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Ricardo Feltrin

Análise: Explosão do streaming vai obrigar TV paga a se reinventar

Pluto TV, serviço de streaming gratuito, chega em dezembro ao Brasil - Reprodução/Internet
Pluto TV, serviço de streaming gratuito, chega em dezembro ao Brasil Imagem: Reprodução/Internet

Colunista do UOL

20/08/2020 00h09

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Foram dois anúncios de enorme peso no mercado só nesta semana: o conglomerado Disney anunciou a estreia no Brasil do serviço de streaming Disney+ em 17 de novembro; e ontem foi anunciada a estreia da PlutoTV por aqui em dezembro.

A PlutoTV é uma plataforma de streaming de modelo diferente: é gratuita, mas, ao contrário da Netflix, sua programação tem publicidade e comerciais.

Essas duas potências midiáticas vêm se somar já ao disputadíssimo e ascendente setor do streaming no país.

A Disney e seu conteúdo não precisam de apresentações.

Já a PlutoTV tem conteúdo dos impérios Viacom e CBS e anunciantes pesos-pesados como Unilever e Mercado Livre, entre tantos outros.

Por aqui já temos disponíveis para assinar a líder Netflix, Amazon Prime, Globo Play, PlayPlus e AppleTV, além de outros serviços menores, mas não menos relevantes.

Com uma população de mais de 210 milhões de habitantes sedentos por conteúdo, era óbvio que o Brasil viraria alvo de qualquer empresa de grande porte.

Péssimo timing para a TV paga

O problema é que essa explosão do streaming chega no pior momento dos quase 25 anos de TV por assinatura no país.

Dados oficiais de junho da Anatel apontam que junho terminou com 15,18 milhões de assinantes de TV no país. Em novembro de 2014 eram praticamente 20 milhões.

Desde então não houve um mês em que a TV paga brasileira não perdesse assinantes. E nada indica que essa tendência vá mudar.

Pelo contrário: o "boom" do streaming é o maior indício de que o modelo de negócio "TV por assinatura" terá de se reinventar —inclusive com uma mudança profunda da legislação de telecomunicações atual.

Hoje o ibope e consumo de streaming no país já é o vice-líder de uso de TV no Brasil, só atrás da Globo.

O chamado "empacotamento" de canais da TV paga terá necessariamente de mudar, caso o setor não queira morrer de forma ainda mais rápida, porém não menos agonizante.

Vejam bem: é o modelo da TV paga que precisa mudar, não fiquem preocupados com as operadoras porque essas vão continuar com seus faturamentos bilionários com a telefonia, a internet —inclusive a 5G— e, em breve, também com conteúdo exclusivo.

Ou seja, as operadoras não correm risco algum. Seus inimigos portanto podem parar com esse risinho maligno e de esfregar as mãos de prazer atrás da pilastra porque elas vão continuar saudáveis e bilionárias. E isso é bom para o país, acreditem.

Empacotamento novo

Tudo leva a crer que a maior mudança que a TV paga sofrerá nos próximos anos será no seu sistema de "empacotamento" de canais.

Após quase duas décadas de hegemonia e lucros absurdos, as operadoras terão talvez de passar a respeitar mais o desejo dos assinantes de não querer receber canais inúteis em seus pacotes caríssimos.

Hoje elas se escoram na lei que obriga que os pacotes venham com uma quantidade x de canais abertos em VHF e UHF.

Daí você só ter a opção de assinar um pacote "x", caríssimo, com mais de 100 canais, mas que você não assiste nem a 10% disso.

Como isso será feito? Como jornalista dedicado às comunicações, não faço ideia, mas, como disse anteriormente, tudo vai depender também de uma nova legislação.

Não é justo que o assinante pague R$ 150, R$ 200 ou até R$ 300 por um pacote premium de canais, sendo que 90% deles de "premium" não têm nada —são conteúdos mequetrefes, mambembes, quando não absolutamente inúteis para a maioria dos telespectadores.

Hoje com menos de R$ 200 é possível assinar a quase TODOS os serviços de streaming no Brasil e ter um conteúdo, com exceção do jornalismo e dos esportes em tempo real, muito melhor do que qualquer pacote premium.

Isso porque nem vamos falar hoje neste texto sobre os efeitos devastadores da pirataria na TV paga...

Canais vão morrer

Se isso de fato ocorrer, se um dia as operadoras tiverem de vender pacotes por número de canais, e não por menu fechado, um outro efeito colateral será inevitável: a morte de muitos canais de nicho e, acredito, de muitos canais religiosos.

Hoje esses canais recebem alguma remuneração das operadoras só porque estão incluídos obrigatoriamente em pacotes fechados vendidos.

Ninguém os assiste, mas eles estão nos pacotes. É isso que vale.

Se o modelo mudar, por exemplo, oxalá, para pacotes por número de canais, certamente esses canais de nicho perderão receita e não terão mais como se manter.

Se isso é negativo?

De certa forma, sim, uma vez que a diversidade de conteúdo é sempre benéfica. Mas, se o canal em questão não tem público suficiente para se manter, talvez ele seja destinado a morrer sem o "sustento" das operadoras.

É triste, pois centenas ou milhares de empregos poderão ser cortados, mas isso faz parte da evolução da comunicação e da própria humanidade.

Não fosse ainda estaríamos vivendo o início do século 19 com os luditas destruindo máquinas de tear porque elas, com sua eficiência e produtividade, exterminaram empregos dos trabalhadores braçais.

A Claro se mexeu

Entre as operadoras, a Claro mostra que está desperta. Segundo revelou o site Tecnoblog.net em julho, a Claro está preparando um box de TV e streaming para clientes.

A Claro Streaming Box vai oferecer conteúdo (inclusive Esportes e jornalismo) inclusive no varejo (para não assinantes).

É uma mudança e tanto.

Este texto obviamente é uma análise e não arroga estar correto.

Não é um texto premonitório. É, isso sim, uma perspectiva potencial diante da maior mudança midiática desde o surgimento da internet.

Aliás, toda essa mudança —o streaming— ainda faz parte dos efeitos da chegada da internet no país, em meados dos anos 90

Onde isso vai parar ninguém sabe.

Mas, a TV por assinatura já sabe: se não mudar, se não se reinventar, vai assinar seu próprio atestado de óbito.

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