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Dublar um game pode custar até R$ 500 mil; saiba como funciona o processo

Theo Azevedo

Do UOL, em São Paulo

10/02/2015 10h03

"Lembro muito bem de ter dito: pare o ônibus. É, pare o ônibus. Não atire no ônibus”. Estas são as primeiras palavras de Pagan Min, o icônico vilão de "Far Cry 4", game da Ubisoft dono da melhor dublagem em português de 2014, segundo os internautas do UOL Jogos.

De cinco anos pra cá, dublar um jogo em português do Brasil (ou PT-BR) tornou-se quase um padrão para qualquer lançamento de grande porte, os chamados "AAA". É um investimento que pode passar de R$ 500 mil em projetos mais complexos, como um "Assassin’s Creed", e envolver literalmente centenas de dubladores por meses.

"Enquanto jogos de tiro, de corrida ou de plataforma podem não exigir conhecimento em inglês, RPGs sem tradução para os idiomas locais vão atrair apenas um pequeno grupo de jogadores, fluente em inglês", teoriza Marcin Iwinski, co-fundador da CD Projekt, que em maio vai lançar "The Witcher 3: Wild Hunt", cujo trabalho de dublagem em português durou oito meses e envolveu duzentos dubladores, que se dividiram entre 531 personagens.

A Ubisoft, por sua vez, decidiu dublar em português todos os seus principais jogos. "O potencial do mercado já está provado", diz Marcio Soares, gerente de negócios da empresa. O escritório local costuma participar do "casting" de atores para garantir a qualidade do produto final.

Pois é, qualidade: felizmente, é cada vez menor o número de dublagens toscas, como foram os casos de "Killzone 3" (2011), cujas interpretações não passavam emoção alguma, e de "Max Payne 3" (2012), que tinha vozes em português com um claro sotaque estrangeiro.

"Dublar um game é muito diferente de dublar um filme, pois na maioria dos casos você não tem a imagem para servir de referência", explica Cristiano Prazeres, dono da Maximal, um estúdio de dublagem especializado na área de games e que, hoje, só trabalha com este segmento, tendo no currículo títulos como "Grid 2" e "Battlefield 4".

Passo a passo da dublagem em PT-BR

Pré-produção
Entre três e seis meses antes do lançamento do jogo, o estúdio recebe a planilha com os diálogos de cada personagem ou cena, que normalmente já foram traduzidos para o português por outra empresa. Como não há vídeos para orientar o trabalho, o dublador costuma se basear pelo briefing de cada personagem – dos principais, ao menos. Às vezes é possível ter acesso aos diálogos em inglês.

O estúdio, então, faz o casting, sugerindo ao cliente algumas opções de vozes para os personagens principais. Para os secundários, a escolha é “no escuro”, pois não há brefing para estes.

Cada áudio original é separado e organizado cena por cena; assim o dublador entre em ação apenas para gravar.
Gravação
É hora de os dubladores trabalharem. E como trabalham: “Battlefield 4”, por exemplo, teve 150 mil palavras, que equivalem a 180 horas de gravação.

Como há jogos com centenas de personagens, é comum haver a “dobra”, quando um mesmo dublador interpreta diferentes personagens – às vezes 10 ou 15. Como faltam referências para o profissional, muitas vozes não batem com o personagem. Além disso, o diretor de dublagem precisa ter atenção ao roteiro, para que dois personagens dublados pelo mesmo profissional não corram o risco de se cruzar ou interagir durante o game.

Os arquivos são enviados ao cliente por link direto seguro, tudo sob acordo de confidencialidade.
Pós-produção
Um estúdio no exterior ou o próprio publisher se encarrega de colocar os arquivos no jogo, quando é feita a inserção de efeitos (sons de tiro, portas abrindo etc) e a sincronia labial.

Dublando no escuro

O dublador costuma contar apenas com um "briefing" do personagem e, sem acesso a imagens ou vídeos, orienta-se pelo áudio original, em inglês. "Quando você está dublando um filme, vê tudo o que está acontecendo, como a expressão facial do personagem e o que ele está fazendo. No game, sem a imagem, é preciso prestar muito mais atenção na voz, que é a única referência", explica Ricardo Juarez, que já fez Kratos em "God of War: Ascension", dentre outros trabalhos.

Os perrengues da dublagem

  • Divulgação

    "Quando estava gravando a voz do Marius [Titus], do “Ryse: Son of Rome”, notei que do nada a voz original, em inglês, mudou completamente. Não parecia mais a mesma. Pensei que fosse algum erro. Mais tarde concluí que era o mesmo personagem, só que com uma voz mais leve. Com o jogo em mãos, enfim descobri que se tratava de uma cena de flashback, com o Marius mais jovem. Não havia qualquer indicação sobre isso no roteiro, por isso é tão difícil dublar um game, sendo necessário redobrar a atenção para interpretar a cena".

  • Ricardo Juarez, dublador

Para Sergio Moreno, dono de um estúdio de dublagem que leva seu nome, o que faz a diferença no produto final é a qualidade dos profissionais envolvidos: "Todo dublador tem que ser ator", resume Moreno, que por sinal é a voz de Pagan Min, do "Far Cry 4" e Aiden Pearce, protagonista do "Watch Dogs".

É o estúdio de Moreno que está por trás da dublagem de "The Witcher 3", no qual interpreta o personagem principal, Geralt. "Todo o elenco de dubladores do Rio de Janeiro [onde fica o estúdio] não dá conta de um projeto como ‘The Witcher 3’", diz Moreno. Por essa razão – e por motivos econômicos também, é claro -, é muito comum que um mesmo dublador faça múltiplas vozes num mesmo título.

E é nesse ponto que as coisas podem começar a dar errado, já que para personagens que só tem uma ou duas falas às vezes sequer há o áudio original para servir de guia: "Muitas vezes uma voz não bate com o personagem por conta da falta de referência e não há o que ser feito, pois o número de dubladores no projeto é delimitado conforme escopo e orçamento", explica Prazeres.

São Paulo e Rio de Janeiro polarizam a imensa maioria das dublagens de games. Na primeira cidade, um dublador ganha R$ 200 por hora de trabalho, cálculo baseado numa projeção de 800 palavras por hora. Já no Rio o conceito é diferente, baseado em arquivos gravados, que custam R$ 6, mas podem variar radicalmente de tamanho.

Muitos dubladores sequer estão familiarizados com jogos eletrônicos: "Os [dubladores] mais novos até curtem games e conhecem o processo, mas os mais velhos não se importam muito nem em ver o resultado final", diz Prazeres, que procurar dar chance a novos profissionais. "Os estúdios precisam se especializar [em games] para contornar os obstáculos desse processo, que não vai mudar".

Para Moreno o dublador acostumado com TV e teatro vai encontrar dificuldade ao trabalhar com games: "O mercado de dublagem é muito fechado e não há tempo de ensinar os novos [profissionais]. Ainda estamos aprimorando esse elenco, que melhora a cada jogo".

No final das contas, tudo parece estar ligado à equação tempo versus dinheiro, algo que envolve uma sintonia entre o publisher e o estúdio: “O que temos feito agora é procurar estúdios preocupados com a qualidade do resultado final, menos preocupado em economizar tempo de gravação e mais em comprometer-se com o projeto, diz Soares.

VEJA TRAILER DUBLADO EM PORTUGUÊS DE "FAR CRY 4"

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