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Thiago Gonçalves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por trás do buraco negro que 'vomita', a ciência corre risco de virar piada

Ilustração mostra evento de perturbação de marés (TDE), quando buraco negro destrói uma estrela que se aproxima demais - DESY, Science Communication Lab
Ilustração mostra evento de perturbação de marés (TDE), quando buraco negro destrói uma estrela que se aproxima demais Imagem: DESY, Science Communication Lab

29/10/2022 04h00

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Recentemente vi uma notícia sobre buraco negro vomitando uma estrela após ingeri-la. Vejo que isso segue uma tendência, digamos, escatológica de manchetes que falam sobre arrotos e flatulências de buracos negros. Coitados, parece que esses monstros cósmicos não têm bons modos.

Mas o que queria comentar aqui é mais a necessidade de tornar a ciência mais atraente nos jornais e sites de notícia através do uso de humor.

Veja bem, acho a tática perfeitamente válida. A própria ciência já pode ser dura demais às vezes, e o distanciamento técnico do nosso trabalho pode mesmo ser uma barreira de comunicação. Temos que encontrar linguagens diferentes e acessíveis para falar com a sociedade.

Meu medo é que essa seja a única cara da Astronomia na mídia. Nosso trabalho pode acabar parecendo uma curiosidade, um hobby divertido.

Some-se a isso a dificuldade de emplacar nos jornais nacionais a ciência que se faz no próprio país.

O investimento em divulgação científica no Brasil é baixíssimo, mesmo considerando os problemas de verbas destinadas à pesquisa.

Talvez por isso tenhamos tanta dificuldade para discutir a importância do aumento do investimento em ciência.

A opinião pública muitas vezes parece dividida, e a mobilização se torna quase impossível quando a pesquisa científica parece uma excentricidade de nerds.

Comparem a situação com a imagem da Nasa em seu país de origem. A própria agência espacial norte-americana usa do humor para divulgar suas pesquisas, e consegue frequentemente viralizar nas redes sociais. No entanto, ela faz isso de uma posição de enorme prestígio, de uma instituição respeitada pelos pares e pelo público em geral.

Aqui no Brasil, ao contrário, universidades muitas vezes são motivo de chacota. Fake news são propagadas pelos grupos de aplicativos, afirmando que são lugares de festas e drogas ilícitas.

Infelizmente, a pesquisa científica no Brasil não recebe o respeito que merece — temos grandes cientistas e pesquisa de ponta, mas pouca gente sabe disso. Eu mesmo já enfrentei esse preconceito aqui nesta coluna, infelizmente.

Dessa forma, na hora de defender o investimento em grandes projetos científicos, com valores na casa dos bilhões de reais, os argumentos ficam enfraquecidos. Congressistas mais avessos à ciência sobem à tribuna para argumentar contra o dinheiro de telescópios que está tirando a verba para dar comida aos mais pobres.

No entanto, parecem se esquecer de que são esses investimentos que muitas vezes permitem o desenvolvimento tecnológico que, por exemplo, leva ao desenvolvimento e melhoria de câmeras digitais, como a que você tem no seu celular.

Mais, a participação de cientistas brasileiros nesse projeto permite o crescimento da indústria tecnológica nacional, a criação de empregos e o progresso econômico.

Não precisamos parar de fazer piada com os buracos negros — afinal, acho que eles não se ofendem muito com isso. Mas vamos parar de tratar a ciência nacional como se fosse piada também, porque essa sim é (ou deveria ser) motivo de orgulho para todos nós.