Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Modelo de acesso gratuito a artigo científico eleva desigualdade na ciência
![Imagem de 12 de março de 2012 mostra antenas de satélites no planalto do Andres, em San Pedro Atacama, Chile - ESO/Xinhua](https://conteudo.imguol.com.br/c/noticias/2015/06/09/9jun2015---imagem-feita-em-12-de-marco-de-2012-fornecida-pelo-observatorio-europeu-do-sul-eso-mostra-antenas-de-satelites-no-planalto-do-andres-em-san-pedro-atacama-na-regiao-de-antofagasta-no-1433856055879_900x506.jpg)
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O periódico da Real Sociedade Astronômica inglesa, o Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, anunciou que deixará de cobrar para ler os artigos científicos, passando a um modelo de "acesso aberto" (open access). Parece ótimo, não? Mas ótimo para quem?
Até esse ano, cientistas podiam publicar de graça na revista. A partir de outubro, no entanto, seremos obrigados a pagar 2310 libras esterlinas (ou quase R$ 15 mil) por artigo publicado.
Vale lembrar alguns números: no Brasil, a última chamada do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para financiamento à ciência oferecia no máximo R$ 15 mil por pesquisador de um grupo, durante 3 anos. Ou seja, segundo esses valores, poderia pagar um artigo por pesquisador.
O mesmo CNPq exige (para que o pesquisador seja considerado "produtivo") um mínimo de 2 artigos por ano, ou 4 artigos por ano para a categoria mais alta.
Essa chamada "produtividade" é o que nos permite conseguir mais verbas — que claramente não são suficientes para pagar as taxas de publicação.
Notem também que não estou levando em conta todos os custos adicionais de pesquisa, como computadores e material de laboratório, que devem sair do mesmo fundo.
Também não considerei a grande maioria de pesquisadores que não conseguem o financiamento, devido à alta competitividade por pouca verba, esse talvez o problema mais grave.
As desigualdades se tornam cada vez mais evidentes.
Isso é um modelo contraproducente, excluindo uma fração significativa da população mundial do simples ato de fazer pesquisa.
As revistas, por outro lado, nem pagam o serviço de revisão e editoração, feito gratuitamente por nós, cientistas. Paga-se para publicar e/ou paga-se para ler, mas o trabalho para as publicações é gratuito. Imagino as margens de lucro das editoras.
A ideia de uma ciência aberta é excelente. O conhecimento deve ser capaz de fluir livremente e atravessar barreiras.
Mas as publicações científicas estão, muito pelo contrário, erguendo muros cada vez mais altos.
A prestigiosa Nature, por exemplo, cobra absurdos US$ 11 mil para permitir que os artigos sejam abertos. A tática é claramente de lucrar em cima do tal acesso livre.
Ao levarmos em conta as enormes diferenças de financiamento para a ciência ao redor do mundo, vemos que a prática deixa de ser simplesmente monetarista para se tornar efetivamente colonialista.
Agora os cientistas de países em desenvolvimento podem ler o que quiserem, mas são excluídos de participar da nata da literatura por uma questão financeira. Seremos cada vez mais espectadores passivos do avanço científico.
Desigualdades internas
A discussão traz à tona outros problemas internos, como a própria distribuição de verbas para a pesquisa no país. Essas verbas encontram-se fortemente concentradas no eixo RJ-SP.
Concretizando-se a mudança, o que acontece?
Os poucos grupos com mais verbas conseguem publicar nas principais revistas internacionais, ganham mais prestígio e visibilidade, e continuam entre os poucos a ganhar verbas. É um terrível círculo vicioso.
Temos que nos unir para negociar em conjunto com os editores da MNRAS, de tal forma a permitir o acesso a todos os cientistas do país através de acordo nacional.
É a única solução para permitir de maneira igualitária a possibilidade que todos possamos fazer ciência.
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