser definida, nós estamos contribuindo com a realidade brasileira, com aquilo que é bom para nosso mercado e usuários
Guilherme Marcondes, vice-diretor do Inatel

Antena instalada no Inatel (Instituto Nacional de Telecomunicações) Imagem: Marcello Ferraz/UOL

Para o professor e líder do Centro de Competência em 5G e 6G do Brasil, Luciano Leonel, o objetivo é incluir no padrão do 6G especificações para a internet móvel atender áreas remotas com maior facilidade e menos custo.

O agronegócio e a mineração e exploração de recursos naturais estão nessas regiões e têm impacto enorme na nossa economia. Mas não só. Se você andar 10 km a partir de Santa Rita do Sapucaí, no Vale da Eletrônica, vai encontrar criança que não sabe o que é email, WhatsApp. isso é um aspecto da segregação digital
Luciano Leonel, professor e líder do Centro de Competência em 5G e 6G

Interessa mais emplacar casos de uso. O Inatel já conseguiu três:

  • uso de robôs no campo;
  • envio de imagens em alta resolução em tempo real por drones;
  • controle via sensores de entidades reais e virtuais em áreas de risco.

O protocolo de 6G a viabilizar essas aplicações pode ser qualquer um, defende Leonel. No entanto, o instituto guarda na manga um novo protocolo que multiplica a cobertura de sinal de celular por 10 e poderia ser incluído numa revisão do padrão 5G ou no futuro 6G.

Hoje em dia, dependendo da tecnologia, antenas de celular cobrem um raio que varia de 5 km a 15 km. Com a nova modalidade, o sinal poderia ser captado a uma distância de 50 km a 150 km da estação radiobase. Isso com velocidade alta, de 100 megabit por segundo.

A decisão em torno da definição de padrões de telecomunicações é difícil e demora anos. Ela é feita em conjunto pela UIT, órgão ligado à ONU que aprova os requisitos básicos para cada geração de internet móvel e aprova a adição de novos recursos, e por uma organização chamada 3GPP. Formado por empresas, institutos de pesquisa e governos, este grupo debate e elege quais aspectos técnicos remeter à UIT. Só passa o que for unânime. É nesse âmbito que o Inatel atua.

O trabalho de influenciar um processo de padronização não é individual. O Inatel não tem força pra fazer isso sozinho. A gente tem que agregar um conjunto de instituições que possam aumentar a importância daquela solução
Luciano Leonel

Entre os parceiros, estão as universidades de Oulu —a finlandesa é uma das referências mundiais em telecomunicação— e de Dresden, na Alemanha.

A discrepância de forças, porém, é enorme. Por abrigar o Centro de Competência em 5G e 6G, uma iniciativa da Embrapii e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o Inatel recebeu R$ 60 milhões em verbas federais. A Coreia do Sul destinou R$ 2,5 bilhões para ter o melhor 6G. Estudos indicam que a China já possui 40% das patentes de tecnologias a fazerem parte do 6G. O Japão reservou sozinho R$ 2,9 bilhões para financiar pesquisas na área e fechou parceria com os EUA no valor de R$ 23 bilhões.

O trabalho é duro. Há um protecionismo de conhecimento. Empresas que votam defendem a sua propriedade intelectual. Precisamos fazer uma série de argumentações. A gente está dizendo ao mundo quais problemas precisamos resolver. Não é possível que o 6G ainda permita segregação digital
Luciano Leonel

*colaborou Carlos Romero

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