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Thiago Gonçalves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Modelo de acesso gratuito a artigo científico eleva desigualdade na ciência

Imagem de 12 de março de 2012 mostra antenas de satélites no planalto do Andres, em San Pedro Atacama, Chile - ESO/Xinhua
Imagem de 12 de março de 2012 mostra antenas de satélites no planalto do Andres, em San Pedro Atacama, Chile Imagem: ESO/Xinhua

17/03/2023 04h00

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O periódico da Real Sociedade Astronômica inglesa, o Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, anunciou que deixará de cobrar para ler os artigos científicos, passando a um modelo de "acesso aberto" (open access). Parece ótimo, não? Mas ótimo para quem?

Até esse ano, cientistas podiam publicar de graça na revista. A partir de outubro, no entanto, seremos obrigados a pagar 2310 libras esterlinas (ou quase R$ 15 mil) por artigo publicado.

Vale lembrar alguns números: no Brasil, a última chamada do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para financiamento à ciência oferecia no máximo R$ 15 mil por pesquisador de um grupo, durante 3 anos. Ou seja, segundo esses valores, poderia pagar um artigo por pesquisador.

O mesmo CNPq exige (para que o pesquisador seja considerado "produtivo") um mínimo de 2 artigos por ano, ou 4 artigos por ano para a categoria mais alta.

Essa chamada "produtividade" é o que nos permite conseguir mais verbas — que claramente não são suficientes para pagar as taxas de publicação.

Notem também que não estou levando em conta todos os custos adicionais de pesquisa, como computadores e material de laboratório, que devem sair do mesmo fundo.

Também não considerei a grande maioria de pesquisadores que não conseguem o financiamento, devido à alta competitividade por pouca verba, esse talvez o problema mais grave.

As desigualdades se tornam cada vez mais evidentes.

Isso é um modelo contraproducente, excluindo uma fração significativa da população mundial do simples ato de fazer pesquisa.

As revistas, por outro lado, nem pagam o serviço de revisão e editoração, feito gratuitamente por nós, cientistas. Paga-se para publicar e/ou paga-se para ler, mas o trabalho para as publicações é gratuito. Imagino as margens de lucro das editoras.

A ideia de uma ciência aberta é excelente. O conhecimento deve ser capaz de fluir livremente e atravessar barreiras.

Mas as publicações científicas estão, muito pelo contrário, erguendo muros cada vez mais altos.

A prestigiosa Nature, por exemplo, cobra absurdos US$ 11 mil para permitir que os artigos sejam abertos. A tática é claramente de lucrar em cima do tal acesso livre.

Ao levarmos em conta as enormes diferenças de financiamento para a ciência ao redor do mundo, vemos que a prática deixa de ser simplesmente monetarista para se tornar efetivamente colonialista.

Agora os cientistas de países em desenvolvimento podem ler o que quiserem, mas são excluídos de participar da nata da literatura por uma questão financeira. Seremos cada vez mais espectadores passivos do avanço científico.

Desigualdades internas

A discussão traz à tona outros problemas internos, como a própria distribuição de verbas para a pesquisa no país. Essas verbas encontram-se fortemente concentradas no eixo RJ-SP.

Concretizando-se a mudança, o que acontece?

Os poucos grupos com mais verbas conseguem publicar nas principais revistas internacionais, ganham mais prestígio e visibilidade, e continuam entre os poucos a ganhar verbas. É um terrível círculo vicioso.

Temos que nos unir para negociar em conjunto com os editores da MNRAS, de tal forma a permitir o acesso a todos os cientistas do país através de acordo nacional.

É a única solução para permitir de maneira igualitária a possibilidade que todos possamos fazer ciência.