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Por que a Anatel quer gastar R$ 15 milhões para medir a internet no Brasil?

Medição da qualidade da banda larga fixa e móvel está em jogo no Brasil - Estúdio Rebimboca/UOL
Medição da qualidade da banda larga fixa e móvel está em jogo no Brasil Imagem: Estúdio Rebimboca/UOL

Helton Simões Gomes

De Tilt, em São Paulo

21/12/2019 04h00

Sem tempo, irmão

  • Anatel que contratar teste milionário de qualidade de banda larga fixa e móvel
  • Hoje, cabe às operadoras executar tarefa e passar dados à agência
  • Elas gastam R$ 2 mi anuais, enquanto o serviço a ser contratado sairá a R$ 15 mi
  • Fontes da Anatel defendem plataforma; teles se preocupam e chamam de 'caixa-preta'

A Anatel (Agência Nacional das Telecomunicações) quer contratar um serviço para testar a qualidade da internet fixa e móvel no Brasil, o que deixou as empresas de telecomunicação preocupadas. Atualmente, são elas que executam essa função e fornecem os resultados para a entidade, que usa os dados para decidir se deve punir as teles em caso de infração.

A proposta é um dos primeiros passos para tirar do papel o novo Regimento de Qualidade, recentemente aprovado. Ele classificará a atuação das companhias em categorias "A", "B", "C", "D" e "E" e permitirá que clientes cancelem contratos sem multa caso a qualidade dos serviços caia. Mas, a ideia da ferramenta de medição emperrou no Conselho Diretor, que dá a palavra final.

A votação dos quatro conselheiros não chegou a um consenso. O presidente da Anatel, Leonardo Euler de Morais, e Emmanoel Campelo votaram a favor, enquanto Vicente Aquino e Moisés Queiroz Moreira aprovaram parcialmente a ideia. A decisão ficará a cargo de quem ocupar a vaga deixada por Aníbal Diniz, aliado de Aquino e Moreira.

É muito provável que o mecanismo seja de fato contratado pela Anatel, já que o indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para assumir o cargo de conselheiro é Carlos Baigorri. Servidor de carreira, ele é o superintendente de controle de obrigações da Anatel e trabalhou na elaboração e aprovação do projeto. Sua sabatina no Senado ficou para fevereiro de 2020.

Como vai funcionar?

A Anatel diz que a plataforma a ser contratada deve fazer medições seguindo três critérios:

  • "Drive-test": usar equipamentos instalados em veículos que circulam pelas cidades para medir o nível do sinal e a cobertura na rua;
  • "Crowdsourcing": as coletas devem ser feitas de modo coletivo e automático, no momento em que os usuários estiverem usando aplicações corriqueiras, com o WhatsApp ou o YouTube;
  • "Benchmarking internacional": as mensurações devem adotar um formato que possa ser comparado com os dados de outros países.

Profissionais da área técnica da Anatel ouvidos por Tilt defendem a futura ferramenta. Hoje, as mensurações são feitas pela EAQ (Entidade Aferidora de Qualidade), custeada pelas teles por exigência desde 2011.

Enquanto a futura plataforma é capaz de fazer bilhões de medições, calcula o nível da banda larga em cada rua e tudo isso sem precisar de ajuda do consumidor (via parcerias com aplicativos), a EAQ compila medições feitas pelos próprios usuários, reúne apenas milhares de registros e a qualidade é classificada por estado.

O método da EAQ coleta informações como velocidade de download e upload, latência e perda de sinal. A ferramenta a ser contratada também faz isso, mas pode medir também até a qualidade de chamadas de voz sobre IP, como as realizadas pelo WhatsApp, ou o tempo de carregamento de vídeos em plataformas como o YouTube.

A ideia é que os sistemas coexistam durante um certo tempo, mas que, entre 2020 e 2021, a plataforma da Anatel substitua o das teles. Também está previsto uma forma de exibir os resultados aos consumidores, seja por meio de aplicativo ou site.

O presidente da Anatel afirmou a Tilt que esta é uma forma de dar ao consumidor maior poder de decisão.

Os meus amigos sempre me perguntam qual é a melhor operadora. Mas eles são leigos. Não dá para explicar todas as variáveis, da quantidade de ERBs [estações radio-base] à capacidade espectral. Nosso desafio é traduzir melhor essas informações para o consumidor e deixar isso na mão dele. A gente empodera o consumidor quando dá informação para ele
Leonardo Euler de Morais

Para a área técnica da agência, a Anatel está também corrigindo um erro de percurso. "Quando obrigou as empresas a fazerem a medição, a Anatel foi muito criticada. 'Pô, como você vai obrigar o cara a se medir? A probabilidade de ele te enganar é muito grande. É como pedir para um aluno dar nota para ele mesmo'. Agora, a gente está tentando sair dessa situação", afirmou um servidor que não quis se identificar.

Nem tudo são flores

Mas o novo projeto também levantou polêmicas. Tilt apurou que, no início de sua construção, representantes das teles procuraram técnicos da Anatel para reclamar que o sistema seria uma "caixa-preta".

O preço é algo que incomodou alguns conselheiros. A agência estipulou em R$ 14,9 milhões o valor de referência para a licitação por um período de 24 meses. Em comparação, as operadoras gastam R$ 2 milhões anualmente. A maior parte desse dinheiro (60% do valor final do contrato) custearia os "drive-tests", algo que a EAQ não faz.

Moisés Moreira e Vicente Aquino votaram favoravelmente ao crowdsource, mas negativamente em relação ao drive-test e benchmark internacional. Eles consideraram excessivos o valor de R$ 90 mil por município para carros rodarem pelas ruas averiguando a qualidade do sinal de internet.

"Isso é bom para o consumidor. Eu sou fã de austeridade, mas a Anatel recolhe entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões apenas em taxa de fiscalização. Será que é muito falar em R$ 15 milhões para empoderar o consumidor?", defende Morais.

Outro ponto espinhoso é de que a licitação estaria favorecendo uma empresa específica. Dentre as 14 empresas sondadas pela agência, só a consultoria alemã Umlaut (ex-P3) seria capaz de oferecer a solução completa. Para afastar a suspeita, a Anatel incluiu a possibilidade de consórcios serem criados. Assim, empresas que fornecem partes diferentes da aplicação poderiam se juntar.

A associação que representa as teles informou que "as empresas irão aguardar a decisão da Anatel para se manifestarem, mas reiteramos a necessidade de evolução constante no modelo, com ganhos de produtividade e eficiência".

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