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Diarista ou doméstica? Ela provou vínculo na justiça com GPS do celular

Imagem: Tonktiti/Getty Images/iStockphoto

De Tilt, em São Paulo

25/04/2024 04h00

Uma empregada doméstica processou seus antigos patrões para que pagassem seus direitos trabalhistas de quase quatro anos sem carteira assinada. Não havia anotação ou forma de provar isso. Então, o juiz recorreu ao uso de geolocalização do celular da funcionária para verificar se fazia sentido a reclamação. A empregada ganhou na primeira instância —ainda cabe recurso.

Como o vínculo foi provado?

Uma mulher de Passo Fundo (a cerca de 230 km de Porto Alegre) trabalhou de 2019 a 2023 na residência de um casal. Segundo ela, o trabalho era de segunda a sexta, das 8 horas até o horário do almoço (por volta das 13h). Ela limpava a casa e preparava a comida todos os dias, disse a advogada Taise Smaniotto, que a defende.

Os patrões negaram o "vínculo de emprego", alegando que a mulher "prestou serviços apenas como diarista e sem uma rotina fixa de trabalho". Segundo o processo, os contratantes alegaram que a rotina dela era de uma ou, no máximo, duas vezes por semana. A lei diz que a prestação de serviço de trabalho doméstico por até dois dias semanais não caracteriza vínculo de emprego. A jornada por três dias ou mais na semana já caracteriza vínculo.

O juiz solicitou informações de localização do celular da mulher, depois de uma audiência entre as partes em que não foram apresentadas provas, segundo a defesa da doméstica.

A fim de aferir a frequência do comparecimento da reclamante ao local de trabalho para a prestação dos serviços objeto da contenda, determinei em audiência a extração dos seus dados de geolocalização do aparelho de telefone celular de uso pessoal, que ficam armazenados em sua conta Google
Marcelo Caon Pereira, juiz do TRT4 (Tribunal Regional do Trabalho de Passo Fundo)

Ao extrair os dados do celular, a empregada mostrou que estava em um raio de 20 metros da casa dos patrões nos dias de semana entre abril de 2019 e fevereiro de 2023. A decisão diz que a "a geolocalização do Google é feita por aproximação, especialmente quando o usuário não permite a utilização de dados móveis" e que a "margem de aproximação está de acordo com o desvio padrão do sistema".

A causa foi ganha em 1ª instância pela autora da ação, em decisão proferida no fim de janeiro deste ano. O juiz calculou indenização de R$ 40 mil, com pagamento dos direitos devidos, como FGTS e férias. Os patrões entraram com recurso, pois, segundo eles, o histórico do Google não mostra a localização exata da casa, mas aproximada, dando uma diferença de cerca de 20 metros do endereço correto.

Como é a extração de geolocalização do celular?

Para ver a geolocalização, é necessário ter o histórico de localização do Google ativado. Isso pode ser verificado acessando o Controle de Atividades da conta do Google neste link (é necessário estar com a conta logada): https://myaccount.google.com/activitycontrols/location. Acessando este link é possível ativar/desativar ou apagar o histórico de localização. Neste processo, após a solicitação do juiz, a advogada se logou com a cliente e exportou os dados.

Esse processo é feito acessando o Google Takeout, uma ferramenta da empresa que permite exportar as informações que ela guarda de você (no caso, desmarcando todas as opções e deixando apenas o Histórico de Localização selecionado).

Um arquivo compactado (no formato. zip) é gerado e, posteriormente, enviado para o tribunal. Lá, este arquivo é submetido ao Veritas, um programa criado pelo TRT12, de Santa Catarina, que estrutura os dados e é uma forma aceita pela justiça de comprovar a validade de provas digitais.

Ele, basicamente, lê o arquivo gerado pelo Google e organiza as informações, mostrando a localização da pessoa em determinado período, por exemplo. Se você fizer o processo de exportação de dados do Google e tentar abrir os arquivos separadamente, vai visualizar apenas uma série de textos e linhas de código.

É comum usar geolocalização?

Provas digitais estão cada vez mais sendo usadas pela Justiça do Trabalho. No caso da geolocalização, boa parte dos casos é recente.

A empregada conseguiu provar seu vínculo empregatício, mas há pelo menos outros dois casos em que a situação foi contrária: empregadores conseguiram negar vínculo de emprego por meio de informações de geolocalização. Numa delas, um homem disse que trabalhava para uma empresa. Após ouvir as testemunhas, a companhia pediu em juízo informações sobre a ferramenta "linha do tempo" do Google Maps, que mostra o histórico de localização da pessoa. Ao analisar as informações e indo até o local indicado no celular do trabalhador, foi possível constatar que o homem estava mentindo.

Usar a geolocalização como prova é considerado controverso, pois se por um lado você consegue provar que esteve em um local, por outro pode se comprometer e criar provas contra si. No caso de uso indevido desse tipo de prova, pode ferir o direito à intimidade e à privacidade da pessoa.

A geolocalização tem sido usada especialmente em "pedidos de reconhecimento de vínculo empregatício e de horas extras", explica a advogada Antonielle Freitas, especialista em direito digital do escritório Viseu Advogados.

Essa prova digital pode auxiliar na comprovação da periodicidade do trabalho, se os reclamantes estavam nas dependências dos empregadores nos horários mencionados nas ações trabalhistas, o que pode ser crucial para reconhecer ou contabilizar horas extras pleiteadas de forma contundente, proporcionando decisões mais claras.
Antonielle Freitas, especialista em direito digital do escritório Viseu Advogados

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