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Haarp: o terremoto no Irã pode ter sido causado por uma arma secreta?

Irã é um país que registra um número grande de terremotos por ano Imagem: Arash Khamooshi/The New York Times

Rodrigo Lara

Colaboração para Tilt

10/01/2020 04h00

Sem tempo, irmão

  • Teorias associam terremoto e acidente aéreo no Irã a suposto ataque norte-americano
  • Conspiração envolve o Haarp, projeto da Universidade do Alasca que estuda ionosfera
  • Segundo teoria, estrutura seria usada pelos EUA para controlar clima e causar eventos
  • Mas Irã é região que costuma agregar tremores, e não há relação disso com atmosfera

Em meio às tensões entre Estados Unidos e Irã, um terremoto de magnitude 4,9 foi registrado no sudoeste do Irã por volta das 23h20 (horário de Brasília) na última terça-feira (7). Se o evento sísmico, por si só, já seria capaz de alimentar teorias da conspiração, ele aconteceu cercado de coincidências.

Horas antes, o Irã havia atacado bases norte-americanas no Iraque e, cerca de 20 minutos após o terremoto, um avião da Ukraine International Airlines caiu nos arredores do aeroporto de Teerã. Não demorou para surgirem teorias da conspiração associando o terremoto e o acidente aéreo a um suposto ataque norte-americano, que teria utilizado uma hipotética arma secreta chamada Haarp (que acabou até virando hashtag no Twitter).

Ao menos no caso da queda do avião, ainda não se sabe o que causou o acidente, mas ele pode ter sido derrubado por um míssil. Já sobre o terremoto, fica a dúvida: é possível causar um terremoto de grandes proporções de maneira intencional? E o que seria o tal Haarp?

Antes de mais nada, é preciso deixar claro que, só em 2020, o Irã registrou mais de um terremoto por dia. Segundo o Centro Sismológico Euro-Mediterrânico, desde o dia 1º de janeiro já foram registrados 18 terremotos no país —e nenhum deles tem a ver com o uso de armas secretas.

As "fronteiras" entre placas tectônicas costumam ser regiões de grande instabilidade, e o Irã fica próximo da zona de atrito entre a placa da Arábia e a da Eurásia (que engloba boa parte do território da Europa e da Ásia).

"Essa região é bastante ativa. Não tanto como outros lugares, como o Chile, mas há placas tectônicas que interagem na região e geram essa sismicidade", explica Marcelo Bianchi, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). "O que é preciso deixar claro é que terremotos acontecem ao redor do mundo o tempo todo, em diferentes intensidades e frequências. No Brasil, um terremoto de magnitude 5 acontece a cada cinco anos, mais ou menos, mas no Chile é comum ter um ou dois por mês."

Haarp, projeto instalado no Alasca para estudar a ionosfera Imagem: Divulgação/Força aérea dos EUA

É possível provocar um terremoto?

A resposta é não. Terremotos são bem diferentes de tremores provocados por explosões (como as que ocorrem em pedreiras, por exemplo) —seria algo como bater a mão sobre uma mesa versus arrastar essa mesma mesa. "É uma questão de escala. Terremotos são eventos de grande proporção, movimentações de grandes blocos de terra em decorrência de esforços tectônicos", diz Bianchi.

É neste ponto que o Haarp entraria na história.

Mesmo se fosse possível movimentar intencionalmente uma grande quantidade de terra, isso não aconteceria ao usar um dispositivo capaz de emitir ondas eletromagnéticas, tampouco partiria da atmosfera — que é o que diz a teoria da conspiração envolvendo o Haarp.

Sigla para High-Frequency Active Auroral Research Program (Programa de Investigação de Aurora Ativa de Alta Frequência, em tradução livre), estamos falando de um projeto da Universidade do Alasca em parceria com a Força Aérea e a Marinha dos EUA. Desde 1993, eles usam 180 antenas duplas de alta frequência no Alasca para emitir ondas eletromagnéticas em direção à ionosfera (camada da atmosfera que vai de 70 km a partir da superfície da Terra até uma altitude de 600 km).

"Eu não vejo como algo que atua na ionosfera poderia ter qualquer relação com terremotos", comenta Bianchi. A própria ideia de manipular a ionosfera para criar uma "arma geofísica" soa absurda para o especialista.

"Nunca ouvi falar de qualquer forma de manipular a ionosfera para usá-la como arma. Tudo que há de conhecimento em relação a ela tem a ver com suas propriedades de reflexão de sinais, não como forma de causar qualquer tipo de dano", acrescenta Roberto Bertoldo Menezes, professor do curso de Engenharia do Instituto Mauá de Tecnologia.

Até por ser difícil explicar o que é feito ali, o projeto vira e mexe é apontado como uma instalação dos EUA para controlar o clima ou provocar catástrofes das mais diversas.

Em 1999, o Parlamento Europeu abordou o tema. Em 2002, foi a vez do Parlamento Russo apresentar ao então presidente Vladmir Putin um comunicado acusando os EUA de criar "novas armas geofísicas" que, ao menos em tese, poderiam influenciar a baixa atmosfera terrestre. Em 2010, houve quem dissesse que o terremoto do Haiti tinha sido provocado ali.

Que experimento é feito ali?

A função do Haarp é parecida com a de alguns satélites: "estudar as propriedades e o comportamento da ionosfera", segundo explicação da Universidade do Alasca. Para isso, os pesquisadores provocam o "aquecimento ionosférico" usando ondas eletromagnéticas.

"O que acontece de especial nessa camada é que a radiação solar 'arranca' elétrons dos átomos dos gases que compõem a atmosfera. Com isso, esses elétrons ficam vagando, e os átomos que os perdeu acabam virando os chamados íons. Esse é o processo de ionização", explica Menezes.

Por ser uma área repleta de íons e elétrons, a ionosfera influencia bastante a transmissão de ondas eletromagnéticas de baixa frequência, de até cerca de 35 MHz, como as de rádio.

"Então se você emite uma onda do tipo em direção ao espaço, ela acaba voltando em direção à Terra, como se encontrasse um espelho", diz Menezes.

Ondas como as de TV costumam atravessar a ionosfera sem problemas, mas variações provocadas na ionosfera, como aumento de elétrons livres, podem causar interferências também nesses sinais de alta frequência.

Então, o experimento serve para estudar essas variações, que são causadas naturalmente por ciclos solares, e calcular seus impactos na área de telecomunicação.

Vale dizer ainda que os militares norte-americanos transferiram a operação da estrutura totalmente para a Universidade do Alasca, em 2015. Nos anos seguintes, as instalações do Haarp receberam eventos abertos ao público. Isso só não ocorreu no ano passado, porque o local está em reforma. De acordo com a Universidade do Alasca, a ideia é retomar as visitas a partir deste ano.

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