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Bikini Kill reúne garotas rebeldes de várias gerações em catarse punk em SP

Duas tempestades passaram por São Paulo na terça-feira (5). Uma delas foi o evento que marcou a primeira apresentação no Brasil da lendária banda americana Bikini Kill. A outra foi a que deu trabalho para muita gente conseguir chegar até a Audio Club, contratempo superado com casa lotada marcando um show histórico.

Ainda aqui, tentando processar tudo o que foi o primeiro show no país do Bikini Kill, banda que definitivamente deixou uma marca indelével na minha vida e tenho certeza que na de muitas pessoas ali. Um divisor de águas, especialmente se você é ou foi uma garota adolescente. Exatamente o que aconteceu comigo quando eu tinha 15 anos em 1995.

Flávia, vocalista e guitarrista da banda The Biggs, uma das atrações de abertura do show do Bikini Kill, no dia 5/3, em São Paulo
Flávia, vocalista e guitarrista da banda The Biggs, uma das atrações de abertura do show do Bikini Kill, no dia 5/3, em São Paulo Imagem: Marcela Mattos/Divulgação

Bikini Kill é a trilha sonora do movimento Riot Grrrl, que uniu feminismo e punk e chegou ao Brasil nos idos dos anos 1990, tendo seu auge nos anos 2000 e influenciando toda uma cena musical de bandas e público formados essencialmente por garotas. E nós estávamos (quase) todas lá na Audio celebrando.

Desde o momento em que foi anunciado que a banda viria, uma onda de excitação e ansiedade tomou conta de quem sempre amou a banda, mas nunca imaginou a possibilidade de um dia poder vê-la ao vivo, ainda mais em casa. Afinal, elas haviam encerrado as atividades em 1997.

Quando os boatos de um retorno se confirmaram em 2019, o desejo era imenso de poder ver um show, mas ainda sem previsão para América Latina no radar. Graças ao corre imenso da produção da galera da Associação Cultural Cecília, o sonho virou realidade!

Kathleen Hanna canta com o Bikini Kill no Audio Club, em São Paulo, onde a banda faz um segundo show no dia 14/3
Kathleen Hanna canta com o Bikini Kill no Audio Club, em São Paulo, onde a banda faz um segundo show no dia 14/3 Imagem: Mila Maluhy/Divulgação

A vontade era tanta que os ingressos se esgotaram em questão de horas, o que não foi surpreendente. Afinal, o Bikini Kill é muito mais do que uma simples banda de punk rock, elas são o ícone, referência básica de empoderamento feminista que ecoa através das gerações.

Caravanas de fãs de todos os cantos do Brasil se reuniram para testemunhar esse momento histórico, a conferência Riot.

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O coração batia forte, enquanto aguardávamos ansiosamente pelo início do show. No meio do público era alegria encontrar tanta gente amiga de anos e novos também conectados com a energia do momento.

Momento em que a baterista do Bikini Kill, Tobi Vail, assume o vocal no show na terça (5), em São Paulo
Momento em que a baterista do Bikini Kill, Tobi Vail, assume o vocal no show na terça (5), em São Paulo Imagem: Mila Maluhy/Divulgação

Casa aberta às 18h e uma galera já se aglomerava na grade para garantir a primeira fila —além dos fãs que aguardavam havia mais de 20 anos por esse momento, muita juventude também. Estar ali, naquele momento histórico, era incrível demais.

Logo as bandas de abertura começaram: a primeira a subir ao palco foi a Flor Cadáver, com seu som hipnótico e atmosférico. Em seguida, Bertha Lutz trouxe à tona o poderoso hardcore feminista, destaque para a carismática vocalista Bah Lutz —e ainda teve a participação especial de Ieri, da clássica banda Bulimia, de Brasília, que adicionou uma energia extra.

A baixista e vocalista do The Biggs, Mayra, durante show de abertura do Bikini Kill
A baixista e vocalista do The Biggs, Mayra, durante show de abertura do Bikini Kill Imagem: Marcela Mattos/Divulgação

E, então chegou a vez da minha banda, The Biggs. Ansiedade a mil e as emoções transbordavam. Um filme passou na minha cabeça: comecei a tocar guitarra com 14, 30 anos se passaram, desde ouvir, me inspirar e me apaixonar por Bikini Kill e estar ali, compartilhando o palco. Uma honra e um privilégio indescritível.

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Fizemos questão de representar e entregar com toda a energia nosso recado. Destaque aqui para toda equipe técnica e de produção que arrasou muito e fez tudo rolar da melhor maneira possível.

Ao olhar para a multidão à minha frente, soube que o legado estava mais vivo do que nunca e a atitude e a mensagem do Riot Grrrl sendo passadas para uma nova geração apesar do hiato da banda de tantos anos, devido especialmente a questões de saúde de Kathleen Hanna (ela foi diagnosticada com a Doença de Lyme em 2010).

Brown, baterista da banda The Biggs, que toca punk influenciado pelo grunge
Brown, baterista da banda The Biggs, que toca punk influenciado pelo grunge Imagem: Marcela Mattos/Divulgação

Por isso, a apresentação no Brasil também exigiu vários protocolos, dentre eles o uso de máscaras para toda a equipe de trabalho, testes de Covid para as bandas de abertura, distanciamento físico entre a banda e público sem a possibilidade do tão esperado de "meet and greet", o que não chegou a comprometer o momento. Mas talvez, se tivesse acontecido, teria abrilhantado a experiência de ambos os lados, diga-se de passagem.

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Mas, por falar em nova geração, antes de tocarmos, encontrei a técnica de som do Bikini Kill, que me perguntou: "Você se lembra de mim? Eu fui campista do Girls Rock Camp de Portland em 2005, e você foi muito importante pra mim como voluntária lá!".

Cria do movimento Riot Grrrl, o Girls Rock Camp estimula o empoderamento feminista de meninas através de vivências musicais coletivas há muitos anos e, no Brasil, desenvolvemos este trabalho desde 2013. O GRCBR deu apoio a esta mobilização para trazer o Bikini Kill para o Brasil. E foi muito emocionante ouvir o depoimento de Jade e também compartilhar com ela este momento.

A vocalista do Bikini Kill, Kathleen Hanna, uma das pioneiras da cena punk feminina nos EUA, durante show em São Paulo
A vocalista do Bikini Kill, Kathleen Hanna, uma das pioneiras da cena punk feminina nos EUA, durante show em São Paulo Imagem: Mila Maluhy/Divulgação

O show do BK começa, e elas foram mandando uma clássica atrás da outra. Ver Kathleen Hanna, Tobi Vail e banda ali de pertinho pulando, dançando e tocando ao vivo aquelas músicas que foram a trilha sonora da minha adolescência e de tantas presentes, ouvir em alto e bom som as letras provocativas e apaixonadas e a atitude que desafiou as normas sociais e que levantou questões tão importantes de gênero, abuso e patriarcado foi de uma força indescritível.

O show todo foi uma catarse, o público não parou de pular e cantar por um minuto. No meio da roda punk, encontrávamos a todo momento amigas de longa data de diferentes partes do Brasil e cantávamos juntas emocionadas.

O tempo parece que voou! Mas ainda bem que tinha bis e, na volta, tocaram "Double Dare Ya" e o hino "Rebel Girl", levando o público ao delírio. Neste momento, eu, que estava bem ali na frente, cantando com um monte de manas, olhei para os lados com a sensação maravilhosa, vendo garotas de diferentes gerações ali cantando junto. Meus olhos se encheram de lágrimas. É impressionante demais o poder que a música tem para tocar e transformar nossas vidas.

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Para quem perdeu ou quer mais, há mais uma oportunidade no dia 14/03.

Bikini Kill

Quando: 14/3, às 18h
Onde: Audio Club (av. Francisco Matarazzo, 694, São Paulo, SP)
Quanto: R$ 318 (pista, meia) e R$ 636 (pista, inteira)
Ingressos: disponíveis em Ticket360, na bilheteria do Audio Club (sem taxa), de segunda a sábado, das 13h às 20h, e na Associação Cultural Cecília (sem taxa), às terças, quintas, sextas e sábados, das 19h à 0h, e aos domingos, das 21h à 0h.
Shows de abertura: As Mercenárias, Punho de Mahin, Weedra e as DJs CamillaJaded & Erika

* Flávia Biggs, 44 anos, é guitarrista e vocalista da banda The Biggs, socióloga e educadora. Fundadora e Diretora do Girls Rock Camp Brasil, militante feminista, apaixonada por música e mãe do Gael. Apoie o Girls Rock Camp Brasil

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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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