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Letícia Piccolotto

OPINIÃO

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O que a aprovação do marco legal das startups muda para as govtechs?

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Imagem: cookie_studio/Freepik

29/05/2021 04h00

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No último dia 11 de maio, o marco legal das startups foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Ao longo de seus nove capítulos, a legislação aborda diversas temáticas relacionadas à constituição e à atuação das startups: definições legais, ambiente regulatório, medidas de incentivo ao ambiente de negócio, participação do governo em startups e compras públicas. O texto ainda deve ser sancionado pela presidência da república.

Para muitos especialistas, o marco legal das startups, como é conhecido o projeto de lei complementar 146/19, representa uma medida fundamental para o desenvolvimento do ecossistema inovador no Brasil. Por isso, sua aprovação foi muito comemorada e, acredita-se, terá um grande impacto e estímulo à atuação dessas empresas.

Mas a pergunta que fica é: afinal, o que muda para as govtechs?

Já adianto: muito embora a legislação não seja suficiente para enfrentar todos os desafios do setor, ela traz mudanças que impactam diretamente as startups que atuam junto aos governos - uma excelente notícia para esse ecossistema que não para de crescer.

Grande potencial de impacto

Segundo dados da Associação Brasileira de Startups, há mais de 13.500 startups no Brasil.

Atuando nos mais diferentes setores —finanças, e-commerce, educação, saúde—, essas empresas têm características muito particulares: quase sempre oferecem uma solução de base tecnológica, implementada a partir de metodologias ágeis e com alto potencial de escala.

Analisando especificamente o mercado govtech, temos a dimensão de sua relevância e crescimento.

O relatório "As startups GovTech e o futuro do governo no Brasil", realizado pelo BrazilLAB e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), aponta que há 80 startups consideradas como mais relevantes, ou seja, aquelas que vendem de maneira consistente para governos ou atuam em parcerias com o setor público.

Mas, no Brasil, esse é um mercado subaproveitado: ao menos 1.500 startups nacionais teriam potencial para serem govtechs.

A primeira grande mudança trazida pelo marco legal é a própria definição do que pode ser considerado uma startup. Elas passam a ser definidas como empresas com receita bruta de até R$ 16 milhões e até dez anos de existência formal, ou seja, de registro do CNPJ. Além disso, a inovação deve estar presente no modelo de operação da empresa.

Embora especialistas tenham opiniões diversas sobre a criação de uma tipologia —muitos argumentam que essa definição pode limitar em muito o espectro de organizações do setor—, há quem diga que esses critérios são fundamentais para diferenciar as startups de empresas de maior porte e que têm regras legais mais rígidas em relação a diversos temas, como investimentos.

Regras para investimento em startups

Com a aprovação do marco legal das startups, fica formalizada a figura do investidor-anjo, ou seja, indivíduos que aportam recursos na empresa sem participar de seu comando.

Além disso, há maior segurança para esses atores que, mesmo sendo investidores diretos da iniciativa, não são seus "sócios" e, por esse motivo, não respondem por qualquer disputa relacionada ao negócio, inclusive casos de recuperação judicial.

A legislação sancionada também traz outras modalidades de investimento, como recursos de fundos e a participação em programas ou editais de investimento.

Há condições específicas para essa aplicação —como a obrigatoriedade de que as iniciativas de financiamento estejam relacionadas à inovação—, mas não há dúvidas de que a ampliação de formas de financiamento das startups será decisiva para o desenvolvimento do setor, especialmente para as govtechs.

Afinal, como aponta o relatório elaborado pelo BrazilLAB e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), 90% dos negócios iniciaram com recursos próprios do fundador.

Como discuti aqui na coluna, é preciso criar uma cultura de investimentos em negócios voltados aos desafios do setor público. Eles não só são rentáveis, como mostram as startups do portfólio do BrazilLAB, como são fundamentais para enfrentar desafios históricos do setor público. Govtechs, portanto, geram impacto financeiro e, principalmente, social.

Compras públicas de inovação tecnológica

Considerando a atuação das govtechs, a principal contribuição trazida pelo marco legal, sem dúvida, está relacionada ao processo de compras públicas.

Tendo como inspiração práticas internacionais, o marco legal das startups inaugura o conceito de sandbox. Direcionado a startups que apresentem soluções para problemas públicos, os sandboxes regulatórios são ambientes experimentais controlados, em que a startup pode testar a sua solução em um contexto definido, ou seja, com um prazo determinado e uma amostra específica da população.

O conceito é novo, mas a partir de sua criação, agências reguladoras — como a Anatel ou Anvisa— podem suspender temporariamente determinadas exigências legais com vistas a estimular o desenvolvimento de soluções que sejam inovadoras para o setor público.

Além disso, também foi aprovada a modalidade especial de licitação para as startups, que será formalizada a partir da celebração de um Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI). Com requisitos diferenciados para contratação, a modalidade pode resultar em processo mais alinhado aos requisitos da inovação.

Balanço da nova legislação

Como mencionei, o marco legal das startups não soluciona todos os problemas enfrentados pelo setor, especialmente pelas govtechs.

Mas não há dúvidas de que sua aprovação é fundamental. Em conjunto com outros marcos regulatórios,como a recém-aprovada Lei de Governo Digital (Lei Federal nº 14.129), podemos esperar um crescente amadurecimento do ecossistema de startups no Brasil.

Considerando o potencial impacto das govtechs na resolução de desafios públicos, essas mudanças são muito aguardadas e bem-vindas. Sem dúvidas, há muitos motivos para celebrar.