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Dez anos de "Erinia": RPG online brasileiro apostou no folclore, mas falhou

Théo Azevedo

Do UOL, em São Paulo

10/12/2014 15h54

Em 2014 "World of WarCraft", principal RPG online de todos os tempos, completou dez anos de idade, ocasião merecidamente celebrada pelos fãs do jogo, que ganhou uma nova expansão, "Warlords of Draenor", e segue firme e forte com dez milhões de assinantes.

No Brasil quem joga “World of WarCraft” paga R$ 15 por mês, coincidentemente o mesmo valor da mensalidade de “Erinia”, que também foi lançado em 2004. Mas as semelhanças entre “WoW” e o primeiro MMO desenvolvido no país param por aí.

Produzido pela extinta Ignis Games, que ficava em Niterói (RJ), "Erinia" levou três anos para ficar pronto e custou R$ 3 milhões, boa parte deles captada de BNDES, BID, Fapesp e Sebrae. Na época os RPGs online eram o que havia de mais moderno e fascinante no mundo dos games, o que ajudou a seduzir os investidores. Além disso, "Erinia" caiu nas graças da mídia por utilizar como base o folclore nacional, na obra de Luís da Câmara Cascudo.

Cesar Augusto Barbado, Rafael Aguilher da Costa e Marcos Cruz Alves, sócios da Ignis, deixaram seus empregos no setor bancário para perseguir o sonho de lançar um MMO. Além das verbas de financiamento, conseguiram ainda investimento privado e, como muitas vezes acontece em casos assim, puseram também grana do próprio bolso, seja ao vender o carro próprio ou empenhar economias pessoais.

Com 15 funcionários a Ignis deu vida à Tuorhence, o mundo de "Erinia", com nove milhões de metros quadrados preenchidos por praias, cidades, pântanos e florestas. A influência do folclore podia ser vista dos monstros - sacis, velhos do saco e caiporas - às “classes” dos personagens, que incluíam até caixeiro-viajante.

Calma que tem mais: era possível fazer macumba (!!!) para prejudicar um adversário - isso que é PvP, hein?! -, que por sua vez precisaria ir a uma sessão de descarrego para consultar o além e desfazer o trabalho.

Com meros 160MB o client de "Erinia" rodava em um PC com 500MHz, 128MB de RAM e placa de vídeo de 16MB. Outra alternativa era obter um CD com o arquivo, que chegou a ser distribuído na revista EGM Brasil. Na época o modelo corrente nos RPGs online era o da mensalidade, então terminado o período de degustação, de 30 dias, passavam a vigorar os R$ 14,90 a cada trinta dias.

600 jogadores simultâneos

O que a Ignis não imaginava era que criar e manter um MMO fosse tão difícil: “O volume de usuários que tivemos durante os testes foi insuficiente para identificar determinados problemas, que surgiram apenas após o lançamento”, disse Barbado em entrevista ao UOL Jogos quatro anos atrás.

A empresa descobriria da pior forma possível que lançar um MMO é apenas o começo de um longo e caro processo, já que um game do gênero precisa corrigir bugs e adicionar conteúdo novo em ritmo constante. Para tanto, porém, é preciso dinheiro que, por sua vez, vem dos assinantes. “Erinia” não chegou nem perto de completar este ciclo.

Eventualmente os bugs foram sanados, mas já era tarde demais: “Erinia” alcançou, no máximo, picos de 600 usuários simultâneos e sobreviveu apenas por alguns meses. “Tanto o dinheiro de investidores como o patrimônio pessoal que os sócios investiram no projeto foram perdidos”, lamentou Barbado, que se pudesse voltar no tempo afirma que não faria “Erinia” novamente.

Pesaram também as comparações com “World of WarCraft” e mesmo “Ragnarök Online”, que desembarcava na época por estas bandas. Perto deles “Erinia” era modesto demais, com missões pouco variadas e gráficos defasados. Sequer havia mapa dentro do jogo, então era comum ser vitimado por monstros com nível de experiência muito maior simplesmente por se aventurar no lugar errado.

ASSISTA AO TRAILER DESTE CURIOSO MMO BRASILEIRO

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Fracasso no Brasil, calote na Alemanha

A Ignis ainda conseguiu lançar "Erinia" na Alemanha, mas levou um "tombo" do parceiro local, numa época especialmente árdua para conseguir bons aliados no exterior: “O publisher na Alemanha não honrou o contrato, não investiu o combinado na campanha de marketing, e não nos pagou".

Mesmo arregimentando uma base pequena de jogadores, alguns dos mais apaixonados não se conformaram com o fim de “Erinia” e decidiram manter o jogo por conta própria. “A Ignis ainda tem os direitos sobre o jogo, trata-se apenas de uma concessão para que essas pessoas tenham a oportunidade de continuar jogando o ‘Erinia’”, explicou Barbado.

Quem hoje acessa http://www.erinia.com.br, no entanto, se depara com uma promessa do MMO brasieiro que pode não ter dado certo, mas é duro na queda: "Estamos reformulando este website. Dentro de alguns dias estaremos disponibilizando um website novinho em folha para os admiradores do Erinia. Por favor, aguarde!".